no Saúde com Dilma
Alguém ganharia com o ressarcimento o mesmo que ganharia com os convênios?
por Arthur Chioro, Secretário de Saúde de São Bernardo do Campo (da Domingueira de Gilson Carvalho)
Dupla porta é uma metáfora ou uma palavra unívoca que não permite divergência? Ela pode nos levar a pensar que o SUS é tão eficiente que tem até duas portas. Realmente deveríamos pensar na eficiência das pessoas que acham que a dupla porta no SUS não tem nada a ver com o principio da igualdade que permeia a nossa Constituição.
Sabemos que um princípio tem mais valor que uma norma por contaminar todas as normas existentes. O que nos deixa muito preocupados nesta discussão de reservar 25% dos serviços públicos de saúde para pessoas que têm planos de saúde é a porta de entrada diferenciada da porta do cidadão que acredita no SUS.
Quem não tem convenio é punido duplamente: primeiro porque paga imposto para que o governo lhe garanta serviços; segundo porque a sua porta não é tão bonitinha e a fila de uma é menor que a da outra. Se alguém nos convencer de que estamos falando de portas isonômicas para o cidadão que, perante a lei, é igual ao outro, desistimos de continuar este artigo.
Mas há outras questões neste tema que somente o Riobaldo, do Guimarães Rosa, com aquela sua agudeza de raciocínio próprio de jagunço do sertão brasileiro que, para não ser pego nas armadilhas da vida – tanto as dos bichos quanto de gente –, tem que ter tirocínio rápido. O plano de saúde paga o procedimento realizado no paciente em partes: parte do médico; parte dos insumos. Quem fica com a parte do médico?
O serviço público que lhe paga o salário, conforme paga aos demais servidores públicos ou o hospital que mantém dupla porta? Se é dado ao servidor público – seja médico, engenheiro, advogado – receber por fora no serviço público, seria recomendável que uma lei instituísse uma parte do salário dos servidores por serviços que eles possam prestar a terceiros usando o serviço onde ele trabalha. Assim, talvez o serviço público fique mais apetitoso do que já é.
O Riobaldo não consegue se convencer de que aqui estamos no caminho do respeito ao principio da isonomia constitucional e ao principio da moralidade administrativa. Ele fica matutando dias e dias se aqui não tem algum jacaré que quer lhe enganar.
Lemos outro dia na Folha de S. Paulo que o Hospital das Clinicas vai respeitar o SUS como se ele não fosse SUS. Até já ouvimos pessoas dizendo que o HC não é SUS. Ele recebe dinheiro do SUS, é público porque é uma autarquia estadual, mas não é SUS. Só recebe o seu dinheiro.
O mais engraçado ainda e que tem perturbado bastante o Riobaldo são duas coisas fundamentais: a primeira é que a Constituição Paulista veda qualquer tipo de cobrança no serviço público de saúde, seja taxa, tarifa ou o nome que se queira dar. A segunda é que a lei dos planos de saúde determina que as operadoras de planos e seguros de saúde reembolsem o Poder Público quando seus beneficiários utilizarem serviços públicos de saúde.
Por que o Poder Público não cumpre a lei e cobra das operadoras o ressarcimento ao invés de firmar convênios ou ser credenciadas por estas operadoras para prestar serviços de saúde aos seus beneficiários, como se fossem serviços privados que podem ser credenciados? Bastaria o Poder Público cobrar das operadoras que tudo estaria resolvido, sem dupla porta, sem privilegio duplo para quem tem plano de saúde: ser atendido no serviço público pela porta de cima e ainda descontar do imposto de renda as suas despesas com planos e seguro saúde, uma renúncia fiscal de 8 bilhões de reais.
Este assunto é tão velho que, em 1994, foi editada uma lei paulista, sancionada pelo governador Mario Covas – a Lei nº 9.058 –, que regulamentava o reembolso das despesas havidas com beneficiários de planos e seguro saúde quando utilizassem os serviços públicos.
O Riobaldo pergunta aos jagunços do seu sertão porque estas leis nunca foram cumpridas? Alguém ganharia com o ressarcimento o mesmo que ganharia com os convênios? Quem sabe a Diadorim, que guardava tão graves segredos, pudesse responder, mas ela morreu no final do Grande Sertão: Veredas. Uma pena!
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