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sábado, 31 de janeiro de 2015

Joseph E. Stiglitz*: Não negociem com a nossa saúde!

no The New York Times** (dica do Carlos Morel @cmmorel)


Um grupo secreto se reuniu a portas fechadas, em Nova York esta semana. O que eles decidiram pode levar a preços de medicamentos mais elevados para você e centenas de milhões em todo o mundo.

Representantes dos Estados Unidos e outros 11 países do Pacífico se reuniram para decidir o futuro de suas relações comerciais na chamada Parceria Trans-Pacífico (TPP). Empresas poderosas parecem ter tido grande influência sobre o processo, da mesma forma como o pleno acesso (às conclusões) foi restrito a alguns funcionários dos governos dos países da parceria.

Entre os temas discutidos pelos negociadores estão algumas das mais controversas disposições das TPP - as relativas a direitos de propriedade intelectual. E não estamos falando apenas de downloads de música e DVDs piratas. Mas sim regras que poderiam ajudar as grandes empresas farmacêuticas manter ou aumentar seus lucros monopolistas sobre os medicamentos de marca.

O sigilo das negociações da TPP as torna malignamente opacas e difíceis de discutir. Mas podemos ter uma boa idéia do que está acontecendo, com base em documentos obtidos pelo WikiLeaks de reuniões anteriores (que se iniciaram em 2010), o que sabemos da influência americana em outros acordos comerciais, e também através do que outras pessoas - e eu mesmo  -descobrimos conversando com alguns dos negociadores.

Os acordos comerciais são negociados pelo "Trade Representative"  um órgão do governo dos Estados Unidos, supostamente em nome [e em benefício] do povo americano. Historicamente, no entanto, este órgão tem se alinhado com os interesses corporativos. Se as grandes empresas farmacêuticas fizerem valer sua influência - como os documentos vazados indicam que elas fazem - o TPP poderá retirar medicamentos genéricos mais baratos do mercado. Os lucros da Big Pharma aumentariam às custas da saúde dos pacientes e dos orçamentos de consumidores e governos.

Há duas maneiras através das quais o Trade Representative pode usar o TPP para manter ou aumentar os preços e os lucros da Big Pharma.

A primeira é a de restringir a concorrência dos genéricos. É axiomático que mais concorrência significa preços mais baixos. Quando as empresas têm de lutar para conquistar mais consumidores, acabam tendo que cortar seus preços. Quando uma patente expira, qualquer empresa pode entrar no mercado com uma versão genérica de um medicamento. As diferenças de preços entre medicamentos de marca e medicamentos genéricos são assombrosas. A simples disponibilidade de genéricos impulsiona os preços para baixo: na Índia, país “amigo” dos genéricos, por exemplo, a Gilead Sciences, que produz uma droga eficaz contra a hepatite C, anunciou recentemente que iria vender a droga por um pouco mais de 1 por cento do 84.000 dólares que cobra nos EEUU.

É por isso que, quando os Estados Unidos abriram seu mercado interno para os genéricos, em 1984, eles passaram de 19 por cento das prescrições para 86 por cento, permitindo que o Governo dos Estados Unidos, os consumidores e os empregadores economizassem mais de US $ 100 bilhões por ano. As empresas farmacêuticas têm muito a ganhar se o TPP limitar a venda de genéricos.

A segunda estratégia é minar a regulamentação governamental dos preços dos medicamentos. Mais concorrência não é a única maneira de manter baixos os preços de bens e serviços essenciais. Os governos também podem restringir diretamente os preços através das leis [regulamentação], ou efetivamente contê-los ao negar o reembolso aos pacientes para as drogas "superfaturadas" - incentivando assim as empresas a reduzir seus preços aos níveis aprovados pelos instâncias reguladoras. Estas abordagens regulatórias são especialmente importantes em mercados onde a concorrência é limitada, como é o caso do mercado de drogas. Se o Trade Representative persistir em sua “estratégia”, o TPP vai limitar a capacidade dos países parceiros em restringir os preços. E as empresas farmacêuticas certamente esperam que o "padrão" que elas ajudarão a definir neste acordo se tornará mundial - por exemplo, ao tornar-se o ponto de partida para as negociações dos Estados Unidos com a União Europeia sobre as mesmas questões.

Os americanos podem dar de ombros diante da perspectiva de aumento dos preços dos medicamentos em todo o mundo. Afinal de contas, os Estados Unidos já permitem que as empresas farmacêuticas cobrem o que querem. Mas isso não significa que não podem querer mudar as coisas um dia. Aqui, novamente, o TPP nos encurralado: Os acordos comerciais e, em particular, disposições individuais dentro deles, são geralmente muito mais difíceis de ser alterados do que as leis nacionais.

Nós não podemos ter certeza de que estas coisas tenham ocorrido durante as negociações desta semana. O que está claro é que o sentido geral da seção de propriedade intelectual da TPP aponta para menos concorrência e preços mais elevados de drogas. Os efeitos vão além dos 12 países da TPP. A aprovação de barreiras à genéricos no Pacífico vão colocar pressão sobre os produtores de tais drogas em outros países, como a Índia.

Naturalmente, as empresas farmacêuticas alegam precisar cobrar preços elevados para financiar suas pesquisas e desenvolvimento. Isso simplesmente não é assim. Por um lado, as empresas farmacêuticas gastam mais em marketing e publicidade do que em novas ideias. Os direitos de propriedade intelectual com valores excessivos e restritivos, na realidade retardam novas descobertas, por tornar mais difícil para cientistas reproduzirem a pesquisa de outros e por asfixiar o intercâmbio de ideias que é fundamental para a inovação. De fato, a maioria das inovações importantes saem das nossas universidades e centros de pesquisa, como os Institutos Nacionais de Saúde, financiados pelo governo e fundações.

Os esforços para aumentar os preços dos medicamentos no TPP nos levam na direção errada. O mundo inteiro pode vir a pagar o preço na forma de pior saúde e mortes desnecessárias.

*Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, professor na Universidade de Columbia e ex-presidente do Conselho de Consultores Econômicos, é o autor de "The Price of Inequality".
**tradução feita pelo blogueiro (com sono)

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