Anotações indicam que as fraudes aconteciam pelo menos desde 2005; as reclamações de médicos, funcionários e residentes eram tão frequentes que o então diretor técnico de Serviços da Saúde alertou que o livro de registros não era para 'desabafos'
Escutas telefônicas e anotações em um diário de ocorrências revelam que médicos deixavam plantões a cargo de residentes no Conjunto Hospitalar de Sorocaba (CHS). Segundo o Conselho Regional de Medicina (Cremesp), o residente não pode trabalhar sem orientação de médico capacitado. Documentos indicam que as irregularidades aconteciam pelo menos desde 2005.
No livro de ocorrências, usado para registro de incidentes e problemas durante os plantões, um profissional denuncia a falta de médicos nos feriados. "É novamente feriado e não há nome na escala. Tudo vai se repetir?"
Em outro registro, uma médica relata: "Por não ter médico no PS da clínica médica, deixei o plantão da enfermaria aos cuidados de uma residente. É um absurdo deixá-la sozinha. Não concordo, mas não tive escolha."
O livro mostra indignação. "É necessário determinar quais são as atribuições dos doutorandos, para que possa haver organização no internato", escreve uma residente. "Não há plantonista na enfermaria. Como residente, estou sozinha, sem chefe. Um absurdo, pois na escala havia plantonista", reclama outra.
Outro funcionário relata a morte de um paciente que estava internado havia mais de 24 horas, sem diagnóstico da doença. "Estamos sem condições adequadas de trabalho, e os pacientes, em risco", registrou. "Quem trabalha aqui, trabalha em qualquer lugar, porque você aprende a improvisar com o que o hospital fornece", conta outro. Em uma das escutas, um dos médicos investigados orienta um colega a deixar um residente em seu lugar no plantão.
Após três anos, as queixas eram tão recorrentes que o então diretor técnico de Serviços de Saúde, Antonio Carlos Guerra, alertou os funcionários. "Este é um livro, não de desabafos ou críticas mal definidas. Peço maior cuidado nas anotações."
A investigação levou à prisão de 12 pessoas. Três foram libertadas e o ex-diretor do CHS, Heitor Consani, beneficiado por habeas corpus. O escândalo causou a demissão do ex-secretário de Esportes do Estado Jorge Roberto Pagura, que teria recebido por plantões não feitos, e do coordenador de Serviços da Saúde de São Paulo Ricardo Tardelli, que não teria agido, apesar de saber do esquema de fraudes.
Cobrança indevida.
A Polícia Civil também apura denúncia de que a direção do CHS cobraria para autorizar que estudantes de 14 escolas e faculdades particulares de enfermagem fizessem estágios em suas dependências. Segundo o delegado Alexandre Andreucci, da Delegacia de Tatuí, cada instituição pagava R$ 4 mil por ano pelo estágio - valor que não poderia ser cobrado, já que se trata de um hospital público. A cobrança seria feita "por fora", pois não consta no contrato de estágio firmado entre o estabelecimento, o hospital e o SUS.
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