Ofensiva contra as patentes
Presidente defende regras mais flexíveis sobre a propriedade de remédios para o tratamento de doenças crônicas, como câncer e diabetes
no Correio Braziliense
Nova York - Depois da quebra de patentes para medicamentos usados no tratamento da Aids, o governo brasileiro começou ontem na sede das Nações Unidas a dar os primeiros passos nessa direção para as doenças crônicas não transmissíveis, tais como o câncer, a hipertensão, o diabetes e as doenças pulmonares. "O Brasil defende o acesso aos medicamentos como parte do direito humano à saúde. Sabemos que é elemento estratégico para a inclusão social, para a busca da equidade e para o fortalecimento dos sistemas públicos de Saúde", disse a presidente Dilma Rousseff, num discurso de sete minutos em que foi enfática nesse propósito. "O Brasil respeita seus compromissos em matéria de propriedade intelectual, mas estamos convencidos de que as flexibilidades previstas no acordo Trips da OMC (Organização Mundial do Comércio), na Declaração de Doha, sobre Trips e saúde pública, e na Estratégia Global sobre Saúde Pública são indispensáveis para políticas que garantam o direito à Saúde", completou.
A presidente se referia ao acordo assinado na IV Conferência Ministerial da OMC em Doha, no Catar, ainda quando José Serra era ministro da pasta, em novembro de 2001. O documento prevê que cada país tenha liberdade de prescrição dos direitos de propriedade intelectual quando for de relevância para a saúde pública. Numa rápida entrevista depois do pronunciamento de Dilma no plenário da ONU, oministro da Saúde, Alexandre Padilha, foi ainda mais incisivo: "Depois desta reunião, está claro que essas doenças são casos de saúde pública. E, em termos de saúde pública, não admitimos diferenças entre doenças transmissíveis e não transmissíveis. Essa discussão é ultrapassada", disse o ministro.
A quebra de patentes de medicamentos passou a ser possível no Brasil a partir de lei aprovada em 1996, criada para se adequar aos Trips, da OMC. Foram esses os acordos citados ontem pela presidente Dilma. Eles estabelecem regras sobre a propriedade intelectual de um produto, inclusive medicamentos, e citam flexibilizações. Assim, um medicamento poderia se ver livre da patente e ser fabricado independentemente dessa exclusividade de produção. É o caso do pleito para remédios contra diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares, entre outras doenças crônicas não transmissíveis.
As exceções previstas na Lei de Patentes, passíveis de quebra, são os casos de emergência nacional, ausência de produção local e interesse público na área de saúde. Os chamados licenciamentos compulsórios, porém, não foram para frente. A primeira quebra, para medicamentos usados no tratamento de Aids, foi determinada na segunda gestão de Fernando Henrique Cardoso. O governo do presidente Lula também derrubou patentes e defendeu a prática em fóruns internacionais desde 2003, primeiro ano da administração petista.
Gripe A
Padilha lembrou que, em 2009, os Estados Unidos recorreram a esse acordo para ampliar o acesso a medicamentos como o Tamiflu, contra influenza, que, no Brasil, ficou conhecida como gripe A. O ministro afirmou ainda que, no Brasil, 200 mil pessoas tiveram acesso a remédios retrovirais para doenças como a Aids, e, que isso só foi possível por causa da produção feita no país. "No Brasil, são mais de 50 milhões pessoas, quando se fala em diabetes, hipertensão. Não é possível que não se faça o mesmo com essas doenças", acrescentou.
O ministro da Saúde esclareceu, entretanto, que não se trata da quebra generalizada de patentes. "Não tem proposta de quebra de patentes nesse momento. O acordo Trips, de Doha, fala em flexibilidades, que são mecanismos importantes para enfrentar problemas de saúde pública", afirmou. "E, no momento em que a ONU coloca essa discussão das doenças não transmissíveis, é porque esse tema é de saúde pública. Afinal, quatro entre cinco mortes no mundo são causadas por elas", defendeu, lembrando que, no discurso, a presidente citou que 72% das causas não violentas de mortes em pessoas com menos de 70 anos decorrem dessas doenças.
O ministro comentou ainda a declaração do secretário-geral da ONU, Ban ki-Moon, que pregou tratamentos mais baratos para as doenças crônicas não transmissíveis: "O setor privado há de reconhecer algumas realidades mais duras. Existem grandes atores privados que têm atuado de maneira mais responsável", afirmou. Padilha, repetindo o que Dilma já dissera no discurso, comentou os programas brasileiros nessa direção, como o Saúde não tem preço, que distribui medicamentos para populações de baixa renda. "Esse foi um dos primeiros programas de meu governo", afirmou Dilma.
» Colaborou Vinicius Sassine
Sigla
Trips é a sigla em inglês para Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio.
Recursos em pauta
O secretário-geral da ONU, Ban ki-Moon, defendeu a necessidade de os países financiarem seus sistemas de saúde em ações multilaterais. No caso brasileiro, onde a Câmara votará amanhã a regulamentação da Emenda 29, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, comentou que está reaberta uma grande discussão sobre o financiamento do setor. "A aprovação é mais um passo para discutirmos alternativas de financiamento do SUS", afirmou o ministro. Padilha deixou transparecer que o governo planeja, no Senado, suprimir do texto a emenda que retira os recursos do Fundeb do cálculo do setor.
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