Atendimento demorado, consultas negadas e falta de médicos estão transformando a vida dos conveniados num inferno. Para piorar, a ANS favorece as prestadoras de serviços
GUSTAVO HENRIQUE BRAGA e ANA D'ANGELO no Correio Braziliense
Há um mês, o empresário Guilherme Antônio Viana Ferreira, 59 anos, sentiu-se mal e foi levado às pressas a um hospital. Diagnosticado o problema de coração, precisava ser submetido imediatamente a uma cirurgia para colocar uma ponte de safena. Apesar da gravidade do caso, foi informado de que, naquele local, não poderia fazer o procedimento. Percorreu, então, outros dois hospitais em busca de socorro. Mas em nenhum deles havia vagas disponíveis. Restou-lhe apenas pagar R$ 15 mil do próprio bolso por um atendimento particular. Sem essa quantia disponível, mesmo gastando R$ 950 mensais com um plano de saúde, está internado à espera de uma autorização da Bradesco Seguros.
Como Guilherme, milhões de brasileiros que tentam fugir das longas filas do Sistema Único de Saúde (SUS), recorrendo aos planos privados, estão sendo vítimas do descaso. O atendimento médico rápido e de qualidade, previsto em contratos, tornou-se promessa. Em muitas situações, é melhor recorrer à rede pública do que exercer os diretos garantidos às custas de muito suor - há famílias que se privam de muita coisa para não atrasar o pagamento dos seguros privados. Esperar pela boa vontade das empresas pode significar a morte, sobretudo em casos de cirurgias e tratamentos de alta complexidade, a exemplo dos transplantes custeados pela rede pública.
O quadro é dramático e é possível afirmar que o sistema privado de saúde está na UTI. Atendimentos são constantemente negados. Há demora de meses para a marcação de consultas e de exames. Para driblar os médicos que se recusam a aceitar os planos, a solução está sendo recorrer às emergências dos hospitais, cada vez mais lotadas. Pior, o descalabro conta com a conivência da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão criado com um único objetivo: o de proteger os consumidores, sempre em posição desfavorável em relação às prestadoras de serviço.
"O atendimento por plano de saúde virou um inferno e os mais atingidos são os que pagam mensalidades de menor valor", diz Lígia Bahia, professora do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O que mais assusta, destaca ela, é que a piora na qualidade do atendimento coincide com o momento em que milhões de famílias estão chegando à classe C e realizando o sonho de ter um convênio médico. Levantamento feito pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) mostra que o desejo de ter um plano de saúde só perde para a casa própria, na lista de bens e serviços mais cobiçados pela classe média.
Longa espera
A rede dos prestadores dos serviços - médicos, hospitais e laboratórios - não cresce no mesmo ritmo da clientela. Não há dados precisos sobre o tamanho dessa estrutura de assistência, mas é consenso entre todos os profissionais do setor que a capacidade atual está aquém do necessário. O problema se agiganta porque uma leva cada vez maior de médicos vem se descredenciando. Eles estão insatisfeitos com os baixos valores das consultas pagos pelas operadoras, em média, de R$ 42.
O resultado desse movimento para os consumidores é desalentador: uma simples consulta de ginecologista pela Golden Cross, em Brasília, pode demorar mais de um mês, conforme levantamento feito pelo Correio. A espera para a marcação de um exame de colposcopia com biópsia pela operadora chega a três meses, mas a Golden assegura que o prazo médio para esse procedimento é de oito dias. Determinados gastroenterologistas só marcam consulta pelo convênio da Sul América para outubro. Quem quiser ser atendido antes tem que pagar do próprio bolso entre R$ 200 e R$ 250.
Acionada pelo Correio, a Bradesco Seguros liberou, na última sexta-feira, a cirurgia cardíaca do empresário Guilherme Ferreira. Tal decisão confirma que as empresas só funcionam sobre pressão. Para Cid Carvalhes, presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), a situação dos consumidores tende a piorar por causa da redução do número de médicos credenciados e da manobra feita pelas operadoras, que fixam um número máximo de atendimentos por dia. "Elas fazem essa limitação. Não está escrito em lugar algum. Mas é assim que funciona", revela.
R$ 74 bilhões no caixa
O número de beneficiários de convênios, incluindo os com cobertura odontológica, cresceu 46% em oito anos, pulando de 32 milhões para 46,6 milhões. Só aqueles com assistência médica somam 31,4 milhões. De 2009 para cá, mais de 6,1 milhões de pessoas passaram a ter um plano. No ano passado, toda essa clientela depositou no caixa das operadoras, em troca de um bom atendimento, R$ 74 bilhões - mais do que recebe a rede pública.
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