Está em tramitação final na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), com previsão de ser votado em Plenário em setembro de 2011, o Projeto de Lei complementar (PLC) nº 79, de 2006 , que transforma o HC-FMUSP [Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP] em Autarquia Especial.
Dentre outras determinações, o PLC prevê que “o HC-FMUSP poderá permitir a interveniência das suas fundações de apoio nos recursos oriundos do atendimento aos pacientes SUS, de convênios e particulares.”
Uma das fundações de apoio é a Fundação Faculdade de Medicina (FFM) que, desde novembro de 2009, integra a gestão do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
No dia 1º de dezembro de 2009 o Fórum de ONGs-Aids realizou um ato público em defesa do Emílio Ribas . As ONGs defenderam um Emilio Ribas “100% SUS” e se posicionaram contrariamente ao convênio firmado na época entre o Hospital e a FFM, que permite a terceirização das atividades de gestão e de assistência do hospital.
O hospital Emílio Ribas, referência nacional em infectologia, atende mais de 30 mil pacientes por ano, 70% deles com HIV e aids. Além de 200 leitos, mantém pronto-socorro, hospital dia, assistência ambulatorial, enfermarias de adultos, pediátrica e de terapia intensiva (UTI). O Emílio Ribas é responsável por quase a metade dos leitos destinados a pacientes com aids no município de São Paulo.
Dupla porta em São Paulo
A provável aprovação do PLC 79 é mais um capítulo da política da “dupla porta” implantada pelo governo do Estado de São Paulo, que permite a venda de leitos e serviços de hospitais públicos para planos e seguros de saúde privados.
Sob protestos de entidades e do Fórum das ONGs-Aids, em dezembro de 2010 a Alesp aprovou a Lei Complementar nº.1.131/2010 (“Lei da Dupla Porta”), que permite direcionar 25% dos leitos e outros serviços hospitalares para os planos e seguros de saúde privados. A lei abrange os hospitais estaduais de São Paulo que têm contrato de gestão com Organizações Sociais (OSs).
Agora, o PLC 79 estende e legaliza a dupla porta para o complexo HC-FMUSP e suas Fundações de apoio, podendo, se aprovado, atingir o Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE), por meio dos promotores de Justiça Arthur Pinto Filho e Luiz Roberto Cicogna Faggioni, da Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos – Área de Saúde Pública, deram entrada na Justiça, no dia 9 de agosto de 2011, com uma Ação Civil Pública, com pedido de liminar, contra a Lei 1131.
A ação, ainda sem decisão da Justiça, responde a representação do Fórum de ONGs-Aids, em nome de suas mais de 80 filiadas, e de diversas entidades da sociedade civil, acolhida pelo MPE no dia 15 de fevereiro. Além de impedir que o governo estadual celebre contratos e convênios entre organizações sociais e planos de saúde, a ação do MPE pede à Justiça que declare a ilegalidade do Decreto Estadual número 57.108, de 6 de julho de 2011, que regulamenta a “Lei da Dupla Porta”.
Desde o dia 6 de agosto, a Secretaria de Estado da Saúde (Resolução Nº 148 – DOE de 06/08/11 – Seção 1 – p.30) autorizou os primeiros hospitais a ofertar até 25% de sua capacidade a particulares e aos usuários de planos de saúde privados: o Instituto do Câncer e o Hospital de Transplantes.
Câncer, transplantes e aids
Assim como em câncer e transplantes de órgãos, os planos de saúde restringem a cobertura ou não tem em sua rede credenciada hospitais adequados para o atendimento de HIV-aids e outras doenças infecciosas. Isso torna o hospital Emílio Ribas um candidato potencial a estabelecer contratos e convênios com os planos de saúde, por meio da Fundação Faculdade de Medicina.
O resultado será a dupla porta: uma para pacientes do SUS que entram na fila e outra para clientes particulares e de planos privados de saúde que recebem atendimento diferenciado e conforto de hotelaria no mesmo hospital público.
Ou seja, corre-se o risco de o Emílio Ribas perder leitos que já são, notoriamente, insuficientes para o atendimento da demanda atual. A situação se agrava ainda mais pois não existe no Emilio Ribas conselho gestor paritário, que poderia, num eventual convênio amparado pela nova lei que será votada na Alesp, acompanhar a gestão do hospital e verificar o tratamento igualitário e a não reserva de leitos para planos de saúde.
Em maio de 2011 foi relançada a Frente Parlamentar de Combate às DST/AIDS, coordenada pelo deputado estadual Fernando Capez (PSDB). O objetivo da Frente é firmar parcerias entre o Legislativo e o movimento social organizado, ONGs e órgãos governamentais para fazer avançar as políticas de enfrentamento do HIV-aids no Estado.
A votação do PLC 79 será uma oportunidade de demonstração do real compromisso dos deputados que compõem a Frente parlamentar. Caso seja aprovada a lei, permitindo que as fundações de apoio possam angariar recursos oriundos do atendimento a convênios e particulares, estará aberta a possibilidade de entrega de parte do Hospital Emílio Ribas ao setor privado.
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