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sábado, 12 de novembro de 2011

#ForaDerosso: O festival de matérias pagas na CMC


Os recursos gastos pela Câmara Municipal de Curitiba com a publicação de matérias pagas, entre os anos de 2006 e 2010, totalizaram R$ 19,8 milhões e foram distribuídos entre 302 jornais, rádios, sites e emissoras de TV. A lista dos veículos e o valor total dos gastos no período constam da instrução preliminar concluída semana passada pela Diretoria de Contas Municipais (DCM) do Tribunal de Contas (TC) do Paraná. O documento foi obtido pela assessoria do deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR).
Alguns dos veículos de comunicação citados são ligados a vereadores ou a seus parentes, entre eles uma irmã de João Cláudio Derosso (PSDB),presidente do Legislativo municipal. Houve até mesmo casos de pagamentos por aparições de vereadores em colunas sociais. Entre as empresas listadas estão inclusive veículos sediados fora da capital paranaense, em cidades como Colombo, Mandirituba e Almirante Tamandaré. “Este documento do Tribunal de Contas é mais um importante subsídio para o Conselho de Ética da Câmara. É também um balde de água fria naqueles que tentam absolver Derosso, que merece ser cassado e processado pela Justiça”, avalia Dr. Rosinha. “A CPI corre o risco de ser atropelada pela inspeção do Tribunal de Contas.”
No total, a planilha do TC aponta que a Câmara gastou R$ 34 milhões ao longo de cinco anos de contrato. Desse total, R$ 28 milhões foram repassados à empresa Visão Publicidade Ltda. e outros R$ 6 milhões à Oficina da Notícia Ltda., de propriedade de Cláudia Queiroz Guedes, esposa do vereador tucano e ex-servidora do Legislativo. As duas empresas foram as únicas que participaram do processo licitatório. “Analisados os documentos e informações encaminhados pela Câmara, a conclusão é a de que se deve aprofundar a fiscalização exercida pela Corte”, diz trecho da instrução da Diretoria de Contas Municipais do TC. O Legislativo remeteu ao tribunal apenas amostras dos documentos solicitados, alegando ser grande o volume da documentação existente.
Valor recebido pela agência é desconhecido
A publicação de matérias pagas, no valor de R$ 19,8 milhões, representou 58,2% dos gastos. Outros 41,3% foram gastos com a suposta impressão do jornal “Câmara em Ação”, que custou R$ 14 milhões. O documento da DCM conclui pela necessidade de instauração de um processo de tomada de contas extraordinária para, entre outras coisas, registrar as irregularidades, apurar os danos ao erário e os respectivos responsáveis. Os eventuais culpados estarão sujeitos à devolução de recursos ao erário, multa sobre o dano e desaprovação de contas, o que implicaria em inelegibilidade.
A DCM aponta ainda a necessidade de uma equipe de ao menos cinco pessoas, formada por analistas de controle das áreas contábil e jurídica, para se dedicar com exclusividade à inspeção, ao longo de três meses. Essa equipe deverá fazer trabalhos de campo, como ouvir os envolvidos e visitar a Câmara Municipal, agências e empresas contratadas.
Conforme o documento elaborado pelos técnicos do TC, a agência Visão Publicidade presta serviços à Câmara de Curitiba ao menos desde 1998 – um ano antes, em 1997, Derosso assumia o primeiro de seus até hoje oito mandatos à frente da presidência da Casa. Como na época ainda não existia o Sistema de Informações Municipais do tribunal, nem o próprio TC sabe informar ao certo qual o valor recebido pela empresa naquele primeiro contrato assinado por Derosso.
“Caráter da publicidade caracteriza promoção pessoal”
Já entre 2002 e 2006, através de um segundo contrato, após vencer uma nova licitação, a mesma Visão Publicidade recebeu repasses que totalizam R$ 20 milhões, de acordo com a instrução da DCM. Entre os meses de março e junho de 2006, a empresa ainda seria contratada sem licitação, e receberia mais R$ 656,6 mil. De 2002 a 2010, portanto, a Câmara de Curitiba gastou ao menos R$ 54,7 milhões em contratos de propaganda, em valores não atualizados.
Somando-se os R$ 7,9 milhões gastos nos anos de 1999 e 2000– valores obtidos por Dr. Rosinha em consulta ao arquivo do mandato do ex-vereador petista Adenival Gomes –, chega-se a um valor parcial de R$ 62,6 milhões, também sem atualização. O valor total é certamente maior porque nessa conta ainda não estão os dados de 1998, 2001 e parte de 2002.
De acordo com a instrução do TC, as amostras de notícias encaminhadas pela Câmara apontam que o parágrafo primeiro do artigo 37 da Constituição Federal foi “claramente ofendido”. O dispositivo estabelece que a publicidade dos órgãos públicos deve “ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.
Os técnicos do tribunal apontam que o conteúdo das amostras está voltado a promover o trabalho de determinados vereadores. “Aliás, é emblemático que a amostra trazida aos autos pela Câmara contenha, inclusive, notícias pagas sobre a Câmara e seus vereadores em colunas sociais”, diz trecho da instrução. “Nota-se que o caráter da publicidade da Câmara quase nada teve de “educativo, informativo ou de orientação social” e que na publicidade constaram claramente “nomes e imagens que caracterizam promoção pessoal de autoridades”.
“Vícios na publicidade da licitação”
Além da lesão ao patrimônio público, o documento aponta ofensa à ordem democrática e à isonomia nas eleições. E recomenda a instauração de procedimento voltado a avaliar a publicidade de outros órgãos públicos do Estado. Após sugerir a inconstitucionalidade dos gastos da Câmara de Curitiba, o documento do TC discute a própria necessidade de a Câmara contratar agência de propaganda para sua publicidade. “É muito provável que a publicidade da Câmara não tenha tido amparo na Constituição, constituindo-se em despesa indevida. [...]A quase totalidade dos serviços prestados pelas agências resumia-se a distribuir aos veículos de comunicação o material recebido da assessoria de imprensa da Câmara. Pergunta-se, assim, se haveria necessidade de inserir mais um agente na cadeia negocial apenas para intermediar a distribuição das notícias e ainda remunerá-lo por isso.”
A instrução da DCM lista “sérios indícios de irregularidades”, praticadas antes, durante e depois da licitação, ao longo da execução dos contratos. “A fase de abertura da licitação apresentou vários vícios, que levantam suspeitas sobre eventual direcionamento da licitação”, atesta o documento.
Entre as irregularidades aventadas estão o fato de os autos da licitação não terem sido paginados. Vários atos preparatórios da licitação também foram produzidos num único dia. Exemplo: a indicação da dotação orçamentária pelo setor de contabilidade, a elaboração da minuta do contrato pela comissão de licitação, o lançamento do parecer pelo departamento jurídico e a autorização para a licitação por Derosso foram todos registrados no mesmo dia 30 de janeiro de 2006.
A publicação do edital, além de descumprir uma série de exigências da Lei de Licitações, não indicou o valor dos contratos e estabeleceu como prazo do certame o período de 12 meses, sem indicação da possibilidade de prorrogação. “Tantos vícios na publicidade da licitação certamente levaram à baixa participação na concorrência, em que apenas 2 empresas apresentaram propostas para um contrato milionário que vigorou por 5 anos – e foram ambas contratadas, já que o edital assim o permitia”, aponta o TC.
Casos de dupla remuneração
Servidora da Câmara no momento da licitação e dona da Oficina da Notícia, Cláudia Queiroz Guedes só foi exonerada do cargo no dia 8 de maio de 2006, no mesmo dia em que assinou o contrato para prestar serviços de publicidade à Câmara, o que contraria o artigo 9º da lei federal 8.666, em vigor desde 1993. A Oficina da Notícia ainda foi habilitada na licitação, mesmo sem ter cumprido itens previstos pelo edital de licitação.
Em resposta a questionamentos do TC, a Câmara apenas mencionou a existência de um “gestor informal” dos contratos, a quem competiria definir quais serviços deveriam ser prestados por cada uma das agências e aprovar os meios de comunicação que receberiam a publicidade da Câmara. “Deixando de lado o problema envolvendo a designação de um gestor informal para os contratos –o que, no fundo, significa que não foram nomeados os gestores titular e substituto exigidos pelos contratos–, nota-se que a Câmara não mencionou quem, afinal, era o gestor informal do contrato.”
O documento do TC também questiona os pagamentos às agências de percentuais de até 20% dos anúncios, que somente seriam justificados se houvesse um processo de criação de peças publicitárias. No caso em questão, porém, houve apenas uma intermediação de serviços prestados por terceiros, o que implicaria em honorários de apenas 10%. “Considerando o montante dos pagamentos efetuados à empresa em percentual superior a 10%, o excesso da remuneração das agências em relação ao que estabelecia o contrato pode chegar a R$ 869 mil”, aponta a instrução do TC.
O documento também sugere que a equipe de inspeção verifique se houve casos de dupla remuneração, com os honorários de 10% e o desconto de agência de 20% ao mesmo tempo. A Câmara declarou ao TC que as agências Visão Publicidade e Oficina da Notícia foram efetivamente remuneradas com R$ 3,1 milhões e R$ 778 mil, respectivamente.
Impostos sonegados
A respeito do jornal Câmara em Ação, que supostamente teve mais de oito milhões de exemplares mas jamais foi visto inclusive pelos próprios vereadores, o TC afirma que a inspeção deverá verificar a efetiva impressão e distribuição dos exemplares. “O elevado número de exemplares do informativo impresso deveria acarretar na difusão da publicação à boa parte da população, mas, aparentemente, não foi isso o que ocorreu, pois o jornal é pouquíssimo conhecido”, diz o relatório do tribunal.
Os gráficos do custo, que variavam muito mês a mês, levaram os técnicos do TC a cogitar que o informativo, além de não ser objeto de prévio estudo e planejamento, destinava-se mais a justificar o desembolso de recursos pela Câmara do que a efetivamente comunicar ações da entidade à população. “Aliás, um trecho do último ofício encaminhado a esta Corte pela Câmara parece corroborar esta conclusão, pois nele a entidade afirma que as impressões do informativo ‘eram variáveis em função dos recursos financeiros mensais’”, anotam os técnicos. Há ainda elementos, conforme o parecer, que apontam que o papel da agência era apenas o de receber o exemplar do informativo dos jornalistas da Câmara e encaminhá-lo à impressão nas gráficas contratadas.
A Câmara de Curitiba deixou ainda de reter os tributos devidos pelas agências ao próprio município.
Apesar de os contratos serem claro a respeito da necessidade de a Câmara reter os valores correspondentes ao Imposto de Renda (IR) e ao Imposto sobre Serviços (ISS) devidos pelas agências, o dinheiro foi depositado às agências. Segundo o TC, a Câmara deixou de reter R$ 256 mil em tributos depositados às agências –R$ 197 mil em ISS e R$ 59 mil em IR. [Fonte: Site do deputado Dr. Rosinha (PT-PR)]
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[Fernando César Oliveira é jornalista, Curitiba, PR]

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