Brasil, Argentina, Venezuela, Estados Unidos, Japão, França, Holanda... Não importa o país, o hemisfério ou o continente. No mundo, três em cada dez pessoas “carregam” a bactéria responsável pela tuberculose – a Mycobacterium tuberculosis, mais conhecida como bacilo de Koch – o BK.
São 2,2 bilhões de portadores no planeta. A maioria não desenvolve a doença. A bactéria fica “dormindo” no organismo a vida inteira. Porém, em 5% a 10% dos infectados, devido à diminuição das defesas imunológicas, ela “acorda” e passar a se multiplicar. Resultado: a tuberculose, doença infecciosa que afeta ossos, rins, meninges (membrana que envolve o cérebro) e principalmente pulmões.
“Eu comecei com tosse, ela não passava. Mas, como fumava, achava que era só o cigarro. Com o tempo, a respiração ficou curta, o ar não entrava. Acordava cansado. Desânimo total. De repente, passei a ter febre de 38, 39 graus todo dia”, relembra o professor universitário Ricardo Santos, 55 anos, fumante desde os 15. “Fui então ao médico, estava com enfisema extenso no pulmão direito e tuberculose.”
Tanto o tabagismo quanto o enfisema baixam as defesas imunológicas, podendo causar tuberculose em quem tem o bacilo. “O fumo é a causa de 85% dos enfisemas”, informa a médica pneumologista e sanitarista Vera Luiza da Costa e Silva, consultora da Organização Mundial de Saúde (OMS).
O enfisema provoca a destruição dos alvéolos. São “saquinhos” nos pulmões, onde são feitas as trocas de gases: por eles eliminamos o gás carbônico, que é tóxico e produzido pelo nosso organismo, e absorvemos oxigênio, essencial à vida. Quanto maior a destruição dos alvéolos, menor a oxigenação do organismo. O tecido lesado não se regenera; o tratamento visa estancar o processo. Já a tuberculose tem cura. É com antibióticos.
“Eu toma três antibióticos diferentes”, o professor Ricardo retoma a história. “Tomava quatro comprimidos e duas cápsulas por dia, divididos entre manhã e noite. Tinha de ter muito cuidado para não confundir os remédios com os horários.Passei mal do estômago, fiquei com o rosto cheio de espinhas... Foi dureza, mas fiz os seis meses de tratamento; segui-o à risca até fim.”
Não são todos que conseguem. No Brasil, 8% das pessoas com tuberculose abandonam a terapia, o que torna o bacilo de Kock resistente aos medicamentos.
“O abandono decorre de vários fatores”, explica Draurio Barreira, coordenador do Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT), do Ministério da Saúde. “Longa duração do tratamento, melhoria significativa dos sintomas um mês após o início da terapêutica, vários medicamentos e efeitos colaterais.”
E aqui vai uma boa notícia: nas próximas semanas, um novo tratamento para tuberculose começa a chegar à rede de saúde pública de todo o país. Em vez de três antibióticos separados, como é o esquema preconizado há 30 anos, serão quatro, só que todos num ÚNICO comprimido. Além disso, as doses dos que produzem mais efeitos colaterais foram diminuídas, pois um quarto foi acrescentado.
“O ‘quatro em um’ simplifica e reduz as tomadas de remédio e dá menos efeitos colaterais”, afirma Barreira. “Esperamos que ele aumente a adesão ao tratamento para mais de 95%, elevando, consequentemente, a taxa de cura de 70% para 85%.” São os parâmetros estabelecidos pela OMS, e a meta do Brasil é atingi-los até 2.015.
TUBERCULOSE É PROBLEMA DO MUNDO ATUAL, SIM!
“Mas a tuberculose não é doença do passado?”, alguns talvez questionem. “Se a pessoa fizer o tratamento direito, a chance de cura pode ser maior?”
Para a primeira dúvida, a resposta é não; para a segunda, sim.
A tuberculose é uma das enfermidades mais antigas e conhecidas do mundo. Em esqueletos de múmias do antigo Egito (3.000 a.C) já existem vestígios dela.
Mas não é uma doença do passado como muitos pensam. No mundo inteiro, por décadas, até se chegou a ter a perspectiva de eliminação da tuberculose. Aí, veio a epidemia de aids e o cenário mudou por completo. A tuberculose é hoje um problema do cotidiano. Desde 1993, foi declarada emergência global pela OMS.
Mas muita gente desconhece isso. Imagina que a tuberculose é “coisa do passado”, “doença dos poetas românticos”, “dos artistas que morriam”, de “gente de vida boemia, desregrada”. Uma visão bem do passado.
Ao desconhecimento, soma-se o fato de até hoje ser carregada de estigma. É comum a pessoa com tuberculose dizer que está com “pneumonia forte”.
“Essa combinação de desinformação e estigma atrasa o diagnóstico e o tratamento, fazendo que a doença se alastre nos pulmões da pessoa doente”, alerta Barreira. “Contribui ainda para a transmissão do bacilo no ambiente onde ela vive, trabalha, estuda.”
Da infecção pelo BK ao desenvolvimento da tuberculose vai enorme uma distância. Porém, é preciso que fique bem claro: basta conviver alguém doente, mesmo que ocasionalmente, para se infectar pelo bacilo.
QUEM TEM MAIS PROPENSÃO A DESENVOLVER A DOENÇA
No Brasil, há 50 milhões de portadores de BK. Em 2008, segundo estimativas, 92 mil desenvolveram tuberculose; 73 mil foram notificados ao Ministério da Saúde. O Brasil ocupa o 18º lugar no mundo em número absoluto de casos. Em incidência (número de casos por 100.000 habitantes), o 108º.
“A tuberculose causa 4,5 mil óbitos por ano no país”, informa Barreira. “Na população geral, é a quarta causa de morte; entre os pacientes com aids, a primeira.”
Ou seja, 5% dos pacientes com tuberculose morrem. Já entre os que têm também o HIVa mortalidade é quatro vezes maior – 20% .
Por que a diferença? A tuberculose, já dissemos, pode se manifestar quando, por algum motivo, há diminuição das defesas imunológicas. Pois a infecção pelo HIV, o vírus da aids, causa imunodepressão. E a infecção simultânea por BK e HIV é um sério problema de saúde pública nos países desenvolvidos assim como nos subdesenvolvidos
Importante: pessoas com diabetes, insuficiência renal crônica, desnutridas e idosos doentes também estão mais propensos a desenvolver a tuberculose. Da mesma forma, quem abusa de álcool, usa drogas e os fumantes. Todas essas condições baixam as nossas defesas, deixando a “janela aberta” para o BK “acordar”.
“Pobreza, desnutrição, más condições sanitárias e alta densidade populacional são fatores que contribuem para o BK se disseminar e se transformar em doença”, observa Barreira. “A tuberculose, porém, ocorre em todos os segmentos da sociedade, independentemente de renda ou escolaridade.”
ATENÇÃO AOS SINTOMAS; CURA PODE CHEGAR A 98-99%
Logo, é fundamental todos nós conhecermos os sintomas da tuberculose que, aliás, não se manifestam igualmente em todas as pessoas.
Na prática, existem três grupos:
1) Pessoas que no início da doença não têm indício da doença ou apresentam sintomas aparentemente simples que são ignorados durante meses, às vezes até anos. É minoria.
2) Pessoas que têm tosse seca contínua no início, depois presença de secreção por mais de quatro semanas, transformando-se, na maioria das vezes, em uma tosse com pus ou sangue; cansaço excessivo; febre baixa geralmente à tarde; sudorese noturna; falta de apetite; palidez; emagrecimento acentuado; rouquidão; fraqueza; e prostração. É assim que a doença se manifesta na maioria dos casos.
3) Pessoas que apresentam dificuldade na respiração; eliminação de grande quantidade de sangue, colapso do pulmão e acúmulo de pus na pleura (membrana que reveste o pulmão); podem ter ainda dor. São os casos graves; é minoria.
Portanto, se você tiver um ou mais desses sintomas e ele ou eles persistirem, não empurre com a barriga. Vá ao médico – pode ser convênio, particular, posto de saúde, programa de saúde da família. Mas vá. Normalmente, ele pedirá um raio X de tórax (para verificar se há lesões e a extensão delas) e exame de escarro (pesquisa a presença do BK).
“A demora no diagnóstico e no tratamento aumenta as lesões nos pulmões”, volta à carga Barreira. “Além disso, uma pessoa com tuberculose não tratada pode infectar 10 a 15 pessoas por ano na sua comunidade.”
Caso o resultado seja positivo, siga corretamente o tratamento recomendado: dura, em geral, seis meses, sem interrupção, diariamente. Fazendo corretamente, a probabilidade de cura é de 98 a 99%. Outra boa notícia: 15 a 20 depois de começá-lo, você pára de expelir bacilos ao tossir, falar ou respirar. Mas – atenção! – tem de segui-lo até o fim, para ficar completamente curado.
VACINA BCG EM BEBÊS; PROTEGE CONTRA FORMAS GRAVES
A transmissão é direta, de pessoa a pessoa, principalmente por meio do ar. Ao falar, espirrar ou tossir, o doente de tuberculose pulmonar lança no ar gotículas, de tamanhos variados, contendo o bacilo. As gotículas mais pesadas caem no solo. As mais leves podem ficar suspensas no ar por diversas horas. Inaladas por outras pessoas, podem atingir os pulmões e, aí, iniciar a multiplicação.
“Os bebês devem receber a vacina BCG logo ao nascer, na maternidade, ou o mais rapidamente possível, pois há casos muito precoces de tuberculose”, orienta o pediatra Gabriel Oselka, professor associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP. “A BCG protege a crianças contra as formas graves da doença.”
“Claro que o ideal seria uma vacina que protegesse contra todas as formas de tuberculose”, acrescenta Oselka. “Como ela não existe, deve-se fazer a BCG, para evitar as formas graves.”
A BCG é feita com bacilo atenuado. Por isso, é contra-indicada a crianças com imunodeficiência, como as HIV-positivas.
Largar o cigarro também protege. Caso você tenha o bacilo, a medida evita o desenvolvimento da tuberculose.
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