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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

"Milagre de Santa Luzia" mergulha num Brasil da sanfona

Alysson Oliveira, REUTERS

SÃO PAULO - Existe uma música de Aldir Blanc e Maurício Tapajós, "Querelas do Brasil", que ficou famosa na voz de Elis Regina, que poderia muito bem estar no documentário "O Milagre de Santa Luzia". "O Brazil não conhece o Brasil", diz um dos versos da canção.

O filme, que estreia em São Paulo, Rio de Janeiro e Santos nesta sexta, revela um Brasil pouco conhecido pelo restante do país.

Dirigido por Sergio Roizenblit, "O Milagre de Santa Luzia" aborda a cultura popular brasileira por meio da sanfona que, por incrível que pareça, une o Brasil de norte a sul, com os ritmos mais variados, do baião ao jazz. O cicerone dessa viagem é o músico Dominguinhos, atualmente, o sanfoneiro mais conhecido do país.

A saga ao som da sanfona começa em Exu, no Estado de Pernambuco, onde Dominguinhos interpreta "Lamento Sertanejo", que compôs com Gilberto Gil. Mas, ao longo dos pouco mais de 100 minutos de filme, "O Milagre de Santa Luzia" muda o conceito que temos do instrumento ao mostrar um Brasil diversificado, no qual cada região o reinventa de acordo com suas tradições.

O trabalho excepcional de Roizenblit revela as cores das culturas locais dando espaço para seus personagens e Dominguinhos, com sua simpatia, conduz entrevistas que são verdadeiras conversas, despojadas e divertidas, e faz parcerias com outros músicos, como Mario Zan e Sivuca, ambos mortos em 2006.

Se, por um lado, a tradição da sanfona no Nordeste já é bem conhecida - embora "O Milagre de Santa Luzia mostre algumas novidades -, o Sudeste e o Sul surpreendem, com paulistas que combinam as tradições rurais com a urbanidade ou gaúchos que adaptam a sanfona para as cores locais combinando com o som da gaita.

Em meio à visão geral, destacam-se alguns músicos, como o pernambucano Arlindo dos Oito Baixos, que conta como a sanfona o ajudou a lidar com a perda da visão.

A gênese de "O Milagre de Santa Luzia" começou em 2001, quando Roizenblit participou do Projeto Memória Brasileira, de Myrian Taubkin, para o qual dirigiu vídeo-cenários da série de shows O Brasil da Sanfona, que posteriormente foram transformados em DVD.

Desde então, o documentarista trabalha no projeto. Em 2006, foram colhidos os depoimentos - exceto o de Patativa do Assaré. O poeta morreu em 2002, por isso o documentário aproveita cenas filmadas em 2001, nas quais ele homenageia o músico Luiz Gonzaga com um poema.

É obvio que o som em "O Milagre de Santa Luzia" é o que mais se destaca. Pedro Noizyman, João Godoy, René Brasil e Thiago Bittencourt fizeram um trabalho impressionante, captando todas as nuances dos instrumentos musicais. Na primeira cena, Dominguinhos toca sanfona andando numa estrada - é possível ouvir com clareza cada acorde de sua música.

Mas, nem por isso, Roizenblit e Rinaldo Martinucci, que assinam a fotografia, sabem como explorar as belezas tanto naturais como metropolitanas das cidades visitadas. Uma das cenas mais bonitas, tanto no visual quanto no som, acontece por acaso. É aquele famoso acaso do momento que tanto enriquece documentários quando bem explorados.

A cena acontece em Custódia (PB), onde Dominguinhos se encontra na estrada com um grupo de músicos vindos de uma vaquejada. Todos vestidos a caráter, cantam à capela, ao ar livre. Nesse momento, o filme mostra claramente a comunhão entre a música e o ambiente.

Exibido no Festival de Brasília, em novembro do ano passado, "O Milagre de Santa Luzia" levou os prêmios de melhor trilha sonora e o Vagalume de melhor filme, concedido por um júri de deficientes visuais.

Em sua participação em "O Milagre de Santa Luzia", Sivuca diz que "a nossa missão é tratar bem quem nos trata bem, que é a sanfona". Roizenblit e seu filme estão cientes disso e tratam bem não apenas o instrumento, mas também seus músicos e, especialmente, o público que sai do cinema certo de ter feito uma bela viagem por um Brasil que o Brasil pouco, ou nada, conhece.

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