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sábado, 5 de setembro de 2009

Um caldeirão prestes a explodir

Agência Brasil

CORONEL SAPUCAIA (MS) - Às margens da Rodovia MS-284, que liga a cidade de Amambai a Coronel Sapucaia, próximo da fronteira com o Paraguai, dezenas de barracas de lona servem como abrigo para 76 famílias de índios da etnia Guarani Kaiowá. Eles esperam o reconhecimento do direito de posse das terras tradicionais, hoje ocupadas por mais de dez fazendas nos limites entre os dois municípios vizinhos. Formam a comunidade ou aldeia do Kurussu Ambá.

A recepção a quem chega tem a desconfiança de quem já deparou com visitas pouco amistosas e se acostumou a viver sob ameaça desde 2007. Pelo menos três líderes indígenas foram mortos após tentativas de ocupação de parte das terras reivindicadas. Uma das vítimas foi Ortiz Lopes, executado a tiros por um homem desconhecido na porta de casa, em 8 de julho de 2007. Os índios dizem que os crimes foram cometidos por jagunços a mando de fazendeiros.

Após detalhada identificação, os homens – que costumam se aproximar de visitantes desconhecidos munidos de porretes para, se necessário, se defender – se dispõem a falar sobre o drama em que se encontram. Querem se pintar para a ocasião e providenciam até uma espécie de dança de boas-vindas. A alegria some, entretanto, ao lembrarem que a luta pela terra segue sem previsão de fim.

Os estudos de demarcação que antecedem a homologação da área ainda não foram concluídos. Fica a persistência, como relata Cilene Fernandes, 28 anos, indicada para ser a porta-voz do grupo.

– A gente não vai desistir da nossa terra. Não podemos deixar isso para os fazendeiros. Se não entrarmos lá, eles vão destruir todas as florestas. Antes que façam isso, temos que retomar o que é nosso - protesta Cilene. – A gente se protege. Qualquer ameaça, todo mundo se junta e assim nós vivemos aqui dentro.

No barracões precários, as famílias se espremem. Até mães com crianças de colo dormem no chão. Para se alimentar, dependem da distribuição de cestas básicas pelos governos federal ou estadual, sujeita a atrasos. Em troca de algum mantimento, os homens prestam pequenos serviços na Aldeia Taquaperi, vizinha à área das barracas improvisadas. As crianças não estudam e são as mais prejudicadas pela frágil alimentação. Desde 2007, duas morreram de desnutrição na comunidade.

– As crianças precisam de alimentação e a gente não tem de onde tirar, não consegue plantar nada – diz Cilene. Perto dali, o contraste social da região se evidencia. Do outro lado da rodovia, há uma grande plantação de soja, já colhida. Índios contam que ficaram gripados quando o vento jogou sobre eles parte do veneno usado na plantação. Alguns quilômetros acima, é possível ver as boiadas em imensos pastos. – Nossa situação tem quer se resolvida. A gente se envergonha de ficar nessa beira de estrada. Só estamos esperando a demarcação para voltar a nossa terra e plantar alguma coisa para as crianças.

Perto dali, a apenas cinco quilômetros do centro de Dourados, a situação não é muito diferente para 12 índios da etnia Guarani Kaiowá que vivem acampados às margens da Rodovia BR-463, na saída para Ponta Porã, em frente a uma grande fazenda na qual dizem estar enterrados alguns de seus antepassados. No acampamento não há energia elétrica e os índios tomam banho e bebem água em um córrego próximo que está poluído. Eles se alimentam de cestas básicas entregues pela Fundação Nacional do Índio a cada 15 dias.

– Fazendeiro não deixa a gente cortar nem lenha seca. Já falou que se cortar madeira lá, pistoleiro vai matar índio aqui e se pescar no córrego também – lamenta a líder do grupo, Damiana Cavanha, 75 anos. Na luta pela terra, os índios já se instalaram além dos limites da cerca. Nas duas vezes foram retirados – uma pela Polícia Federal e outra por uma empresa de segurança privada contratada pela fazenda.

Os indígenas dizem ter sido orientados pela Funai a se manterem pacificamente às margens da rodovia até que tenham uma autorização judicial para ocupar parte do que hoje é a fazenda.

– Tem que esperar a ordem do juiz. Mas essa terra é do índio mesmo. Minha tia está enterrada num cemitério lá. Tem que pegar para a gente pelo menos um pedaço de terra – afirma Damiana.

No sudoeste de Mato Grosso do Sul, índios e fazendeiros vivem sob clima de tensão permanente em áreas já homologadas para as comunidades tradicionais, mas com situação pendente de decisão judicial. Uma das áreas em litígio fica no município de Antônio João, a cerca de 200 quilômetros de Dourados, em uma faixa da fronteira com o Paraguai.

Cerca de 700 índios guarani kaiowá vivem sem energia elétrica na aldeia Nhanderu Marangatu, em 128 hectares, apesar de a área homologada pelo governo, em março de 2005, ser de mais de 9,4 mil hectares. Grande parte dessas terras está dentro da Fazenda Fronteira, unidade de produção pecuária. Segundo os proprietários que recorreram na Justiça contra a homologação e obtiveram liminar para permanecer até o julgamento de mérito, existem no local mais de três mil cabeças de gado. Eles dizem que a terra foi devidamente titulada na década de 1950.

Acomodados em barracos precários, os índios kaiowá se dizem cansados de esperar pelo direito de ocupar a terra onde viveram seus antepassados, como comprovam laudos antropológicos.

– Se não liberar logo essa terra para nós, vamos invadir. Cansamos de esperar. Essa terra já está há quase 15 anos para ser entregue e temos que nos virar para dar comida aos nossos filhos – reclama Andrés Morel, índio de 61 anos que vive com cinco filhos na aldeia. (ABr)

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