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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Globalização, Comércio Exterior e Vigilância Sanitária

André Medici no Monitor de Saúde


Desde a 8ª. Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, o Brasil vem progressivamente realizando mega-eventos em saúde. Gerais ou temáticos, esses mega-eventos cristalizam a expressão política e vocalização de interesses da sociedade organizada do setor (profissionais de saúde, usuários, gestores públicos ou privados) permitindo a discussão e disseminação de aspectos técnicos, doutrinários e organizacionais associados à implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). Eles tem tido um papel essencial na disseminação da Reforma Sanitária Brasileira e na construção progressiva de um consenso que tem garantido a estabilidade do SUS nos últimos vinte anos. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO – é uma das entidades que tem tido papel ativo na organização destes Congressos e na construção desses consensos.

Organizando mega-eventos desde os temas mais gerais, como os de Saúde Coletiva, até os específicos como Recursos Humanos em Saúde, Epidemiologia ou Vigilância Sanitária e Economia da Saúde, a ABRASCO tem se associado a distintas organizações de saúde no Brasil para na busca de parcerias para estes eventos. No campo da Vigilância Sanitária, com o apoio institucional da Agência Nacional de Vigilância em Saúde (ANVISA), a ABRASCO já organizou cinco Simpósios Brasileiros de Vigilância Sanitária (SIMBRAVISA).

O V SIMBRAVISA, realizado entre 13 e 17 de Novembro de 2010, ocorreu na cidade de Belem, capital do Estado do Pará, contando com mais de 2000 participantes. Fui convidado a coordenar de uma mesa sobre Globalização, Comércio Exterior e Vigilância Sanitária durante este evento. Participaram da mesa Neilton Araujo de Oliveira, Diretor Adjunto da ANVISA, José Manoel Cortiñaz Lopez, técnico da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) e Marcelo Liebhart da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (INTERFARMA). Tanto as apresentações como as discussões suscitaram interessantes questões que me levaram a escrever esta postagem.

Globalização e Comércio Exterior 

Em poucas palavras, globalização é o aumento da interdependência entre as nações que ocorre através da intensificação da troca de informação entre distintos países, com impactos diretos na vida cultural, nos valores, nos hábitos e costumes, nos padrões de consumo e consequentemente no comércio exterior.

Como resultado no plano do comércio exterior, os países reduzem suas barreiras alfandegárias e tarifárias, aumentam os acordos internacionais e a padronização dos produtos, as exportações e importações, colocando em prática o aproveitamento das vantagens comparativas e competitivas de cada país. As importações/exportações como proporção do PIB tendem a aumentar com impactos importantes na qualificação e especialização dos mercados de trabalho e o direcionamento dos investimentos de infra-estrutura.

A globalização constuma se expandir durante os períodos de prosperidade econômica internacional. Nesse sentido, os efeitos da globalização podem se registrados desde a época dos fenícios, mas tem aumentado vertiginosamente nas últimas décadas com a revolução trazida pelas tecnologias de informação e de comunição on line.

Analogamente, a globalização tende a se retrair nos períodos de crise econômica, e quanto mais profunda são as crises, mas intensa é a reversão dos processos comerciais (e com o tempo, comportamentais) associados à globalização. Portanto, as crises são inimigas naturais dos processos de globalização. Em geral elas aumentam o comportamento defensivo dos países na proteção de seus mercados nacionais de forma a privilegiar a produção doméstica e reduzir as importações. Nos anos mais recentes, de rápida propagação e transferibilidade da informação, conhecimento e tecnologia, os países em desenvolvimento são os que mais ganham com a globalização. São eles que se beneficiam da queda (ainda que parcial) do protecionismo dos países desenvolvidos com o favorecimento e maior exposição de suas indústrias nacionais aos mercados globais, e com o consequente crescimento da qualidade e empregabilidade de sua força de trabalho. Mas as crises também afetam proporcionalmente mais os países em desenvolvimento, com a reversão da globalização. O crescimento do protecionismo dos países desenvolvidos desacelera a dinâmica das indústiras exportadoras nos países emergentes o que nem sempre pode ser contrabalançado pela absorção do excedente de produção pelos mercados internos. Países como a China e o Brasil, que tiveram um crescimento acelerado de suas classes médias consumidoras na última década tem de certa forma ocupado parcelas do mercado interno com a crise financeira que se instalou na economia mundial em 2008, por exemplo.

Uma das perguntas mais frequentes sobre a globalização é associada a sua reversibilidade. A globalização pode acabar? Dependendo da severidade das crises, ela pode ser profundamente afetada. Em distintos momento ao longo da história a globalização se reverteu, trazendo como resultados mudanças nos padrões de consumo e investimento e até mesmo nos paradigmas sociais, econômicos e culturais. Mas sempre ficava algo para ser retomado na próxima onda expansiva da economia, pelo menos no que se refere aos ciclos econômicos de longo prazo (os kondratiefs, em homenagem ao economista que os descobriu, detentor deste sobrenome). Podemos dizer que o que vivemos hoje representa o estágio mais avançado que a globalização já enfrentou na história mundial. As pequenas reversões recentes certamente não ameaçam estruturalmente o estágio de globalização já alcançado pela humanidade.

Uma outra pergunta frequente se associa aos fatores que atrapalham o processo de globalização. Do ponto de vista comercial, os fatores mais comuns são: (a) Movimentos defensivos que estabelecem tarifas comerciais de importação ou exportação. Sempre perdem os países que exportam imposto ou os que são involuntariamente afetados pelo aumento de seus preços finais devido a impostos cobrados por países que importam seus produtos; (b) Desequilíbrios artificiais na taxa de câmbio que reduzem involuntariamente a competitividade do país que tem o câmbio super-valorizado, ou aumentam injustamente a competitividade do país que desvaloriza artificialmente sua moeda; (c) Práticas comérciais não adequadas como dumping, geração de subsídios a exportação e outras que reduzam artificialmente os preços finais dos produtos exportados e (d) taxas elevadas de juros, que costumam afetar negativamente a contração de créditos de curto prazo que auxiliam o financiamento das atividades de exportação e importação.
Efeitos da globalização nas políticas de saúde e vigilância sanitária

Historicamente, a saúde tem sido um dos setores que demandam mais tempo para adaptar-se as mudanças trazidas pela globalização, mas isto, recentemente, tem mudado rapidamente e vários fatores tem contribuido para tal, destacando-se:

(a) a difusão global de tecnologias e protocolos médicos;

(b) o papel das indústrias de medicamentos e equipamentos médicos que tendem a mobilizar recursos mundiais em suas estratégias de pesquisa e na difusão comercial de seus produtos e;

(c) os meios de comunicação de massa e a internet, que colocam nas telas todos os avanços possíveis da medicina que passam a ser objeto de cobiça e de consumo, dado que na sociedade contemporânea a longevidade saudável passa crescentemente a ser uma das maiores aspirações de consumo da humanidade.

Nesta perspectiva, aumenta constantemente o peso dos bens e serviços de saúde nas pautas de importação, aumentando também o papel dos órgãos de vigilância sanitária dos distintos países, como é o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no Brasil. As tarefas destas agências que se associam aos processos de globalização são:

(a) a conformidade dos produtos e serviços importados com padrões de uso e normas de segurança aceitáveis nacionalmente;

(b) a adaptabilidade destes bens e serviços aos padrões e estruturas de demanda nacional (tanto intermediária como final);

(c) a prioridade dos produtos, estratégias e protocolos importados ou exportados ao quadro epidemiológico nacional e

(d) a sua relação custo-efetividade e, portanto sua sustentabilidade em relação à renda das familias e aos gastos governamentais.

Migrações internacionais, remessas de recursos, intensificação do turismo e de viagens comerciais são fatores que também se intensificam com a globalização, exigindo mudanças nos aparelhos educacionais e de formação profissional e nos sistemas de saúde, que passam a aumentar suas ações de vigilância sanitária e geram acordos internacionais sobre fronteiras saudáveis e normas técnicas de procedimentos de saúde para viagens internacionais. Em épocas de globalização epdiemias (1), especialmente as de fácil transmissão como as gripes de alta letalidade (como aviar, suina, etc.) se tornam um risco que exige medidas especiais de preparação dos sistemas de saúde (2).

Os Desafios da ANVISA frente ao Processo de Globalização

A exposição de Neilton Araujo de Oliveira, concentrou-se na complexidade do papel da ANVISA, entidade marcada pelo controle da produção na área de saude, pelo controle da publicidade e rotulagem destes produtos e pelo controle de seus efeitos antes (registro e certificação) e depois (tecnovigilância e inspeção) de passarem pelo mercado.

A ANVISA é o orgão federal que controla o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS). Esse sistema conta com 3 mil funcionários federais, 2500 nos Estados e cerca de 50 mil nos Municípios Brasileiros. A ANVISA fiscaliza a produção de quase um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Passam sob o crivo de sua inspeção cerca de 80 mil farmácias, 23 mil empresas cadastradas, 450 fábricas de medicamentos, 4000 empresas de cosméticos, 3,4 mil empresas produtoras de produtos para a saúde, 3000 empresas saneantes, 2000 distribuidoras de medicamentos, 12 mil laboratórios de análises clínicas, 11 mil empresas de radiodiagnóstico, 6,7 mil hospitais, 2,6 mil serviços de fisioterapia, 600 serviços de hemodiálise, 250 empresas de medicina nuclear, 150 de radioterapia, 155 aeroportos, 46 portos e 111 pontos na fronteira nacional.

A ação da ANVISA se estrutura na redução do risco sanitario, o qual decorre de distintas circunstancias associadas a infra-estrutura do setor, aos processos de trabalho em geral e a natureza dos produtos de saúde. Também existe o risco inerente a escolha da tecnologia a ser utilizada em saúde a qual deve ter evidência comprovada para seu registro. Ambos os processos, frente a globalização, tendem a sofrer um maior conjunto de influências externas o que exige novos desafios da ANVISA no âmbito da regulação. Para enfrentar a redução do risco sanitário a ANVISA tem que coletar dados sobre estruturas, produtos e processos, transfor estes dados em informação, através de processos de ordenação e seleção; transformar a informação em conhecimento através da análise e sua compreensão via interpretação e julgar e tomar decisões a partir das evidências encontradas.

Os principais desafios da ANVISA são a modernização dos processos de gestão na administração pública para enfrentar o risco sanitário, o desenvolvimento e aprimoramento do processo regulatório associado a vigilância sanitária e a ampliação e fortalecimento da participação e controle social nestes processo regulatório. A globalização potencializa ainda mais estes desafios, dado que eleva o risco sanitário frente a necessidade de disseminar medidas regulatórias de grande interesse público e impacto nacional, frente aos desafios da globalização, à velocidade na geração de novos produtos, aos conflitos entre o interesse nacional e o internacional e às assimetrias culturais e políticas das distintas regiões. A necssidade de aplicar a regulação, através de fiscalização, leva a ANVISA a um esforço permanente de comunicação com a sociedade e com as autoridades e com organismos internacionais. E por este motivo que a ANVISA vem se integrando com organismos internacionais (OPAS, BVS, OECD) com processos de harmonização internacional de legislação sanitária, capacitação de agentes de vigilância, etc.

A exposição de José Manoel Cortiñaz Lopez da CAMEX enfatizou o desafio em harmonizar procedimentos para a melhoria da logística das empresas brasileiras que exportam para o mercado internacional de saúde. Observou que grande parte da melhoria da competitividade destas empresas dependem da ação da ANVISA.

A CAMEX foi criada em junho de 2003 pelo Decreto 4732. Sua função básica é coordenar a atuação dos órgãos federais vinculados com registros, anuências e controles em operações de importação e exportação. Seu objetivo é melhorar os aspectos logísticos das empresas que operam com contratos de comércio exterior, com vistas a transformar vantagens comparativas da produção brasileira em vantagens competitivas.

A CAMEX é gerida por um Conselho que envolve 7 Ministérios, mas o Ministério da Saúde não é um desses órgãos, apesar de seu grande peso no registro e licenciamento de produtos de saúde. As decisões da CAMEX se tomam através de um grupo técnico de facilitação do comércio exterior (GTFAC). A ANVISA tem sido convidada a participar das reuniões do GTFAC, mas como observadora. A atuação do GTFAC e da CAMEX, tem sido bastante eficiente, e resultou na redução de 29% das anuências de exportação e no aumento de 1,4% das anuências de importação.

A CAMEX tem sugerido aumentar a participação da ANVISA nos processos de melhoria das cadeias logísticas no setor saúde. Os principais problemas identificados pela CAMEX se associam aos seguintes fatos: (a) a legislação setorial de regras para licenciamento de produtos no Brasil é dispersa e defasada; (b) existe, por um lado, repetidos processos que poderiam ser simplificados, ao lado de incompatibilidades entre as exigências de múltiplos órgãos; (c) os procedimentos são complexos e burocráticos; (d) as intervenções dos distintos órgãos não são coordenadas gerando, em muitos casos, uma sequência inadequada das operações; (e) a logística costuma ser onerosa e ineficiente.

Todos estes temas são de grande importância, dado que a globalização dificilmente irá se reduzir nos próximos anos, gerando novos desafios onde as questões de harmonização interna e externa das regulações e da logística dos produtos de saúde e seu impacto nas cadeias produtivas internas do setor deverão ser cada vez mais relevantes.

Notas

(1) Sobre o impacto da globalização nas doenças transmissíveis, ver Medici, A.C., “As Infernais Doenças Democráticas” in Revista Insight Inteligência, Rio de Janeiro (RJ), Jul-Set de 2003, pp. 154-179. O artigo pode ser baixado na página:http://www.insightnet.com.br/inteligencia/22/PDFs/1122.pdf

(2) Sobre o tema da gripe aviar e seus efeitos no Brasil ver Medici, A.C., “A Influenza e a Capacidade de Resposta dos Ministérios da Saúde: O Brasil Está Preparado?”, in Revista Interessa Nacional, No. 7, Outubro-Dezembro de 2009, Sao Paulo (SP), 2009, pp. 65-76. O artigo podera ser encontrado em:http://interessenacional.com/artigos-integra.asp?cd_artigo=56

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