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sexta-feira, 18 de abril de 2014

Poetas buscam novos caminhos para chegar ao público


Mariana Tokarnia - Agência Brasil


As dificuldades de ter um livro publicado e vendido nas grandes livrarias, de fazer parte do chamado mercado editorial, fazem com que poetas tenham que, cada vez mais, ganhar as ruas e descobrir caminhos para divulgar e vender seu trabalho.

As plataformas não podem se restringir apenas aos livros, têm que alcançar viadutos, praças, paredes, camisetas e, principalmente, a internet. Hoje (17), o assunto foi tema da mesa A produção poética, o leitor e o mercado editorial, na 2ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura. "A Voz do Ventríloquo não está em nenhuma livraria do país", disse o poeta Ademir Assunção, autor do livro, pelo qual recebeu, no ano passado, o Prêmio Jabuti de Poesia. "Meu editor ofereceu para as grandes livrarias, mas exigências eram tantas que ele me perguntou se valia a pena. Eu disse que não. As regras são muito predatórias."

A saída encontrada por Assunção foi colocar o livro à venda na internet. "Para a poesia, a internet é um meio muito melhor e mais adaptável que para o romance", diz o autor, que costuma publicar poemas em sua página do Facebook. "Vi que é um meio ótimo, onde se tem de tudo. Até poemas. Leio coisas muito interessantes, conheço autores pelo Facebook. O Facebook é a rua, dá tudo."

O poeta brasiliense Nicholas Behr, associado à chamada Geração Mimeógrafo e à Poesia Marginal, não poupa esforços para que o que escreve chegue aos leitores. "Escrevo para ser lido e divulgado, vou às escolas, compartilho meus sentimentos, minhas emoções, mando meus livros pelo correio – eu adoro enviar pelo correio", contou Behr.

Segundo ele, que também usa a internet e o Facebook para divulgar sua poesia, o maior prêmio é o contato e o reconhecimento do leitor. "Eu estou sempre facilitando o contato. No meu livro tem e-mail, telefone e endereço. Sempre me perguntam se sou louco por dar essas informações. Eu digo, fica tranquilo, os pedidos são pouquíssimos. Esse é um privilégio do poeta menor."

O também poeta Wilson Pereira vê na educação e nos programas governamentais uma forma de divulgar as obras e difundir a poesia. O nome de Pereira consta da lista de autores do Programa Nacional do Livro Didático, que distribui obras nas escolas públicas de todo o país. Com isso, Pereira já vendeu mais de 20 mil cópias. "Poesia não é um gênero desprezado, precisa de mais promoção. Precisa estar nos muros, no telão dos estádios, precisa popularizar a poesia", ressaltou.

Apesar de algumas obras chegarem aos alunos, observou o poeta Zé Carlos Vieira, nas escolas, falta incentivo à leitura, ao consumo de arte, em geral. "É na escola que acontece a formação de plateia, de leitor, de consumidor de arte."

A Bienal do Livro tem entrada franca e vai até segunda-feira (21), na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. A programação está disponível na página do evento.

Confira um dos poemas em prosa do livro



UM QUILO MENOS DISSO
Há uma canção melancólica de Tom Waits que narra a história de uma garota interiorana que vai para Nova York e cai nas mãos de pessoas erradas. No fim, restam apenas alguns litros de sangue na calçada e uma bolsa de pele de crocodilo vazia, jogada no bueiro por um vigarista. Há uma canção de Bob Dylan que narra o desterro de uma garota de nariz empinado que acaba na sarjeta, tendo que filar o rango de um maltrapilho que ela olhava do alto do pedestal. How does it fell/ To be on your own/ With no direction home/ Like a complete unknow/ Like a rolling stone? Há dias de calmaria e há dias de tormenta. Há um disco de Carmen McRae rolando na vitrola. Há céus azuis e há céus cinzentos. Há anjos e há demônios em quase todas as mitologias. Há pessoas que julgam e há pessoas que não se importam mais. It could be right or it could be wrong. Não há erros. Há fluxos, rajadas de vida. E muitas vezes o vento muda de direção. Há pessoas que às vezes estão tristes. Há muito desacerto. Há certezas demais. Há um vazio gigante entre os dois extremos da conexão. Há coisas que acontecem somente para que os antigos laços sejam reatados e novos sejam rompidos. Há drogas pra dormir. Há um avião B-52 caindo, há o rugido pesado de uma guitarra e há o choro de um recém-nascido. Há bombas que foram lançadas em 1944 e ainda não pararam de cair. Há um muro bem ali na frente. Ainda não consigo distinguir sua cor. Não sei nada sobre sua textura. Nem sobre sua densidade. Mas sei que estou indo em direção a ele. A 180 por hora. E não vou tirar o pé do acelerador.

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