Páginas

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Delícias da Terceirização: Saúde da Família no DF perde 286 servidores

FLÁVIA MAIA ARIADNE SAKKIS no Correio Braziliense


Com grave deficiência de profissionais, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal perdeu 286 servidores, entre médicos, enfermeiros, técnicos e dentistas, que trabalhavam no Programa Saúde da Família. O grupo foi admitido por contrato temporário de dois anos, em 2006, mas desde 2008, quando o acordo terminou, eles trabalham sem qualquer vínculo formal com o governo. No último dia 18, a secretaria publicou no Diário Oficial do DF uma convocatória para que os servidores comparecessem à diretoria de recursos humanos. Chegando lá, a surpresa: todos foram "convidados" a se demitir. O GDF justifica que apenas cumpre uma determinação judicial.

O imbróglio começou em 2003, quando a secretaria contratou a Fundação Zerbini para selecionar servidores. Os aprovados foram contratados para atuar em diversos postos de saúde e hospitais do DF e iniciaram as atividades em 2004. Em setembro de 2006, a empresa parou de prestar os serviços e deu baixa na carteira de trabalho dos funcionários. A Secretaria de Saúde assumiu os profissionais e foi firmado um contrato por tempo determinado que valeria por dois anos. A partir de 2008, eles continuaram atuando e recebendo sem vínculo empregatício que os amparasse.

No mesmo ano, o Ministério Público ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade questionando os preceitos da emenda à Lei Orgânica que garantia a contratação desses profissionais (veja O que diz a lei). Em maio deste ano, os desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) acataram o argumento do MP. Sem o respaldo legal, a secretaria decidiu convocar os servidores para assinarem o termo de desligamento. A medida é contestada pelos funcionários porque eles perderiam direitos, como o seguro-desemprego e aviso-prévio.

Briga na Justiça

Os servidores receberam a notícia do desligamento na quarta-feira e ontem nenhum foi trabalhar. Alguns chegaram a assinar a demissão, mas o restante foi orientado a deixar os papéis em branco até a Justiça decidir a situação. A técnica de higiene dental Maria Verônica da Silva, 43, trabalha há sete anos no Centro de Saúde 01 do Itapoã. "O contrato dizia que tínhamos os mesmos direitos dos estatutários e isso nunca aconteceu. Nunca ganhamos gratificação e desde 2008 não temos a carteira assinada."

O sentimento é o mesmo para a técnica de enfermagem Maria José de Sousa Silva, 50 anos. "Eles nos descartaram. Ninguém quer se demitir. O Estado errou e agora vamos procurar nossos direitos por meio da Justiça", reclama. Segundo ela, ontem, as equipes e os pacientes já sofriam com as ausências dos profissionais. Na equipe 8 de Saúde da Família do Itapoã, não há mais auxiliares de enfermagem. Outro grupo da mesma cidade está sem médico. O laboratório de odontologia da secretaria também está parado e os pacientes não receberam próteses e dentaduras.

Para a presidente do Sindicato dos Servidores da Saúde do DF, Marli Rodrigues, o governo agiu de forma arbitrária. "Houve um erro, o governo o detectou, mas agora não quer se responsabilizar e indenizar os servidores." Hoje, os funcionários se reúnem em assembleia para discutir medidas a serem tomadas. Marli Rodrigues, no entanto, adianta que o sindicato entrará na Justiça.

Por meio de nota, a Secretaria de Saúde explicou que está cumprido uma decisão judicial, mas não justificou por que os servidores devem se desligar em vez de serem demitidos pelo órgão. A secretaria disse ainda que eles serão substituídos gradativamente por concursados e não deu prazos nem datas para a chegada dos funcionários à rede de saúde pública.



O que diz a lei

O parágrafo 2 do artigo 2º da Emenda nº 53 à Lei Orgânica do Distrito Federal possibilita a dispensa de concurso público para a contratação de médicos, cirurgiões-dentista, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos, terapeutas-ocupacionais, fisioterapeutas, assistentes sociais, técnicos em enfermagem, em higiene e prótese dental, auxiliares de enfermagem, de consultório dentário, de prótese dentária e de laboratório. 

A condição para tal é que os profissionais em questão tenham sido contratados a partir do processo de seleção pública feito por órgão ou ente da administração direta e indireta ou por outras instituições, desde que haja supervisão e autorização da administração direta e sejam resguardados os direitos dos aprovados em concursos públicos. 

A emenda foi considerada inconstitucional pela Justiça por ter sido fruto de iniciativa parlamentar. Isso porque apenas o chefe do Poder Executivo tem a prerrogativa de propor leis sobre o provimento de cargos públicos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário