A despeito das evidências científicas que apontam não haver diferença significativa de desfechos entre a inserção de DIU por enfermeiras/os ou médicos, o Ministério da Saúde revogou a portaria que permitia a atuação dos profissionais da enfermagem nesse procedimento.
Motivo? Pressões do Conselho Federal de Medicina, que considera a inserção um ato médico. Na maior parte dos países europeus com sistemas universais de saúde, como Reino Unido e França, a enfermagem insere DIU rotineiramente.
Vários estudos apontam que o treinamento dos enfermeiros para essa função aumenta muito o acesso das mulheres à contracepção, evitando gravidezes indesejadas.
No Brasil, há anos isso ocorre no âmbito da atenção primária, apesar de a autorização formal, que consta em manual técnico dos profissionais de saúde, ser de 2018.
“Ao revogar a autorização para que esse procedimento, que por lei é de competência exclusiva dos médicos, o ministério impõe o respeito à hierarquia normativa na assistência. A tentativa de invasão de outros profissionais à medicina tem provocado diversos problemas à saúde dos brasileiros”, afirmou Emanuel Fortes, diretor de fiscalização do CFM.
Desconheço estudos na literatura científica que endossem a afirmação do diretor. Eventuais erros ou falhas pontuais podem acontecer. Inclusive com médicos. Conheço pelo menos dois casos de mulheres que tiveram problemas após inserção do DIU em consultórios médicos privados.
Em nota que não diz muita coisa, o Ministério da Saúde afirma que “tem se empenhado em avaliar conteúdos, materiais, manuais, entre outros instrumentos e ferramentas de indução e articulação das políticas públicas de saúde, de modo a garantir que disponham da maior atualização possível em relação à literatura tecno-científica, alinhamento com o arcabouço jurídico-normativo brasileiro, e centralidade nas necessidades do cidadão e da população.”
O recuo do ministério ocorre duas semanas após a Justiça Federal de Alagoas determinar a proibição de inserção do DIU, por enfermeiros, em pacientes no âmbito da rede pública de saúde. Para o juiz André Carvalho Monteiro, esse procedimento configura atividade exclusiva dos médicos, conforme previsto na Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico).
A decisão, tomada no último dia 4 de dezembro, decorreu de ação civil pública movida pelo Conselho Regional de Medicina de Alagoas (Cremal), que relatou a realização de procedimentos desse tipo por enfermeiros nos municípios de Penedo e Arapiraca.
O recuo do ministério repercutiu nas redes sociais no fim de semana, inclusive com médicos se manifestando contrários à decisão. A obstetra Melania Amorim foi categórica:
“Imenso retrocesso que não se justifica com base em nenhuma evidência. Em vários países do mundo enfermeiras e obstetrizes podem realizar inserção do DIU. Há até um nome para essa prática, “task shifting”, porque muitas vezes não há médicos suficientes para realizar todos os procedimentos e assim os médicos podem se concentrar em tarefas de maior complexidade.
Só aqui no Brasil é que o corporativismo e a disputa de poder levam a essa noção equivocada de que inserção do DIU é um “ato médico”.
Há muitos e muitos anos vi no CAISM-Unicamp enfermeiras inserindo DIU e na minha prática de oferecer capacitação para profissionais da atenção básica para a inserção do DIU elas saem muito bem treinadas e seguem realizando inserções com toda a segurança.
Lamento muito essa decisão do Ministério da Saúde. Até parece que há um enorme número de médicos disponíveis ansiosos para inserir DIU no âmbito do SUS —e não há. Perdem as pacientes que já enfrentam tantos trâmites burocráticos quando querem colocar um DIU e para quem a descentralização resolve e agiliza o processo."
Assino embaixo, doutora. Ao ceder às pressões do CFM, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, endossa o corporativo médico e dificulta o acesso das mulheres a esses serviços no SUS. É um retrocesso e também um balde de água fria nas embrionárias discussões para a implantação dos protocolos de enfermagem no SUS. E a gente segue na contramão dos países desenvolvidos. Afinal, tem médico sobrando na rede pública de saúde, né?
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