O estudo SCOUT (Sibutramine Cardiovascular Outcome Trial), publicado na edição de setembro de 2010 do New England Journal of Medicine acompanhou cerca 10.000 pacientes por 7 anos e teve com objetivo avaliar possíveis benefícios da sibutramina no auxílio à perda de peso, em pacientes portadores de doenças cardiovasculares prévias. A seguir, o resumo do estudo (tradução livre) e alguns comentários e matérias sobre o tema. ***
EFEITO DA SIBUTRAMINA SOBRE OS DESFECHOS CARDIOVASCULARES EM SOBREPESO E OBESOS
Veja o original (em inglês). Philip W. James T., MD, D.Sc., Ian D. Caterson, MD, Ph.D., Walmir Coutinho, MD, D.Sc., Nick Finer, MB, BS, Luc Van Gaal F., MD , Ph.D., Aldo P. Maggioni, MD, Christian Torp Pedersen, MD Ph.D., Arya M. Sharma, MD, Ph.D., Pastor M. Gillian, B.Sc., Richard A. Rode, Ph.D., e Cheryl L. Renz, MD no Investigadores SCOUT N Engl J Med 2010; 363:905 917September-2, 2010
Antecedentes Os efeitos a longo prazo do tratamento com sibutramina sobre as taxas de eventos cardiovasculares e morte cardiovascular em indivíduos com alto risco cardiovascular não foram estabelecidas.
Métodos Foram incluídos em nosso estudo 10.744 pacientes com sobrepesos ou obesos, de 55 anos de idade ou mais velhos, com doença cardiovascular preexistente, diabetes mellitus tipo 2, ou ambos, para avaliar as consequências cardiovasculares do controle de peso com e sem a sibutramina em indivíduos de alto risco para eventos cardiovasculares . Todos os participantes receberam sibutramina, além de participar de um programa de controle de peso durante a 6 semanas, duplo-cego; logo após 9804 pacientes foram submetidos a atribuição aleatória de um modo duplo cego para a sibutramina (4.906 indivíduos) ou placebo (4.898 indivíduos). O ponto final primário foi o tempo desde a randomização para a primeira ocorrência de um evento de desfecho primário (infarto do miocárdio não-fatal, AVC não-fatal, ressuscitação após parada cardíaca, ou morte cardiovascular).
Resultados A duração média do tratamento foi de 3,4 anos. A perda média de peso durante o período foi de 2,6 kg. Após a randomização, os sujeitos no grupo sibutramina alcançaram redução de peso média de 1,7 kg. A pressão arterial média diminuiu em ambos os grupos, com reduções maiores no grupo placebo do que no grupo sibutramina (diferença média, 1.2/1.4 mm Hg). O risco de um evento de desfecho primário foi de 11,4% no grupo sibutramina, em comparação com 10,0% no grupo placebo (hazard ratio, 1,16; 95% intervalo de confiança [IC], 1,03-1,31, P = 0,02). As taxas de infarto do miocárdio não-fatal e AVC não-fatal foi de 4,1% e 2,6% no grupo sibutramina e 3,2% e 1,9% no grupo placebo, respectivamente (razão de risco para infarto do miocárdio não-fatal, 1,28, 95% CI, 1,04-1,57; P = 0,02; taxa de risco de AVC não-fatal, 1,36, 95% CI, 1,04-1,77, P = 0,03). As taxas de morte cardiovascular e morte por qualquer causa não foram aumentados.
Conclusões Indivíduos com doenças cardiovasculares preexistentes que estavam recebendo tratamento com sibutramina a longo prazo tiveram um risco aumentado de infarto do miocárdio não-fatal e AVC não-fatal, mas não de morte cardiovascular ou morte por qualquer causa. (Financiado pela Abbott; ClinicalTrials.gov número NCT00234832)
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Folha de São Paulo, 17 de fevereiro de 2011
Veto a inibidor de apetite favorece cirurgia bariátrica
Sibutramina, que está no alvo da Anvisa há um ano, pode ser proibida; médicos criticam falta de opções contra obesidade Brasil participa de movimento global que pretende ampliar a indicação da operação de redução do estômago
DÉBORA MISMETTI EDITORA-ASSISTENTE DE SAÚDE JULIANA VINES DE SÃO PAULO
Proibir drogas emagrecedoras, como quer a Anvisa, levará ao aumento no número de cirurgias de redução do estômago, dizem médicos. Com a possível retirada desses remédios do mercado, sobram poucas alternativas para tratar a obesidade. Em muitos casos, a única saída será a cirurgia bariátrica, hoje indicada para pacientes com IMC (índice de massa corporal) acima de 35 e doenças associadas, como diabetes e hipertensão.
Já está em estudo nos EUA, na Itália e Espanha a redução do limite mínimo de IMC para a indicação da operação. O cirurgião Ricardo Cohen, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica, está coordenando uma pesquisa no Hospital Oswaldo Cruz sobre a eficácia da operação em pessoas com IMC entre 30 e 35. O estudo tem financiamento do Ministério da Saúde. Foram recrutados 105 voluntários, que serão operados dentro de semanas. Para Cohen, o procedimento é mais seguro do que as drogas. “Nunca se falou em retirar a cirurgia do mercado. Isso prova sua segurança”, diz. A previsão é que neste ano sejam feitas 70 mil reduções de estômago no país.
Para Alfredo Halpern, endocrinologista do Hospital das Clínicas, o aumento das cirurgias preocupa: “Não é mais simples tomar remédio? Faço um paciente perder 30 kg só com medicação”. Estudos mostram que 16% das pessoas que passam por redução do estômago têm alguma alteração neurológica, como perda de memória ou confusão mental, diz Eduardo Mutarelli, neurologista do Hospital Sírio-Libanês.
ONDA DE PROIBIÇÃO
A Anvisa estuda proibir a sibutramina, droga que age no sistema nervoso central, desde o início de 2010.Ontem, anunciou uma audiência pública para quarta, em que será apresentado um parecer pedindo a proibição dos medicamentos com sibutramina e três tipos de anfetamina: anfepramona, femproporex e mazindol. A decisão deve ser divulgada no dia 1º de março. A Anvisa diz que a sibutramina tem baixa eficácia e eleva em 20% o risco cardíaco.
O parecer foi embasado no estudo Scout, feito em 11 países, que saiu no “New England Journal of Medicine”. Na pesquisa, 10 mil obesos com mais de 55 anos e histórico de doenças cardíacas tomaram sibutramina por três anos e quatro meses. Segundo Walmir Coutinho, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e um dos autores do estudo, os resultados não justificam proibir a droga. O cardiologista Daniel Magnoni, do HCor, diz que o problema é a vulgarização da droga. “Com uso correto, as complicações são menores.” A única droga para obesidade fora da mira da Anvisa é o Xenical (orlistate), que não é um inibidor de apetite: diminui a absorção de gordura. “Só isso não resolve. Uma pessoa com compulsão não vai ser curada”, diz Halpern.
Assunto ainda está em debate, diz Anvisa
DE SÃO PAULO DE BRASÍLIA
Dirceu Barbano, diretor da Anvisa, afirma que o parecer que pede a proibição dos remédios emagrecedores ainda pode ser revisto. “Algumas entidades médicas dizem que a única alternativa terapêutica de uma faixa de pacientes são essas drogas. Não queremos deixar ninguém sem tratamento.” Segundo Barbano, a Anvisa ainda não tem essas informações. “Se isso for comprovado com dados consistentes, podemos rever o parecer. A audiência pública é justamente para discutir isso.” A decisão deve ser tomada no dia 1º de março pela cúpula da agência, que hoje tem só três diretores -normalmente, são cinco, mas dois cargos estão vagos e dependem da indicação da presidente Dilma Rousseff. Segundo Barbano, os riscos dos medicamentos são muito maiores do que os benefícios. Ele diz que é preciso encontrar outras alternativas para tratar a obesidade sem o uso de anorexígenos. O diretor da agência não acredita que o cancelamento do registro dessas drogas cause um crescimento no número de cirurgias bariátricas. “Os médicos podem encontrar outras alternativas de tratamento, como dieta, exercícios físicos e tratamentos de comorbidades.” O Ministério da Saúde diz que tem feito esforços para prevenir a obesidade, como estímulo a alimentação saudável e exercícios.
CRONOLOGIA
1997
A sibutramina é aprovada pela FDA (agência americana) NOV.
2009
Dados preliminares do estudo Scout, com 10 mil pacientes, mostram que a droga aumenta o risco cardíaco
JAN.2010
A agência europeia de medicamentos recomenda a suspensão da droga MAR.2010 A Anvisa passa a exigir que a droga seja vendida só com receita de controle especial
“Remédios são tentadores, mas devem ser proibidos”
CLÁUDIA COLLUCCI DE SÃO PAULO
Médico pesquisador na área de obesidade e emagrecimento, Pieter Cohen, professor-assistente da Harvard Medical School, defende que drogas como a sibutramina sejam proibidas. A seguir trechos da entrevista à Folha.
Folha – O sr. acredita que banir a venda de emagrecedores é o melhor para o obeso? Pieter Cohen – Quando as drogas para a perda de peso aumentam os riscos de doenças graves, como derrames e ataques cardíacos, é importante removê-las do mercado. É muito tentador ter medicamentos que causam perda de peso a curto prazo, mas representam riscos à saúde. Orlistat [Xenical] é hoje o único medicamento de segurança, embora não seja muito eficaz. Todos os outros disponíveis, incluindo sibutramina, deveriam ser proibidos.
Segundo endocrinologistas, a sibutramina é segura se bem-indicada, e sua proibição vai aumentar a obesidade. O que sr. pensa sobre isso? O estudo Scout mostrou que sibutramina aumenta o risco de doenças cardíacas e derrames. Na minha opinião baseada em evidências, ela não tem nenhum papel na atual gestão da obesidade.
Qual é o tratamento seguro para obesidade? É o trabalho duro de comer menos, comer mais saudável e fazer mais exercício físico. É o único tratamento seguro e eficaz para a obesidade. Mas precisamos ter metas realistas. Mesmo com as mudanças no estilo de vida, perder 10% do próprio peso é excelente. Objetivos da perda de peso muitas vezes irrealistas levam a dietas perigosas.
E as cirurgias para a perda de peso? Não há risco de aumentar a indicação delas por conta da proibição das drogas? A cirurgia gástrica”by pass” é o único tratamento reconhecido pela eficácia na significativa perda de peso, a longo prazo. Quando as pessoas sofrem de doenças relacionadas à obesidade e estão muito acima do peso é uma excelente opção. Para pacientes bem selecionados, os riscos são menores do que os riscos de sua obesidade. Quando feita em centros com grande experiência, pode ser muito benéfica, em especial para obesos com diabetes.
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