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domingo, 26 de junho de 2011

Infraestrutura: O país com um pé no século XIX


Há quase 30 anos sem luz elétrica, Hélia Cardoso transformou a geladeira que comprou em armário


Falha histórica em todo o país demonstra a ineficiência do Estado em garantir serviços básicos à população. Investimento isolado não basta

Hélia Cardoso tenta há 30 anos instalar luz elétrica em sua casa, em Pinhão, Região Centro-Sul do Paraná. A cerca de 150 quilômetros de distância, em Nova Laranjeiras, a coleta do lixo não chega a 75% da população. Em pequenos municípios, como Boa Esperança e Jundiaí do Sul, o saneamento é praticamente inexistente. E, como no Brasil colonial, ainda há cerca de 240 mil paranaenses que vivem em uma casa sem banheiro. Exemplos de infraestrutura básica como esses mostram que o país tem um pé no século 19 e revelam o descompasso entre o crescimento econômico e social. Invariavelmente, a resposta para esse paradoxo passa por organização comunitária, boa gestão política e competência técnica, além de recursos bem aplicados.
Os dados do Censo 2010, di­­vulgados pelo Instituto Bra­­sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que Brasil e Paraná têm um desafio enorme para solucionar. Levantamento da Gazeta do Povo mostra que dez municípios paranaenses têm cobertura de esgoto para menos de 1% da população. Esse é o pior indicador nacional, com 31% dos brasileiros sem acesso à rede de esgoto ou fossa séptica – o índice chega a 34% entre os paranaenses.
Investimento
Pouca verba para pequenos municípios
A lógica tributária brasileira também não ajuda os 5.565 municípios do país. Os pequenos sofrem com a falta de recursos técnicos básicos – no Paraná, por exemplo, metade das cidades não tem sequer um engenheiro contratado – e sobrevivem apenas com o Fundo de Participação. Como as verbas de educação e saúde têm um porcentual mínimo de investimento, o que sobra é gasto com folha de pagamento dos funcionários públicos e antipó.
Presidente da Associação dos Municípios do Paraná, Moacyr Fadel afirma que hoje as pequenas cidades dependem da aprovação de projetos de instâncias como a Copel e Sanepar porque não têm condições de realizar investimentos sozinhas. Uma reclamação dos prefeitos é que alguns municípios não podem dar o retorno financeiro esperado pelas empresas e acabam ficando de fora dos projetos.
Problema ambiental
Já o sociólogo da Universidade de Brasília Marcel Bursztyn argumenta que hoje o maior problema ambiental brasileiro, sob o ponto de vista humano, não está nas florestas e sim na falta de saneamento básico e destinação correta do lixo. “Estes setores vêm sendo negligenciados por decisões políticas.” (PC)
Metas
Serviço universalizado, nem tanto
No Paraná, o investimento em saneamento básico e energia elétrica ficou sob responsabilidade do governo estadual e, por consequência, da Copel e da Sanepar. No Brasil e no estado, o acesso à energia elétrica é considerado universalizado, apesar de haver regiões ainda com um porcentual da população sem esse serviço, principalmente em áreas rurais.
Para tentar solucionar essa questão, em 2003 o governo federal lançou o programa Luz para Todos, que tem o objetivo de atingir 10 milhões de pessoas com subsídios tanto para instalação quanto para a conta mensal de energia elétrica. A Copel estima que a cobertura passa de 99% em áreas urbanas do Paraná e 90% na área rural. Os casos de domicílios ainda sem luz são considerados pontuais.
Saneamento
Já a Sanepar segue a meta nacional e prevê universalizar o saneamento apenas em 2030. O diferencial do Paraná é que hoje todo o esgoto coletado é tratado, apesar de o serviço cobrir apenas 62,4% da população. Na maioria dos estados não há tratamento. Atualmente, a Sanepar atua em 344 dos 399 municípios paranaenses.
A assessora de planejamento estratégico da Sanepar Claudia Trindade afirma que o objetivo é ter 72% do estado com saneamento até 2014, mas, para isso, será necessário investimento de R$1,4 bilhão. (PC)
Cidades vizinhas vivem extremos sanitários
Lobato e Inajá são duas cidades da Região Noroeste do Paraná separadas por apenas 55 quilômetros. Mas, quando o assunto é esgotamento sanitário, a distância entre os dois municípios é enorme. Segundo dados do Censo 2010, mais de 92% das residências e estabelecimentos de Lobato têm rede coletora de esgoto, índice que só foi superado por Ibiporã, Curitiba, Porecatu, Cambará, Pinhais e Pato Branco.
O problema não para aí. Enquanto Curitiba e Pinhais têm a melhor rede de coleta de lixo do Paraná, com cobertura universalizada, há locais como Goioxim, no Centro-Sul do estado, onde sete em cada dez moradores não contam com o serviço. No Brasil e no Paraná, 12,5% e 9,5% da população, respectivamente, ainda não têm acesso à coleta de lixo.
Investimentos prioritários
Mestre em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo, o engenheiro sanitário Fernando Salino Cortes lembra que o primeiro setor de investimento em infraestrura básica foi a água encanada, com retorno político maior por ser mais “palpável” ao eleitor. Na lista de prioridades do poder público, a água encanada vem em primeiro lugar, seguida do esgotamento e por fim a coleta de lixo.
A falta de infraestrutura bá­­sica pode comprometer o desenvolvimento do país a curto e longo prazos. Sem saneamento adequado, a propagação de doenças como cólera e diarreia é ampliada e há redução de produtividade na escola e no trabalho, conforme explica o economista e professor da Uni­­ver­sidade Federal do Paraná Lu­­ciano Nakabashi. Outra questão importante é o capital social e o relacionamento entre a comunidade. Quanto maior o engajamento da população, maior a capacidade de cobrança do poder público. “O governo também precisa ter demanda para agir”, diz.
Quando se analisa os dados do Censo, é possível ver que a expressão “Belíndia” ainda é atual. Na década de 70, o economista Edmar Bacha criou o neologismo para demonstrar a desigualdade brasileira, que tinha regiões ricas como a Bélgica e pobres como a Índia. Enquanto em Mato Rico, Cen­­tro-Sul do Paraná, por exemplo, 70% do lixo tem tratamento inadequado, Itaipulândia, no Oeste, conseguiu universalizar a coleta e o correto destino do lixo reciclável.
Ao comparar a renda entre os dois municípios, é possível perceber que, em geral, quanto melhor o ganho per capita, melhor os serviços ofertados. Mato Rico é uma das cidades mais pobres do estado, com renda média de apenas R$ 348, enquanto em Itaipulândia o valor chega a R$ 680. Em Curi­tiba, o ganho atinge R$ 1,5 mil e a capital reúne os melhores indicadores.
Descompasso
Presidente-executivo do Ins­­tituto Trata Brasil, Édison Carlos argumenta que, nos países desenvolvidos, o saneamento nem é mais uma questão nacional porque não se concebe que uma família possa viver sem esgoto. Carlos explica que a defasagem brasileira ocorreu porque o governo federal ficou durante anos sem gestão nessa área.
O planejamento federal é que até 2030 esse serviço esteja universalizado, mas para isso serão necessários R$ 270 bilhões. Hoje, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê apenas R$ 10 bilhões anuais e é a maior fonte de financiamento. Mas, segundo Carlos, o problema vai além da falta de verbas. “Mesmo que tivéssemos os R$ 270 bilhões hoje, eles ficariam parados por falta de gestão técnica. O poder público perdeu capacidade nesta área.”
Lógica inversa ignora urgência das demandas
As falhas de infraestrutura no país revelam um problema histórico que demonstra a ineficiência do Estado em garantir serviços básicos. Popularizou-se que, na política, “obra enterrada” não traz voto, assim, a prioridade dos governantes tem sido asfalto e construção de obras como escolas e hospitais. Durante anos, o investimento em saneamento não foi uma pauta nacional. O panorama começou a mudar apenas nas últimas décadas, mas agora é preciso correr contra o tempo para sanar a demanda reprimida.
Esgoto sem tratamento
Na lógica do investimento estatal, os políticos descobriram que é necessário investir na coleta do esgoto, mas não no tratamento, que, afinal, é feito longe dos olhos do eleitor. Isso faz com que os índices de coleta estejam progredindo no país, mas – segundo a organização não-governamental Trata Brasil – as 81 maiores cidades brasileiras despejam todos os dias na natureza 6 bilhões de litros de esgoto sem qualquer tratamento. Ou seja, a intenção é apenas afastar a sujeira da população temporariamente, sem que a preservação do meio ambiente seja considerada.
O mesmo ocorre com a destinação do lixo. Se a coleta já é precária, o tratamento é quase sempre inadequado. No país, ainda funcionam 1,5 mil lixões, fazendo com que um a cada cinco municípios armazene os detritos – sem qualquer cuidado

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