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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Um campo desigual e com dupla vocação

País mostra potencial tanto para produção em escala quanto na agricultura familiar, um cenário onde dois em cada três produtores não concluíram o ensino fundamental

José Rocher na GP

Oito em cada dez estabelecimentos rurais do Brasil e do Paraná estão nas mãos de um produtor com pouca instrução (só um terço concluiu o ensino fundamental), que tem pouca terra (entre 40 e 60 hectares) e que depende cada vez mais de apoio público. Esses são alguns dos traços do campo mostrado no Censo Agropecuário 2006, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A agricultura comercial (dois em cada dez estabelecimentos), por sua vez, possui a maior parte das terras (76% no país e 72% no estado) e arrecada 57% do valor da produção agropecuária. O principal produto do setor rural continua sendo a soja e, dos R$ 17 bilhões que rendeu no ano do censo, R$ 14 bilhões ficaram com os estabelecimentos comerciais. A oleaginosa foi a cultura que mais se expandiu na última década (88%). Um detalhe, 46% dos produtores usam grãos transgênicos.

Esses dois quadros mostram um desafio latente no setor: expandir a produção em escala sem agravar a migração do campo para a cidade. A preocupação não é só social. A produção da agricultura familiar se mostra cada vez mais importante para o mercado interno. Com 28% das terras, o segmento gerou 43% do valor da produção, conforme o Censo 2006.

"O IBGE confirmou que o número de estabelecimentos voltou a crescer (de 4,8 para 5,2 milhões no Brasil e de 369 para 371 mil no Paraná). E existe uma série de iniciativas que estão garantindo mais dinheiro ao produtor", avalia o secretário estadual da Agricultura no Paraná, Valter Bianchini. argumenta. Ele cita fontes de renda que vão do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – em que o produtor recebe preço mínimo e se torna fornecedor de programas sociais – às aposentadorias concedidas a trabalhadores rurais idosos.

Com política focada na agricultura familiar, o Paraná pretende usar os dados do novo censo para reforçar sua aposta na estruturação das pequenas propriedades, afirma.

O IBGE também reforçou esse ponto de análise. O coordenador do Censo Agropecuário no Paraná, Jorge Mryczka, disse que esses dados marcam uma mudança de rumo no esvaziamento contínuo do campo. O ponto de equilíbrio, no entanto, ainda é considerado uma incógnita. O total de brasileiros trabalhando no campo caiu 30%, de 23,3 para 16,4 milhões desde 1985, conforme o IBGE.

Nesse período, o número de pessoas por propriedade passou de 4 para 3. O campo dispensou 6,9 milhões de pessoas (758 mil no Paraná). O produtor que ficou tem cerca de 45 anos e depende da esposa, de um dos filhos ou de um empregado para produzir. Por outro lado, o número de tratores aumentou 15% e chegou a 788 mil no país e a 111 mil no estado.

O Brasil ainda não sabe se o melhor é expandir a agricultura comercial, que exige menos mão de obra, ou fortalecer a agricultura familiar, afirma o pesquisador Wilson Schmidt, da Universidade Federal de Santa Catarina, que atua em programas de qualificação de jovens rurais. Em sua avaliação, essa contradição se expressa na própria estrutura do governo federal, que tem um ministério para os pequenos (Ministério de Desenvolvimento Agrário) e outro para os grandes produtores (Ministério da Agricultura).

As novas tabelas do Censo Agropecuário encheram os especialistas de dúvidas. Os técnicos do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) chegaram a marcar uma entrevista coletiva para ontem à tarde, que acabou sendo transferida para a próxima semana. Eles tentam desenhar, através dos números, um quadro que mostre mais claramente se o produtor rural envelheceu, se está arrecadando mais ou menos, se realmente há sinais de recuo na migração.

Média propriedade, mas com grandes problemas

49 anos, 60 hectares, contas apertadas, sem um sucessor definido para a atividade agrícola. Romildo Salanti, de Prudentópolis (Centro-Sul) está exatamente na média do produtor rural do Paraná retratada pelo Censo Agropecuário 2006. No entanto, mostra-se descontente com os rumos do setor.

O principal ponto de reclamação é o mercado. Ele afirma que a pressão dos preços força redução nos custos e que chegou-se a um limite em que é praticamente impossível garantir renda sem aumentar a produção. "A saída tem sido arrendar terras. Eu e meu irmão estamos fazendo isso juntos. Está cada vez mais difícil viabilizar uma área pequena." Há épocas em que ele planta mais em área arrendada do que em sua propriedade.

Salanti não conseguiu ir além do ensino fundamental, mas torce para que seu filho de 12 anos chegue à universidade. "Não vou incetivar ninguém a ficar na agricultura. Quero que ele estude." Ele tem ainda filhas gêmeas, de 24 anos, que seguiram outros setores. A alternativa pode ser entregar a área a um dos genros, uma vez que ambos tem qualificação técnica.

Num ambiente de incertezas, Salanti busca apoio em programas públicos, como Programa de Aquisição de Alimentos. "Está cada vez mais difícil tocar a pequena propriedade sem ajuda", avalia. (JR)

1 milhão de crianças trabalhando

Agência Estado

Em 2006, havia mais de 1 mi­­lhão de crianças com menos de 14 anos trabalhando na agropecuária, conforme o IBGE. Outro problema social dimensionado pelo Censo Agropecuário é que a baixa escolaridade entre as mulheres mostra-se mais grave que entre os homens. A diferença é de 38,1% para 45,7%. Os maiores percentuais de produtores analfabetos ou sem nenhum estudo estão concentrados nas Regiões Norte (38%) e Nordeste (58%). O índice de analfabetismo acusado pelo IBGE é de 25% no Brasil e 6% no Paraná. As pequenas unidades eram as principais empregadoras, respondendo por 84,36% dos trabalhadores rurais – 12,6 ve­­­­zes mais trabalhadores por hectare do que as médias (que têm de 200 a 2 mil hectares) e 45,6 vezes mais que as grandes propriedades.

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