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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Descobridor do vírus do ebola critica lentidão da OMS em agir na epidemia

O professor belga Peter Piot lamentou tempo de resposta das instituições de saúde internacionais


no JB

Um dos responsáveis pela descoberta do vírus do ebola na década de 70 criticou a velocidade de atuação da Organização Mundial da Saúde (OMS) no combate à atual epidemia. O professor belga Peter Piot é o atual diretor da London School of Hygiene and Tropical Medicine, um dos mais importantes centros de estudos da doença no mundo. O número de mortos pelo ebola já atingiu mais de 1,4 mil pessoas, de acordo com os dados da OMS divulgados na última sexta-feira (22). Libéria, Nigéria, Serra Leoa e Guiné já contabilizam mais de 2,6 mil casos e recentemente a República Democrática do Congo também passou a integrar a lista de países infectados pelo ebola.

Peter Piot lamentou pelo que ele chamou de “extraordinária lentidão” da OMS e das instituições internacionais de saúde em dar uma resposta à epidemia. “É necessário restabelecer a confiança. Em uma epidemia como a do ebola, não é possível fazer nada sem confiança. "A OMS despertou apenas em julho, apesar do alerta ter sido feito no início de março e da epidemia ter começado em dezembro de 2013. Agora assume a liderança, mas é muito tarde”, afirmou.

O infectologista Thiago Mamede acredita ter sido tarde para começar as mobilizações, mas avalia também que é praticamente impossível saber exatamente como será a progressão de uma epidemia, onde os profissionais estão agindo em tempo real. “Às vezes até a coleta de dados pode ter sido difícil. Até aqui no Brasil, que já existe um sistema bem desenvolvido, existem dificuldades em coletar informação às vezes. Eu não diria que houve negligência da OMS, não tem como saber. Após a notificação em março, missionários foram para a região tentar entender o que estava acontecendo. Houve realmente demora, mas não sei se foi por negligência ou por fatores sócio-econômicos e culturais”, pontua.

Em 1976, Piot fazia parte de uma equipe que estava em missão no Zaire, quando se deparou com uma epidemia muito violenta e ainda desconhecida – e foi esse o início do processo de descoberta do ebola. Em uma entrevista concedida ao jornal francês “Libération” nesta terça-feira (26), Piot declarou que nunca havia acontecido uma epidemia assim e que há seis meses aconteceu o que ele chama de “tempestade perfeita”, onde estavam reunidas todas as condições para que a epidemia acelerasse. Piot lembrou ainda das condições adversas dos países atingidos e da desconfiança da população geral com autoridades.

Segundo o infectologista Mamede, o risco realmente aumenta bastante em casos onde existe um clima de desconfiança em relação aos serviços de saúde. “Se você não confia no sistema de saúde, gera uma situação muito difícil e toma uma proporção que não se consegue dimensionar. O ebola tem uma transmissão muito simples de acontecer, que é o contato, que por outro lado pode ser controlado. É diferente de uma epidemia causada por um mosquito, que você tem mais dificuldade em estabelecer uma barreira porque você não controla esse mosquito. Agora, se a pessoa não confia na autoridade de saúde e não respeita as orientações, você deixa de ter esse controle”, explica.

Ebola mata também profissionais de saúde

Mas não é só com desconfiança que sofrem os profissionais de saúde nos países atingidos. A OMS informou nesta segunda-feira (25) que mais de 120 profissionais da área de saúde morreram após contraírem o vírus do ebola na Guiné, Nigéria, Libéria e em Serra Leoa. Além dos mortos, mais de 240 teriam sido contaminados pela doença. Entre os motivos que explicariam a proporção elevada de infecção entre a comunidade médica estaria a falta de equipamentos de proteção pessoal, como luvas e máscaras.

Mamede acredita que a situação geral dos profissionais da saúde e dos próprios pacientes nos países afetados pela epidemia é realmente muito complicada. “É muito difícil fazer o isolamento em um lugar onde até o acesso à água potável é difícil. Essa dificuldade até em coisas básicas dificulta muito em uma epidemia causada por um vírus de contato. Você não tem como usar um degermante. Se esses profissionais de saúde não estão conseguindo fazer um isolamento adequado é porque o acesso a coisas básicas está sendo difícil”, avalia.

Para o infectologista, as taxas de mortalidade estão ligadas também às dificuldades locais, que acabam esbarrando na qualidade de um isolamento de contato eficiente. “O ebola está muito relacionada com a dificuldade que existe lá em fazer esse isolamento de contato, de acordo com relatos de pessoas que estiveram nos países. Isso explica também o porquê da letalidade de um país ser muito maior do que em outro que sofre a mesma epidemia do mesmo vírus. Na Nigéria foi muito mais baixa se comparado com Serra Leoa, Libéria e Guiné. Há essa diferença de um país para o outro, que está relacionada com a falta de recursos”, explica.

Apesar de todos os países estarem no grupo de países com índice de desenvolvimento humano (IDH) considerado baixo, a Nigéria está na frente dos demais países – ocupando a posição 152 no ranking. Os outros três encontram-se mais afastados dos demais e próximos uns dos outros: Libéria ocupa o 175º lugar, Guiné está no 179º e Serra Leoa fica com o 183º. Entre o início da epidemia em fevereiro e o dia 16 de agosto, a mortalidade na Nigéria foi de 27%, enquanto na Libéria, Guiné e Serra Leoa foram de 55%, 77% e 43%, respectivamente.

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