por Leonardo Cavalcanti no Correio Braziliense
Os retalhos de panos contaminados mostram mais sobre o país do que as próprias fotos dos contêineres lotados de lixo hospitalar vindos dos Estados Unidos. É como se estivéssemos menores, inferiorizados
Há imagens que nos tornam menores, quase inferiorizados. Os vídeos e as fotos do lixo hospitalar importado dos Estados Unidos por lojas de confecção são humilhantes. É a velha esperteza dos boçais desenvolvidos de lá aliada aos picaretas subdesenvolvidos de cá.
No primeiro contêiner, 23t de lençóis, fronhas, toalhas, batas, pijamas e roupas com identificação em inglês de hospitais norte-americanos. Os panos chegaram sujos para nos vestir, aquecer. É a sujeira em direção ao Brasil, em busca da nossa mentalidade de colonizados.
No caso do lixo hospitalar norte-americano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) realizou inspeção física depois da abertura do contêiner no porto de Suape (PE) e constatou que se tratava de resíduos do Grupo A, os potencialmente infectantes. É o eufemismo da sujeira.
Com os panos sujos, somos os mesmos de sempre, o país onde tudo é possível, por mais que os europeus queiram fazer negócios com a gente por acharem que temos segurança jurídica e regras claras no comércio exterior. É mais uma das nossas contradições - a lista aumenta, pois.
Se já tínhamos a Fifa a nos impor regras para a Copa do Mundo, o episódio dos panos em forma de lixo hospitalar nos leva à incapacidade de fiscalizar as nossas próprias roupas. Agora, olhamos para as nossas vestimentas e nos perguntamos de onde vieram, do que foram feitas.
O problema é que o lixo norte-americano é apenas a ponta de um caso ainda mais grave. Um esquema de ilegalidade se abriu. Na última semana, peças com retalhos contaminados foram encontradas em pelo menos seis estados do país. São os nossos querendo nos fazer de otários.
Roupas com nomes de hospitais de um estado foram achadas em confecções no sul da Bahia. É como se não tivesse regra para tal coisa. O pior é que temos uma legislação eficiente para tratar o lixo hospitalar, com separação, acondicionamento, descontaminação, transporte e descarte.
O Ministério Público do Trabalho, em investigação paralela, descobriu trabalho infantil na empresa Na Intimidade, com sede na cidade pernambucana de Santa Cruz do Capibaribe, a 180km do Recife. A firma importou pelo menos 46t de lixo hospitalar dos Estados Unidos.
Os dois meninos que trabalhavam ali não poderiam atuar em atividades perigosas ou insalubres. O caso dos lençóis se transformou, assim, num poço sem fundo, onde a cada dia que se investiga, mais aparecem absurdos, todos a reforçar a nossa fragilidade. Ainda há o que avançar.
Resta a piada, algo que temos de melhor. Em Santa Cruz do Capibaribe, os comerciantes passaram a vender calças pelo avesso. Os clientes, por sua vez, reclamavam: "Não quero bolso americano, não". E os vendedores respondiam: "O freguês quer lençóis usados de hotel, motel ou hospital?".
Nenhum comentário:
Postar um comentário