por Conceição Lemes no Viomundo
O ministro da Saúde, Marcelo Castro, está pagando para ver o seu apaniguado, o psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho, à frente da Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde.
Nesta quarta-feira, 8 de janeiro de 2015, a ocupação da coordenação de Saúde Mental contra Valencius, em Brasília, completa 22 dias. Participam dessa ação inédita, profissionais, acadêmicos, familiares e usuários que integram as instituições e movimentos sociais ligados à luta antimanicomial no Brasil.
De 1994 a 1998, na condição de diretor-clínico da Casa de Saúde Dr. Eiras, em Paracambi, na Grande Rio de Janeiro, Valencius ajudou a escrever páginas tenebrosas do maior hospício privado da América Latina. Aí, centenas de usuários foram maltratados por anos, alguns até a morte, geralmente por fome (alimentação e péssima em qualidade e quantidade), violência física, eletrochoques sistemáticos, doenças de fácil controle e curáveis. Uma verdadeira casa de horrores.
A rejeição à nomeação ao nome de Valencius é crescente, nacional e internacionalmente. No Facebook, a comunidade#ForaValencius aumenta diariamente. Nem assim o ministro Marcelo Castro arreda pé.
Assim, após não conseguir nada com o ministro, entidades da área de saúde pública e mental e movimentos sociais haviam agendado reunião com a Casa Civil, da Presidência da República, para 29 de dezembro passado, a fim de tratar do assunto.
Acreditando que Marcelo Castro estivesse mesmo disposto a negociar, representantes de quatro instituições compareceram.
A saber: Ana Costa, presidente do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes); Alyne Alvarez Silva, da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila); Ileno Costa, do Conselho Federal de Psicologia (CFP); e Shirlene Queyroz, da Federação Nacional dos Psicólogos (FENAPSI).
“A reunião foi absolutamente inútil”, avalia Ileno Costa. “Foram quase duas horas de conversa exaustiva, com o ministro monocórdico, falando sempre a mesma coisa. Repetiu tudo o que já havia dito na audiência anterior, de 10 dezembro. Na verdade, ele não estava disposto a negociar nada”.
Além de representar o CFP nos dois encontros com o ministro Marcelo Castro, Ileno Costa é professor de Psicologia na Universidade de Brasília (UnB).
Confira a íntegra da entrevista exclusiva de Ileno ao Viomundo.
Viomundo – Os senhores tinham uma conversa agendada na Casa Civil e acabaram indo numa reunião com o ministro Marcelo Castro, da Saúde. O que aconteceu finalmente?
Ileno Costa – Diante da decisão do ministro de manter Valencius, apesar da repercussão negativa da nomeação no Brasil e no exterior, o movimento solicitou uma audiência com a Casa Civil. A ideia era uma conversa inicial com um assessor do ministro Jacques Wagner, agendada para 29 de dezembro, para inteirá-lo do assunto. Depois, uma audiência com o próprio Wagner.
Foi quando nos chegou a informação, via Casa Civil, de que o ministro da Saúde estava disposto a nos receber. A Casa Civil não sabia que, em 10 de dezembro, em audiência pública, representantes de mais de 600 entidades de saúde e movimentos sociais ligados à luta contra os manicômios, haviam se reunido com o ministro. Foi quando ele anunciou o nome do Valencius. Naquele dia, a rejeição foi imediata. E, aí, pensamos: “Já que ele quer conversar com a gente de novo, talvez ele queira negociar ou propor alguma alternativa. E foi com esse espírito que entramos para a reunião”.
Viomundo – O que aconteceu?
Ileno Costa – O ministro repetiu exaustivamente o mesmo discurso da primeira audiência. Contou a mesma história. Nos mesmos termos. Nada de novo…
Viomundo – Verdade?!
Ileno Costa – Sim. Eu compareci também à primeira e registrei as duas audiências, para deixar tudo documentado, afinal as audiências são públicas…
Viomundo – O que ele disse?
Ileno Costa – “Eu sou uma pessoa democrática”, “eu sou uma pessoa que negocio”, “eu estou aqui para negociar, etc, etc, etc”… Aí, repetiu que estava no cargo há dois meses, que não havia sido procurado por ninguém da Saúde Mental, que não conhecia o Tykanori [psiquiatra Roberto Tykanori, coordenador da área desde o primeiro governo da presidenta Dilma Rousseff], que tinha recebido a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e depois o movimento antimanicomial [reunião de 10 dezembro]. Repetidamente afirmou que ele próprio havia decidido indicar o Valencius, de quem era amigo e havia sido seu aluno. E ainda disse que foi uma “decisão pessoal, solitária”…
Eu fui ficando incomodado, pois estava repetindo exatamente o que havia dito primeira reunião. Pensei cá com os meus botões: “O que estamos está fazendo aqui?”
Viomundo – O ministro estava sozinho?
Ileno Costa – Não, havia quatro assessores, que não estiveram na primeira audiência.
Viomundo – Ele não sabia que os senhores tinham estado na primeira audiência?
Ileno Costa – Eu tenho a impressão que ele pensou que eram outras pessoas. Mas não. Com exceção da Shirlene, eu, a Ana Costa e a Alyne estivemos na primeira audiência e estamos negociando o tempo inteiro…
Viomundo – O que mais o ministro falou?
Ileno Costa – Que nós estávamos com preconceito contra o Valencius, que nós não o conhecíamos, o que não é verdade… Repetiu que estava ali para negociar. Só que acrescentou: “Mas eu não volto atrás na minha decisão. Eu quero que vocês me deem três meses, para o Valencius mostrar a que veio. Se for o caso, a gente tem reunião semanal com o Valencius e comigo, para poder avaliar. Se der tudo errado, eu sou humilde o suficiente para voltar atrás e demiti-lo”.
Viomundo – O que disseram?
Ileno Costa – Depois de duas horas, nós dissemos que não podíamos deliberar pelo movimento sobre o pedido do voto de confiança, que estávamos tentando uma agenda com a Casa Civil, quando fomos surpreendidos com o pedido de reunião dele, daí estarmos ali, tão somente porque estávamos em Brasília…
Aí, lhe devolvemos o impasse. Já que o ministro disse que não voltava atrás e nós não tínhamos condições de deliberar, que ele e Valencius fizessem uma proposta do plano de continuidade da Reforma Psiquiátrica, assumido-a publicamente. Que encaminhassem a proposta o mais rápido à sociedade e ao movimento e nós concordaríamos com uma audiência pública com todos para avaliar…
Viomundo – Mas uma coisa é a proposta teórica, outra coisa é a prática…
Ileno Costa – Eu argumentei justamente isso com ele. A rigor, eles não têm um plano, só um nome! Ou melhor, a proposta de coordenador dele já é um plano…
Viomundo – E o ministro?
Ileno Costa – Não se mostrou disposto a negociar nada. Só fala a mesma coisa. Nós entregamos um dossiê com mais de 100 páginas, mostrando que, desde a primeira audiência, o movimento estava crescendo, que a ocupação iria continuar e que a responsabilidade pela decisão era dele.
Viomundo – Pode-se dizer que foi uma reunião inútil?
Ileno Costa – Absolutamente inútil. Nada caminhou, o movimento por certo vai continuar, até porque a decisão extemporânea reacendeu a militância, buscando outros caminhos que representem diálogo no sentido de interromper o impasse…
Na minha leitura, pela persistência do discurso e a intransigência do posicionamento, mais que possa parecer “negativo voltar atrás”, a despeito de “ser um ato de grandeza” (expressei isto claramente), o ministro tem um projeto de poder e apoios que não revela.
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