WANDERLEY M. D. FERNANDES
Cirurgião, docente de medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), membro do Grupo de Estudos da Saúde do Partido Verde (www.wanderleymd.com.br)
Em meio as recorrentes discussões sobre o precário financiamento da saúde pública, o governo agora pensa impor novo imposto para a aprovação da Emenda Constitucional nº 29, de setembro de 2000, que deveria ter sido implementada até 2004. A emenda viria regulamentar os percentuais de investimentos expressamente distribuídos entre as esferas federal, estaduais e municipais para o custeio do atendimento aos usuários do maior avanço democrático, ainda não devidamente reconhecido, que o país tem em termos de pacto federativo, articulação de parcerias, regionalizações estratégicas e consorcializações municipais. Trata-se de referência internacional em imunizações e tratamento de DST/AIDS do mundo, que é o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro.
Quando do texto original na Constituinte de 1988, o seu financiamento estava dentro de 1/3 do Orçamento da Seguridade Social, que, à época, além da saúde, envolvia a previdência e a assistência sociais. Se assim se mantivesse, a saúde pública, hoje, em valores presentes, contaria entre R$ 112 bilhões e R$ 130 bilhões/ano, bem diferente dos R$ 68 bilhões-R$ 70 bilhões previstos no orçamento para 2011.
Essa derrocada motivou a criação, em outubro de 1996, da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que seria, na totalidade da arrecadação, exclusivamente para o Fundo Nacional de Saúde (FNS). Porém, a partir de 1999, a CPMF passou a destinar parte importante dos seus recursos também à Previdência Social e a programas de erradicação da pobreza. Em 2008, a CPMF foi revogada, o que privou o financiamento da saúde pública de aproximadamente R$ 40 bilhões/ano.
O Brasil, atualmente, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), está entre os países que menos destinam recursos para a saúde em relação ao percentual do Produto Interno Bruto (PIB) nominal, o oitavo do planeta: ocupa a 169ª posição entre as 198 nações pesquisadas.
Gastou cerca de R$ 2 por habitante/ano nos dias de 2010 para custear, desde o combate ao mosquito Aedes Aegypti e as campanhas de imunizações, até o custeio dos transplantes. Operou-se milagres.
Diante de todas as dificuldades de financiamento do setor público da saúde, os incentivos aos gastos privados de pessoas físicas e jurídicas têm sido generosos por parte do governo. A renúncia fiscal, via desconto no Imposto de Renda, e o não recebimento dos gastos privados por atendimentos nos serviços públicos à parcela dos 21% da população que paga planos de saúde somam perdas para mais de R$ 20 bilhões/ano. Trasnsferências de receitas dos tributos pagos por contribuintes aos prestadores contratados pelo SUS ultrapassam R$ 1,9 bilhão/ano.
Dados da Confederação Nacional de Saúde (CNS) indicam que dos 6 mil hospitais brasileiros, 4,6 mil são privados, Hospitais beneficentes, também imunes de tributos, respondem por 55,6% das internações pelo SUS. Atualmente, 95% dos procedimentos médicos especializados de alto custo são comprados ao setor privado. Na área dostransplantes, 90% são realizados em serviços conveniados.
Entretanto, o gasto público com a saúde, somando todos os níveis de governo, não passa de 3,4% do PIB, o que representa 48% do total gasto. A parcela de investimento federal é de apenas 1,7%, menos de 7% da arrecadação trilionária de impostos. Isso faz com que o setor privado complemente os 52% restantes, ou seja, 3,68 % do PIB, mesmo que sob incentivos fiscais, renúncia a cobranças e transferências de arrecadações públicas para pagamentos por assistência médica. De cada R$ 100 que os brasileiros despendem com saúde, R$ 62 são gastos privados e apenas R$ 38 são efetivamente destinados pelo setor público.
Na Constituição brasileira consta que a assistência à saúde é universal, mas nada rege sobre ser equitativa e urge ser.
Ao todo, a parte a recuperar das perdas do financiamento para a saúde acumulam cerca de R$ 61,9 bilhões. Depois da redemocratização do país, em 1985, e da estabilização monetária de 1994, a aprovação da Emenda Constitucional 29, em 2011, sem criação de novo imposto, consolida o estado de direito social estabelecido em 1988, como prova da sensibilidade moral de um governo que merece o povo brasileiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário