Quais as expectativas para os direitos humanos no Brasil em 2015? Os protestos dos últimos anos, as mobilizações sociais e a campanha eleitoral levantaram várias questões não resolvidas
Por Maurício Santoro* na revista Forum
Quais as expectativas para os direitos humanos no Brasil em 2015? Os protestos dos últimos anos, as mobilizações sociais e a campanha eleitoral levantaram várias questões não resolvidas, que estão no centro da vida cotidiana do país.
O Brasil é a nação com o maior número de homicídios do mundo, mais de 50 mil por ano. Mais da metade das vítimas são jovens entre 15 e 29 anos e, destes, 77% são negros. A Anistia Internacional lançou, em novembro, a campanha “Jovem Negro Vivo” para chamar a atenção da sociedade brasileira para a gravidade do tema e cobrar respostas das autoridades para enfrentá-lo.
Esse debate é inseparável da reforma das forças de segurança, que atuam com extrema violência. Em cinco anos, mataram pelo menos 11 mil pessoas – mais do que as polícias dos Estados Unidos em três décadas. Policiais foram acusados da maioria das chacinas ocorridas no Brasil, como a do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro (junho de 2013) e a de Belém (novembro de 2014). Parte do problema é vencer a tradição de impunidade, como no importante projeto de lei 4471, de acabar com os “autos de resistência”, que classificam vítimas de homicídios cometidos pela polícia como tendo resistido à autoridade, dificultando investigações.
Os frequentes episódios de violência policial nas operações de segurança e também na repressão aos protestos dos últimos dois anos reforçaram as mobilizações pela extinção das polícias militares estaduais, como consta da proposta de emenda constitucional 51, em debate no Congresso. A militarização reforça a lógica do policiamento como guerra, em particular contra grupos sociais mais pobres e vulneráveis. Encerrá-la tem sido uma demanda dos movimentos sociais e também de relatores da ONU, tendo sido recomendada ao governo brasileiro por integrantes do Conselho de Direitos Humanos da organização.
Em dezembro, a Comissão Nacional da Verdade publicou seu aguardado relatório final. Nos próximos meses, haverá mobilizações para que o governo federal cumpra suas 29 recomendações, como levar adiante processos contra agentes do Estado acusados de terem cometido crimes contra a humanidade e reformar currículos das escolas civis e militares para lidar com o tema da ditadura. Ao longo de 2015, as outras 100 comissões da verdade existentes no Brasil (no âmbito de estados, municípios, universidades, sindicatos) também apresentarão suas conclusões. Essas informações ajudarão a compreender a abrangência das violações de direitos humanos pela ditadura e ajudarão no trabalho de ativistas e movimentos sociais que buscam justiça para quem cometeu esses crimes e reparação para as vítimas.
Os direitos sexuais e reprodutivos têm impulsionado diversas manifestações e debates no Brasil, com conquistas importantes em anos recentes, como o estabelecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Contudo, ainda ocorrem muitos casos de violência homofóbica, inclusive assassinatos – o Grupo Gay da Bahia estima que aconteçam mais de 200 por ano. Os efeitos desastrosos de tratar o aborto como crime, em vez de tema de saúde pública, são exemplificados por histórias como as de Jandira dos Santos Cruz e Elizângela Barbosa, mulheres que morreram após abortar em clínicas clandestinas no Rio de Janeiro. Seus cadáveres foram escondidos por funcionários dessas instalações. Líderes políticos e religiosos brasileiros com frequência apoiam restrições e violações aos direitos sexuais e reprodutivos, ameaçando retrocesso nessas conquistas ainda frágeis.
Povos indígenas, quilombolas e outras populações tradicionais também estão sob constante preocupação no Brasil. Apesar de a Constituição de 1988 proteger seus direitos fundamentais, há grande dificuldade em implementá-los. Conflitos por recursos naturais – como terra e minérios – com frequência resultam no assassinato de seus ativistas mais destacados, em quadro geral marcado pela impunidade. Há projetos em discussão no Congresso que põem em risco o marco jurídico de amparo a esse direitos, como o novo Código de Mineração e a PEC 215 – que transfere do Executivo para o Legislativo, com sua forte bancada ruralista, a responsabilidade por demarcar terras de povos indígenas. Também são sérios os impactos das grandes obras de infraestrutura, como usinas hidrelétricas, em particular pela ausência de uma lei que regule o direto à consulta prévia, livre e informada, como previsto nos tratados diplomáticos, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
(*) Maurício Santoro é assessor de direitos humanos da Anistia Internacional
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