Plano de ação contra doenças relacionadas ao estilo de vida moderno é lançado hoje sem o objetivo de cortar em 25% o número de mortes até 2025
Há dez anos, a comunidade internacional se reunia para alertar sobre o risco da aids e estabelecer uma estratégia para lidar com a epidemia. Hoje, o foco mudou e a Organização das Nações Unidas (ONU) se reúne em sua primeira cúpula dedicada a uma epidemia bem diferente, mas não menos mortal: a das doenças relacionadas ao estilo de vida da sociedade moderna.
Um plano de ação será lançado hoje em Nova Iorque, por um grupo de chefes de Estado. Mas o lobby da indústria da bebida na Europa, do açúcar Brasil, do tabaco nos Estados Unidos e de alimentos em vários países conseguiu aguar o documento. Como consequência, a ideia de ser estabelecida uma meta para a redução de mortes foi abolida de última hora.
Médicos, pesquisadores e ativistas acusam o setor privado de ter destruído essa iniciativa. A alegação dessas indústrias é de que a ONU e os governos deveriam voltar suas atenções para o combate à pobreza e não a doenças consideradas como características de países ricos.
Mas os pesquisadores das Nações Unidas e da Organização Mundial da Saúde (OMS) observaram que a realidade é bem mais complexa. Em suma, o resultado dos levantamentos realizados pelas entidades prova que acabou o mundo em que os ricos eram gordos e os pobres eram magros.
Doenças relacionadas ao coração, aos pulmões, câncer, hipertensão arterial e diabete já causavam sérios danos à sociedade nos países ricos por muitos anos. Mas, alimentado pela explosão da obesidade, do consumo de cigarros, de estilos de vida sedentários e da má alimentação, o fenômeno também tomou conta das agendas dos países emergentes.
Segundo a OMS, das 57 milhões de mortes no mundo em 2008, 36 milhões foram causadas por essas doenças "não transmissíveis".
Pesquisadores apontam que, enquanto os países ricos contam com uma quantidade cada vez maior de leis contra o cigarro e de outras que regulam a alimentação e reduzem certos riscos das bebidas alcoólicas, os países em desenvolvimento ainda não lidaram com esses assuntos de forma eficiente. Além disso, esses mercados emergentes se transformaram nos principais alvos do marketing das empresas do setor, diante da crise nos países ricos e das limitações que lhes foram impostas.
Negociação. Por meses, a ONU e a OMS negociaram com governos um texto para um acordo internacional. Mas, diante da resistência da indústria, a proposta da OMS de cortar em 25% o número dessas mortes até 2025 foi abandonado.
O que vai à aprovação na ONU hoje, portanto, não passa de uma carta de boas intenções, segundo ativistas e médicos. "Todos reconhecem que o problema existe, mas ninguém está disposto a fazer nada concreto para reverter essa tendência", afirmou Ann Keeling, presidente da ONG NCD Alliance. "Misteriosamente, muita coisa sumiu do papel na última revisão do texto", acusou.
A Noruega, por exemplo, havia proposto que governos reduzissem ao máximo o consumo de sal a apenas 5 gramas por dia. A proposta foi vetada pela Europa, pelos Estados Unidos e pelo Japão. "A Europa está nas mãos da indústria da alimentação, que bloqueou a proposta", acusou Graham MacGregor, presidente da entidade Ação Mundial sobre Sal e Saúde.
No setor do cigarro, a declaração também não conta com nenhum tipo de metas. O governo americano foi o principal autor do veto contra qualquer ação mais drástica.
O Brasil também vinha lutando há anos na OMS para evitar que o açúcar fosse declarado como um produto perigoso à saúde, assim como países europeus fizeram de tudo para evitar um acordo sobre bebidas.
Para o Banco Mundial, porém, prevenir essas doenças poderia ser um fator fundamental para o desenvolvimento de países mais pobres. Segundo a entidade, países do Leste Europeu correm o risco de perder sua "próxima geração" para as doenças crônicas, muitas causadas por conta do álcool e do cigarro.
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