A decisão de 31 de agosto da Comissão Intergestores Tripartite sobre a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) confirma, lamentavelmente, as denúncias feitas nos últimos meses por várias entidades de Saúde Coletiva, como o CEBES, a Abrasco e, em São Paulo, a APSP - Associação Paulista de Saúde Pública. A nova PNAB não contempla reivindicações históricas dos profissionais de saúde e contraria o Conselho Nacional de Saúde, instância máxima de participação social em saúde no País. A declaração do ministro Barros de que "a legislação anterior não considerava as especificidades locais, como o perfil social, nem atendiam bairros com menor número de habitantes" não poderia ser mais infeliz, pois trata-se justamente do oposto. O ministro parece não saber do que fala, repetindo ideias desconexas preparadas por sua assessoria de imprensa. Anunciada como "outra novidade", a possibilidade da contratação de profissionais de saúde para atuar na Atenção Básica com "flexibilização da carga-horária" é a oficialização da precarização ainda maior do trabalho nesse nível de atenção. O Brasil precisa do oposto disso, conforme reivindicam as entidades sindicais pelo país afora, que lutam pela profissionalização do trabalho em saúde, com dedicação integral ao SUS, plano de cargos, carreiras e salários, implantação do trabalho decente em saúde, conforme preconiza a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O requisito de que profissionais de saúde exerçam jornadas completas de trabalho (40 horas semanais) jamais dificultou o recrutamento de pessoal profissional qualificado. Há farta literatura científica demonstrando isto. O anúncio de que, agora, "as prefeituras vão poder contratar até três profissionais de mesma categoria para cumprir as 40 horas semanais de sua área de atuação", com cada profissional cumprindo "um mínimo de 10 horas" é um despropósito, uma afronta aos princípios do SUS e contrariam as recomendações dos melhores pesquisadores brasileiros e de outros países, que analisam o trabalho em saúde na Atenção Primária. É uma porta aberta para a precarização, o clientelismo político-partidário via o chamado “cabide de emprego” e para o trabalho não decente no SUS. Ao invés de profissionalizar, a opção é por precarizar ainda mais.
Lamentavelmente o Conasems e o Conass estão sendo coniventes com o governo federal e se colocando em oposição ao que defende o Conselho Nacional de Saúde. Afirmar que "foi um longo debate" não corresponde aos fatos. Pode ter sido um longo debate entre gestores, representando governos estaduais e municipais, mas foi um debate que excluiu os profissionais de saúde e suas entidades e, sobretudo, os movimentos sociais de saúde que representam os usuários do SUS, que não tiveram ouvidas suas reivindicações. Não há "grande avanço", há retrocesso. Grave retrocesso, que implicará ainda mais arrocho salarial e dificuldades para compor equipes vinculadas às populações dos territórios, que desenvolva e fortaleça vínculos com os usuários. A chamada "flexibilização da Atenção Básica" corresponde a um golpe profundo na estratégia Saúde da Família. Não há qualquer "avanço na Atenção Básica como ação prioritária para o SUS”, pois em nada foi alterado o modelo hospitalocêntrico que predomina no SUS.
As decisões tomadas pela Comissão Intergestores Tripartite não contribuem em nada para a mudança do modelo de atenção, com a Atenção Básica assumindo o papel de coordenadora da produção do cuidado em saúde, conforme recomendam as melhores pesquisas científicas sobre cuidados de saúde, e reivindicam os especialistas mais respeitados no assunto e os profissionais de saúde.
É mais um atraso, um enorme passo atrás para o SUS.
É saudável que o presidente do Conass, Dr. Michele Caputo, reconheça que "toda política está condicionada a ser revisada", pois isto terá de ser feito para que, de fato, seja possível avançar na solução dos graves problemas enfrentados pelo SUS, notadamente o crônico subfinanciamento do sistema. Avanço mesmo seria reverter a chamada "PEC da Morte" que congelou o financiamento do SUS por 20 anos, pôr fim à privatização dos serviços, barrar as terceirizações para as mal denominadas Organizações Sociais de Saúde e criar a Carreira Nacional Única do SUS. Sem essas decisões é uma fantasia que "a partir de agora os municípios terão autonomia para reorganizar a Atenção Básica local".
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