Páginas

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Pesquisadores apostam em fármacos baseados em produtos naturais contra a tuberculose




Tísica, vampirismo, doença-ruim, moléstia-magra, mal-do-peito, capitã de todas as mortes: estes são alguns dos nomes que foram dados à tuberculose, doença que assombrou o mundo entre os séculos 18 e 19, quando matou cerca de um bilhão de pessoas. Nas últimas décadas, com o avanço da Aids e o surgimento de cepas de bactérias resistentes a antibióticos, a tuberculose voltou a chamar atenção como problema de saúde pública mundial. Para fazer frente à doença, o pesquisador Marcus Vinícius Nora de Souza, do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), aposta no desenvolvimento de novos fármacos, baseados em produtos naturais.
 Para Marcus Vinicius Nora de Souza, fármacos baseados em produtos naturais renovam esperanças no tratamento da tuberculose
Para Marcus Vinicius Nora de Souza, fármacos baseados em produtos naturais renovam esperanças no tratamento da tuberculose


Após a descoberta do medicamento estreptomicina, na década 1940, pensou-se que o fantasma da tuberculose estava superado. Ainda hoje, no entanto, a doença mata quase 1,7 milhão de pessoas por ano em todo o mundo. O número aumenta silenciosamente à medida que surgem cepas multirresistentes e extremamente resistentes do Mycobacterium tuberculosis, agente causador da enfermidade. Em artigo publicado na revista Fitoterapia, Souza conta que os fármacos baseados em produtos naturais – oito deles já em fase de testes clínicos, conduzidos por agências e laboratórios internacionais – renovam as esperanças para a evolução do tratamento da tuberculose. Afinal, há mais de 40 anos não são desenvolvidos novos medicamentos para a doença.
Farmanguinhos também faz sua parte na luta pelo fim desse longo jejum. Neste momento, o Instituto trabalha com princípios ativos extraídos de dois produtos naturais – uma planta da Amazônia e outra da Mata Atlântica – no combate à tuberculose. Nos testes preliminares, as substâncias apresentaram atuação semelhante à de dois antibióticos já utilizados no tratamento contra a doença, rifampicina e isoniazida. Os estudos, conduzidos pela pesquisadora Maria das Graças Henriques, estão na etapa de testes in vivo, ou seja, com animais. Se as propriedades terapêuticas forem confirmadas, o próximo passo é buscar uma parceria com uma empresa ou entidade capacitada a avaliar a ação das substâncias em seres humanos.
Além dos estudos com fármacos baseados em produtos naturais, outra novidade são os testes clínicos para avaliar o efeito da combinação entre antibióticos já utilizados para outras doenças e medicamentos já existentes para a tuberculose, como a isoniazida. Os resultados desses testes, também comandados por grandes conglomerados internacionais, mostram que o tratamento tradicional da tuberculose, que dura de seis a nove meses, pode cair para dois meses. “Isso diminuiria um dos principais problemas que enfrentamos, que é o abandono do tratamento por parte dos doentes”, lembra Souza.
De acordo com o pesquisador, o surgimento das chamadas superbactérias foi decisivo para acelerar as pesquisas. “Antes, registrávamos a existência de bactérias resistentes, ou seja, que resistem aos fármacos de primeira linha, utilizados normalmente no combate à doença”, explica. “No início deste século, bactérias extremamente resistentes começaram a ser identificadas e elas são difíceis de tratar até com medicamentos de segunda linha, que já são mais caros, apresentam mais efeitos colaterais e exigem uma maior duração no tratamento”, acrescenta.
Aids e tuberculose
Atualmente, a tuberculose é responsável direta pela morte de um em cada três pacientes com HIV. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 12 milhões de pessoas em todo o mundo estão coinfectadas por essas duas doenças, sendo que 90% dos casos se encontram nos países em desenvolvimento. “Estima-se que cerca de 32% da população mundial têm tuberculose latente no organismo. Este número cresce 2% a cada ano. Quando você tem uma baixa no sistema imunológico, como no caso da Aids, por exemplo, a doença aparece”, explica Souza. Além da associação com o HIV, fatores como o uso excessivo de antibióticos e a pobreza ocasionaram o aumento do número de casos de tuberculose e o surgimento de bactérias resistentes.
Bactérias resistentes no Brasil
De acordo com a OMS, ocorrem entre 300 mil e 450 mil novos casos de tuberculose resistentes por ano, dos quais em torno de 80% não são tratáveis com pelo menos três dos fármacos comumente utilizados contra a doença. “As variantes estão espalhadas por praticamente todas as partes do mundo, inclusive no Brasil, e o número de casos tende a aumentar cada vez mais. O problema é que, com superbactérias como essas, o tratamento pode não fazer mais efeito”, afirma Souza. “Farmanguinhos, além de produzir medicamentos e pesquisar novos tratamentos para a tuberculose, também busca sensibilizar as pessoas para a importância da prevenção e do tratamento adequado. Além disso, é importante angariar mais pesquisadores para estudar a doença, especialmente aqui no Brasil”, destaca o pesquisador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário