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segunda-feira, 9 de maio de 2011

Críticas ao Judiciário dominam audiência sobre adoção de crianças com HIV


Fotos Maria de Freitas


A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paraná promoveu na manhã desta segunda-feira (9) uma audiência pública sobre as dificuldades de adoção de crianças portadoras do vírus da Aids.
O deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR) participou do debate, marcado por uma série de críticas ao poder Judiciário.
Solicitada pelo Movimento Nacional das Crianças "Inadotáveis" (Monaci), a audiência reuniu parlamentares, organizações não-governamentais, mães e pais interessados em adotar crianças com HIV.
Fundadora do movimento, a advogada Aristéia Rau afirmou que existem hoje em Curitiba cerca de mil crianças vivendo em instituições. "Das 53 delas que têm HIV, apenas quatro tiveram o processo de destituição do poder familiar concluído."
Ela criticou a morosidade e a falta de interesse do poder Judiciário para atender a questão. "Estamos proibidos de ficar com nossos filhos, passamos o Dia das Mães acalentando esse desejo", criticou Aristéia. "Nossos corações sangram de desespero por essa situação."

A fundadora do Monaci citou levantamento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), divulgado no último mês de março, que apontou a existência de 4,4 mil crianças aptas à adoção do país. E mencionou estimativas da professora Lídia Weber, do Departamento de Psicologia da UFPR, segundo a qual o número apontado pelo CNJ estaria subestimado –haveria de 80 a 200 mil crianças brasileiras nessa situação.

"São pelo menos 75 mil crianças com sua situação jurídica indefinida", observou Murillo José Digiácomo, promotor de Justiça do Centro de Apoio das Promotorias de Criança e do Adolescente do Ministério Público do Paraná.
Aristéia afirma que o Judiciário prefere que as crianças continuem nas instituições. "Os prazos processuais não estão sendo cumpridos", reclamou. "Nossas crianças envelhecem dentro dos abrigos . Só queremos que a fila [das adoções] ande."
Justiça sem estrutura
Digiácomo apontou falta de estrutura do poder Judiciário e defendeu a capacitação de promotores e magistrados. "A ótica não pode ser apenas jurídica, deve ser interdisciplinar. As equipes devem ter psicólogos, pedagogos, assistentes sociais, para fornecer subsídios ao juiz, para que ele possa julgar com responsabilidade", defendeu. "Juízes sem subsídios podem cometer erros terríveis."
O promotor também apontou que, das 156 comarcas do Paraná, apenas 38 teriam equipes interdisciplinares. Em alguns casos, essas equipes seriam compostas, na verdade, por um único profissional.
"Local de criança não é na instituição, é na família", defendeu o representante do Ministério Público, que citou a lei federal 12.010, em vigor desde 2009. Entre outros itens, a lei impõe um prazo de até quatro meses para a conclusão das ações de destituição do poder familiar e análises semestrais da situação de cada criança que vive em abrigos, além de um prazo máximo de dois anos para o abrigamento. O promotor sugeriu ainda a instalação de uma frente parlamentar no Legislativo estadualci para defender os direitos de crianças e adolescentes.
Maria Rita Teixeira, presidente da Associação Paranaense Alegria de Viver (Apav), falou sobre sua experiência à frente de uma instituição que atende crianças e adolescentes com HIV.
"Crianças que chegaram [à Apav] com dois anos de idade, hoje estão completando 20 anos. O que vamos fazer com elas? Para onde encaminhá-las?", questionou. "No passado, elas tiveram oportunidade de serem adotadas, houve interesse de voluntários. Por mais que a nossa associação lhes tenha dado carinho, falta uma estrutura familiar."
Maria Rita possui três filhos biológicos e um adotado. "Levamos dois anos para conseguir a adoção definitiva."

Ao final da audiência, o deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR) propôs ao deputado estadual Tadeu Veneri (PT) que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados também participe do encontro que a comissão estadual pretende agendar com os juízes das Varas da Infância e Juventude de Curitiba.

"Uma força-tarefa poderia ser montada para analisar a situação de todas essas crianças", defendeu Dr. Rosinha, após lembrar que há cerca de 25 mil casais habilitados a adotar no Brasil. "Precisamos de um Judiciário célere, que não esqueça os processos nas gavetas"
Após ler um poema de Bertold Brecht, a atriz Letícia Sabatella disse que a sociedade brasileira convive com injustiças e com o aumento da violência. "É um círculo vicioso que não tem fim. Se a estrutura familiar falha, onde podemos servir?", perguntou. "Não podemos estigmatizar as pessoas de forma preconceituosa. Precisamos valorizar, e não valorar as pessoas."
Depoimentos
Há três anos tentando adotar uma menina portadora com HIV, que hoje tem sete anos de idade, o advogado Samuel Miranda filha relatou que o processo de destituição familiar dela começou há um ano e meio. "Sou um pai desesperado. Há muitos anos estou esperando pela minha família. Ontem [domingo, Dia das Mães] via minha esposa chorando porque a nossa filha não estava ali conosco."
O arquiteto Estevão Prestes, que também tenta adotar uma menina de sete anos, se emocionou ao descrever o pedido que ela lhe fez no último natal. "Minha filha pediu como presente que eu dissesse à juíza que ela queria ter uma família. Até hoje não consegui dar a ela este presente."
Diversos relatos apontaram a dificuldade de as pessoas enfrentam até mesmo para serem recebidas pelos magistrados ou promotores. Nem os advogados dos pais têm acesso aos juízes de algumas varas.
O policial federal Alberto Rau, marido de Aristeia, montou uma barraca em frente à 2ª Vara da Infância, Juventude e Adoção de Curitiba, em dezembro do ano passado. O casal pleiteia a adoção de quatro crianças, de 4, 8, 10 e 13 anos. "Como advogado, me sinto humilhado. Não estou pedindo a adoção, estou pedindo a guarda provisória."
Médico pediatra do Hospital de Clínicas, Tony Tahan disse ter o privilégio de acompanhar as crianças com HIV de Curitiba, e que os avanços no tratamento têm sido grandes. "A Aids não deve mais ser encarada como uma doença grave que leva à morte", explica o médico. "O HIV é um detalhe que requer cuidados especiais, consultas mais frequentes."
Abaixo, o poema lido por Letícia Sabatella.
Elogio da Dialética
BERTOLD BRECHT (1898- 1956)

A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração
E isto é apenas o começo.


Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos


Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga? De nós
De quem depende que ela acabe? Também de nós
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores do amanhã.

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