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sábado, 12 de julho de 2014

A derrota do Brasil explicada pela Medicina Baseada em Evidências.

O vexame do Brasil foi estatisticamente significante ?

pelo Dr.  (dica do César Titton)

O estatístico americano Nate Silver criou um modelo preditor que estimou em 65% a probabilidade do Brasil ter ganhado o jogo contra a Alemanha. Foi este resultado que postei no facebook ontem, no intuito de aumentar nosso otimismo horas antes do pontapé inicial. Para criar o modelo, Nate Silver utilizou o banco de dados ELO, que possui informações de confrontos entre seleções desde o século XIX, aliado ao fato de que Brasil estava jogando em casa. Tal como discutimos na última postagem deste blog (pensamento probabilístico), não teria sido muito surpresa o Brasil perder aquele jogo, pois restava 35% de probabilidade da Alemanha sair vitoriosa. A surpresa mesmo veio do vexatório 7 x 1 sofrido pelo Brasil. E por este motivo pergunto se este absurdo resultado foi estatisticamente significante. 

O resultado final do placar sugere que a Seleção Alemã é imensamente superior à Brasileira. Mas a Alemanha é tão melhor assim que o Brasil ou este placar foi por acaso? De acordo com o modelo de Nate Silver, a Alemanha ganharia do Brasil por 6 gols de diferença em apenas 1 de 900 jogos, indicando que a probabilidade deste resultado era de 0.11% (valor de P = 0.0011). 

O que significa valor de P? Significa a probabilidade da diferença observada aparecer, caso a hipótese nula (Brasil = Alemanha) seja verdadeira. Ou seja, se os dois times fossem mais ou menos equivalentes (como mostra o histórico representado pelo modelo preditor), qual a probabilidade aleatória (azar) deste resultado extremo se fazer presente? 


Em sua entrevista ontem, Felipão deu sua versão do ocorrido, falando algo assim: “O time vinha bem, atacando, quando aos 21 minutos [na verdade foi 11 minutos] veio o primeiro gol de escanteio, causando um apagão no Brasil, permitindo que a Alemanha fizesse mais 4 gols em 10 minutos. Depois de 5 gols de diferença, fica difícil reverter o resultado."Observem que sua explicação tem uma conotação de acaso, um azar que durou 10 minutos, causando um desastre impossível de reverter. Parreira, por sua vez, disse que a taça “escapou”, usando mais uma palavra de apologia ao acaso.

Escrevo esta postagem enquanto assisto ao monótono 0 x 0 de Argentina e Holanda. Acaba de entrar um reporter da ESPN dizendo que Felipão e Parreira deram outra entrevista hoje, na qual disseram que fariam tudo igual se tivessem uma segunda vez. Continuam sugerindo que foi tudo por acaso.

A função primordial da ciência é diferenciar acaso de causa, escolher uma entre estas duas possibilidades: azar do Brazil ou superioridade imensa da Alemanha. Vamos então ao teste de hipótese estatística: se os dois times tivessem qualidade semelhante (hipótese nula), a probabilidade deste resultado ocorrer seria tão baixa (0.11%) que acabamos por concluir que os times são diferentes. Rejeitamos a hipótese nula do acaso e ficamos com a hipótese alternativa dacausa: a Alemanha é muito melhor que o Brasil. 

Estatisticamente, perder da Alemanha poderia ser aceito como azar se fosse por 1 ou 2 gols de diferença, pois esta probabilidade seria em torno de 35% (P = 0.35). O P de uma derrota normal não era estatisticamente significante (> 0.05). Neste caso sim, Felipão poderia ter atribuído sua derrota ao azar. Mas com um P = 0.011, é desafiar a inteligência do brasileiro. 

Confirmado que a relação foi causal, precisamos discutir qual foi a causa. Ao escolher sua explicação para o ocorrido, Felipão contou uma história tão inverossímil, que demonstrou sua total ignorância sobre probabilidade. Estou querendo demais de sua inteligência? Nem tanto, segundo a ESPN, os técnicos europeus dos dias atuais trabalham com estatística o tempo inteiro. Por que o técnico da Holanda val Gaal trocou os goleiros para a disputa de pênaltis? Não foi simplesmente pela altura de Krul, havia dados estatísticos de que ele pegava muito mais pênaltis. Vocês observaram que o técnico da Holanda anota tudo durante o jogo? Sem estatística não há salvação.

A ausência de inteligência estatística (ou de qualquer inteligência) por parte do técnico foi a causa do ocorrido. A verdade é que Felipão foi um técnico sem nenhuma capacidade estratégica e que pouco trabalhou. Todos viram, o Brasil não treinava, não havia nenhuma tática adaptada a cada jogo, a escalação era sempre ruim. 

Mas um resultado evidente como este precisa de uma causa mais especifica do que a minha explicação. Com a palavra, o brilhante Tostão:

"A entrada de Bernard foi uma decisão desastrosa, prepotente, porque mesmo se Neymar estivesse presente, o Brasil teria que reforçar o meio-campo, principal qualidade da Alemanha."

Tostão não é só ex-jogador de futebol e comentarista esportivo, Tostão também é médico. Um médico de inteligência diferenciada, de pensamento estatístico. Em contrate, a prática de nossa medicina às vezes se parece mais com Felipão do que Tostão. Médicos, com a "prepotência" citada por Tostão ao descrever Felipão, às vezes acreditam no que querem acreditar. Interpretamos desfechos casuais como causais quando não pensamos cientificamente. Muitas vezes, utilizamos condutas sem eficácia comprovada (ou ineficazes) e usamos exemplos de desfechos favoráveis como argumentos pró-conduta, desprezando os casos de desfecho desfavorável. Ou desprezamos informações científicas que deveriam nos nortear. É comum violarmos a estatística em prol de uma interpretação enviesada do mundo clínico a nossa volta. 

Os técnicos da Alemanha, Holanda, Chile são técnicos baseados em evidências. Felipão e Parreira são técnicos baseados em crenças. Crenças provenientes de dogmas (Fred) ou de conflitos de interesse.

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