Clarissa Thomé - O Estado de S.Paulo
Luiz Roberto Londres, diretor-presidente da Clínica São Vicente
Mestre em filosofia da medicina e um dos responsáveis pela revisão do Código de Ética Médica, Luiz Roberto Londres é um crítico do modelo de atenção à saúde centrado na hospitalização e no atendimento em emergência. Não soaria estranho, não fosse ele diretor-presidente da Clínica São Vicente, uma das mais conceituadas do Rio de Janeiro, onde o neurologista Paulo Niemeyer Filho mantém seu consultório. Em entrevista, Londres diz que é preciso "desmedicalizar a vida e desospitalizar a medicina".
Na última década, o Rio perdeu hospitais importantes, outros foram vendidos. Agora há um forte investimento de operadoras na rede própria. Como o senhor vê essa movimentação?
Toda a medicina de São Paulo foi baseada nos hospitais de colônias e alguns beneficentes e de ordens religiosas. No Rio de Janeiro, o forte eram os hospitais públicos e alguns beneficentes. E por que isso? Porque saúde não pode ser encarada como comércio, senão a mercadoria vira gente. O que houve aqui no Rio é que, por algum motivo, foi aceito o desmonte dos hospitais públicos. E você tem incongruências hoje como se vê em São Paulo, que briga para que planos de saúde utilizem o Hospital das Clínicas; por outro lado, nega o financiamento para a saúde. É uma incongruência.
A quem interessa isso?
A minha opinião é de que a medicina deixou de ter o foco no paciente e passou a ter o foco no ganho financeiro. Deixou de ter o foco na atuação do médico e passou a ter na intermediação dessa atuação. É a grande distorção que existe hoje, principalmente no Rio de Janeiro.
Por que o senhor diz que é uma distorção?
Toda legislação para a saúde sempre teve por cuidado preservá-la de ser considerada comércio. A Constituição Federal mostra claramente que a saúde não é comércio e ninguém pode se aproveitar do trabalho do médico. E aí você vê donos de planos de saúde dizendo que ficaram bilionários porque o médico é mão de obra barata. O que vemos é a interferência nas ações do médico em detrimento daqueles que deveriam receber atenção total, que é o paciente. O artigo 133 do decreto-lei 73, de 1966, é bem claro: "É vedado às sociedades seguradoras acumular assistência financeira com assistência médico-hospitalar." E isso não é cumprido. Eu fugiria do seguro que tem rede própria.
Como o senhor vê a saúde voltada para o atendimento em emergências, até mesmo na medicina privada?
Numa emergência de hospital, quantas pessoas deveriam estar ali e precisam desse atendimento de emergência? São poucas. Um hospital nunca deveria ser o centro do atendimento à saúde. Ele deveria ser o último lugar. Cada pessoa deveria ter o seu médico de confiança, como as crianças têm o seu pediatra, a mulher têm o seu ginecologista, etc. Veja o parto, por exemplo: nascer não é medicina, é biologia. Você precisa ter uma estrutura para uma intercorrência - o médico pode acompanhar a parteira fazer o seu trabalho. É preciso desmedicalizar a vida e desospitalizar a medicina. Esse é o meu conceito.
Muito bonito. Mas sendo diretor-presidente da Clínica São Vicente, uma das mais conceituadas (e caras) do Rio de Janeiro, as palavras do prezadíssimo Dr. Luiz Roberto Londres soam contraditórias com sua prática, não acham?
ResponderExcluirEle - de certa forma - está defendendo o seu próprio "negócio". Hospitais de redes próprias são uma ameaça aos hospitais tradicionais.
ResponderExcluirNo entanto, as colocações dele são bastante lúcidas e pertinentes.