Leandro Fortes na Carta Capital
O empresário Paulo Octávio Pereira sempre quis ser Juscelino Kubitschek, o presidente da República que construiu Brasília e virou ícone do desenvolvimentismo nacional. Dono do Grupo Paulo Octávio, um conglomerado de empresas do ramo imobiliário e de comunicação, PO, como é conhecido, casou-se em segundas bodas com uma neta de JK, Anna Christina. Cidadão mais rico da capital federal, aceitou, constrangido, o posto de vice-governador do DF, em 2006, na chapa de José Roberto Arruda, depois de levar uma rasteira da direção nacional do DEM (ex-PFL). Pretendia virar o jogo em 2010, como cabeça de chapa, e, assim, governar a cidade criada por seu ídolo. Deu tudo errado. Conseguiu, no máximo, virar chefe interino de um governo em ruínas.
Desde a quinta-feira 18, quando negou em uma entrevista coletiva concorrida a intenção de renunciar ao posto de governador interino, Paulo Octávio colocou a ampulheta para funcionar. Em Brasília, a pergunta é: até quando ele resiste no cargo? Por vias das dúvidas, PO já redigiu sua carta de renúncia, em poder de correligionários do partido.
Sua hesitação e expectativa nada têm de estratégia política. São, antes de tudo, táticas de sobrevivência pessoal. Alvo de três pedidos de impeachment na Câmara Legislativa do Distrito Federal e sem o apoio entusiasmado que pretendia obter do presidente Lula durante uma ligeira audiência na quinta 18, Paulo Octávio teme mesmo as investigações do Ministério Público sobre as atividades de Marcelo Toledo Watson.
Toledo é figura central no escândalo político que devastou Brasília e levou à cadeia o governador José Roberto Arruda nas vésperas do carnaval. Trata-se de um policial civil precocemente aposentado aos 27 anos, depois de ter sido baleado durante a operação de resgate de Cleucy Meirelles, sequestrada em Brasília em 1997. Cleucy é filha do ex-senador Luiz Estevão, do PMDB, cassado por corrupção em 2001.
Após a bem-sucedida ação, Toledo caiu nas graças do empresário Paulo Octávio e tornou-se o seu mais próximo colaborador, homem de total e absoluta confiança. Segundo os investigadores, o ex-policial era o principal arrecadador de fundos para o caixa 2 do DEM, além de responsável pela distribuição dos valores das propinas, dentro e fora de Brasília. E, para desespero de PO, Toledo está cada vez mais inclinado a ingressar no programa de proteção a testemunhas, fazer um trato de delação premiada e contar tudo o que sabe. A apreensão do governador interino, visível em sua expressão cansada e olheiras profundas, não é gratuita. Por isso, a depender dos humores do assessor investigado, PO poderá se apressar a fazer valer a carta-renúncia preparada com antecedência para ao menos salvar seus direitos políticos.
Em uma das imagens do vídeo gravado por Durval Barbosa e anexado aos autos da Operação Caixa de Pandora, Toledo chega sorridente ao gabinete do ex-secretário de Assuntos Institucionais de Arruda e entrega um pacote de dinheiro ao jornalista Omézio Pontes, então assessor de imprensa do GDF, hoje afastado do cargo. O trio confere as notas, conta piadas e dá risadas. "Paulo Octávio pediu para mandar alguma coisa hoje", avisa Toledo, antes de ir embora. "Hoje não", retruca Barbosa. O policial aposentado insiste: "Ele (Paulo Octávio) diz que tem que pagar o negócio dos prefeitos que ele está ajudando, candidatos". No sábado 13, em busca de novas provas, policiais federais fizeram uma operação de busca e apreensão na casa de Toledo localizada no Lago Sul.
Os investigadores da PF e os procuradores federais começaram no início do ano a rastrear quem são os prefeitos-candidatos supostamente apoiados por PO, mas ainda tateiam no escuro. Formalmente ainda não foi possível arrancar nada de Toledo. Convocado a depor na Superintendência da PF em Brasília em 10 de janeiro, o assessor de Paulo Octávio manteve-se em silêncio, graças a um habeas corpus preventivo expedido pelo Supremo Tribunal Federal. A estratégia da defesa do policial, tocada pelo advogado Raul Livino, é justamente a de só permitir o depoimento por meio de delação premiada, com consequente acordo de redução de pena. Até lá, cabe à PF e ao Ministério Público encontrarem novas peças do quebra-cabeça.
A PF trabalha com a possibilidade de Toledo ser o chefe de um grupo de "aviões"-, expediente comum ao tráfico de drogas, usados para levar dinheiro sujo arrecadado no DF em 2008 para outros estados onde haveria candidatos do DEM à busca de recursos de campanha. Acrescente-se à linha de investigação o fato de o ex-policial ter-se filiado ao PPS em 2 de outubro de 2009, partido mergulhado nos esquemas de corrupção do governo Arruda, sobretudo na Secretaria de Saúde, quando sob o comando do deputado federal Augusto Carvalho. Na verdade, Toledo pretendia, ao filiar-se à sigla presidida pelo ex-deputado Roberto Freire, lançar-se como suplente de Paulo Octávio, caso este concorresse ao Senado Federal em 2010.
No fim das contas, nem Paulo Octávio sabe o que pode acontecer a ele daqui para a frente. Desde que assumiu o pepino de governar Brasília, nada mais faz do que cumprir burocraticamente o expediente no Palácio do Buriti (reportagem na edição impressa) e buscar apoios para não naufragar antes de o STF decidir se será ou não necessária uma intervenção federal no DF. Os secretários de governo são todos interinos e nenhum partido quer indicar nomes para participar do fim de festa do DEM em Brasília. Nem o próprio DEM. Na quinta 18, durante o discurso no qual anunciou sua permanência, Paulo Octávio revelou também sua desfiliação do partido. O objetivo foi evitar a expulsão, defendida com vigor pelo senador Demóstenes Torres e o deputado Ronaldo Caiado, ambos de Goiás. PO chegou a visitar Demóstenes em Goiânia em busca de um aceno simpático, mas ouviu do senador que a campanha a favor de sua expulsão seguiria inexorável.
Dessa forma, o sonho de encarnar o JK do século XXI esvai-se como fumaça. Ainda que venha a renunciar, de modo a preservar os direitos políticos, e mesmo tendo prometido não se candidatar às eleições deste ano, Paulo Octávio terá muito trabalho para se defender daqui para a frente. Seu nome é claramente citado em outros momentos das gravações feitas por Durval Barbosa. Em um deles, Barbosa recebe o executivo Marcelo Carvalho, diretor da holding Paulo Octávio. Nos vídeos, Carvalho fala da partilha de recursos de caixa 2 arrecadados com empresários para pagamentos de propinas. Segundo declarou Barbosa à PF, de todo o dinheiro recolhido, 40% iam para Arruda, 30% para Paulo Octávio e os outros 30% eram pulverizados entre deputados e secretários distritais ligados ao esquema.
A investigação da PF é mais específica. O inquérito da Operação Caixa de Pandora cita que os 30% destinados à "equipe de Paulo Octávio" vinham de empresas beneficiadas com a aprovação do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) do DF. Carvalho, de acordo com a PF, fazia o pagamento dos deputados distritais governistas em troca do apoio ao projeto. Essa suspeita serviu de base para uma ação impetrada na Justiça -pelo Ministério Público em 4 de dezembro, na qual é pedida a anulação do plano diretor. O PDOT levou dois anos para ser aprovado na Câmara Legislativa e entre os principais beneficiários está, justamente, a construtora de Paulo Octávio, a maior e mais ativa da capital.
Graças à aprovação do plano diretor, o Grupo Paulo Octávio pôde abocanhar parte daquele que é considerado, atualmente, o mais importante empreendimento imobiliário do Brasil, o chamado Setor Noroeste de Brasília. Localizado na Asa Norte da capital, ao lado de uma área de preservação ambiental, o Noroeste ainda é um incipiente canteiro de obras, mas ostenta um dos metros quadrados mais caros do País. Apenas no local, a construtora do governador interino investiu cerca de 30 milhões de reais.
O promotor Roberto Carlos Silva, autor da ação no Ministério Público, afirma que a tramitação do plano diretor, aprovado em dezembro de 2008 na Câmara Legislativa, correu de forma ilegal. Segundo ele, o substitutivo da proposta ao projeto, formulado pelo governador Arruda, não poderia ter sido feito pelos deputados distritais – entre eles, a deputada Eurides Britto (PMDB), filmada por Barbosa enquanto empurrava maços de dinheiro para dentro de uma imensa bolsa de couro. À época, apenas cinco parlamentares (quatro do PT e um do PDT) votaram contra a aprovação do projeto.
Em outro vídeo, datado de 21 de outubro de 2009, Barbosa informa ao governador Arruda que a partir da caixinha amealhada com o empresariado brasiliense PO havia mandado pagar 50 mil reais a Roberto Giffoni, corregedor-geral do GDF, e mais 120 mil reais ao secretário de Planejamento, Ricardo Pena. Diante da insatisfação de Barbosa com a ingerência do vice nos critérios de partilha, Arruda o desautoriza a tomar qualquer atitude. "Estou querendo seguir as ordens do Paulo", avisa o governador. Desde então, Paulo Octávio entrou também na mira da Ordem dos Advogados do Brasil. "Não é razoável concluir que tudo tenha ocorrido sem a ciência do vice", afirmou João Pedro Ferraz dos Passos, relator do pedido de impeachment da dupla Arruda/Paulo Octávio na OAB.
Logo após a divulgação dos vídeos, sucessos de audiência na internet, PO divulgou uma nota oficial, via assessoria de imprensa, na qual afirmou, "em homenagem à verdade", jamais ter autorizado ninguém a receber ou solicitar dinheiro por ele. Em seguida contratou o onipresente advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos mais assediados criminalistas de Brasília, principalmente por quem precisa negar o inegável. Coincidência ou não, Kakay também defende Carvalho, o executivo desautorizado por Paulo Octávio na nota oficial. O advogado, aliás, é versado nos problemas de Arruda. Em 2001, ele defendeu o então senador no caso da quebra de sigilo do painel eletrônico do Senado. Então líder do governo FHC na Casa, Arruda renunciou ao mandato para não ter seus direitos políticos cassados. Cinco anos mais tarde, após uma recauchutagem na imagem, elegeu-se governador do DF.
"Não há acusação formal nenhuma, em nenhum dos casos", afirma Kakay. Segundo ele, no caso do executivo Marcelo Carvalho, não há evidências nos vídeos gravados por Barbosa de que o empresário estivesse a tratar de dinheiro. Em uma das gravações, ele é filmado enquanto repassa uma pasta para Barbosa. "Meu cliente foi levar documentos para tratar de questões empresariais", garante o advogado. Mas que questões empresariais? "Ele não detalhou para mim que assuntos eram", responde candidamente.
Além do enrosco do plano diretor, PO terá de explicar certos contratos firmados pela BrasíliaTur, estatal do turismo do DF e que esteve sob seu comando quando ocupou a Secretaria de Turismo. Em 2008, apenas com festas e homenagens, o governo distrital gastou 26,1 milhões de reais, quatro vezes mais do que no ano anterior. Em 2009, o montante subiu para 64 milhões de reais, segundo levantamento feito no gabinete do deputado distrital Chico Leite (PT), por meio do Siggo, o sistema de acompanhamento de gastos do GDF. Por fim, de acordo com notícias veiculadas nos últimos dias, as empresas de comunicação de Paulo Octávio receberam mais de 10 milhões de reais em contratos com o governo distrital. Uma das rádios beneficiadas não consta da declaração de bens do governador interino. Sobre esse pequeno lapso, PO afirmou que à época da declaração à Receita a emissora estava desativada.
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