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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

“A pobreza afeta com mais força o adolescente”

na Gazeta do Povo


ENTREVISTA: Mário Volpi, coordenador do Programa de Cidadania dos Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil.
Dentre os 10 indicadores avaliados pelo relatório do Unicef, o único que apresentou um retrocesso nos últimos anos foi o de adolescentes vivendo em situação de extrema pobreza. Como isso afeta, em particular, quem tem entre 12 e 17 anos?
A pobreza extrema limita o acesso aos demais direitos e afeta os adolescentes com mais força. Isso porque a adolescência é uma fase em que as demandas por saúde, educação, cultura e esporte são muito grandes. É a fase, por excelência, da integração do indivíduo à sociedade. E isso custa caro. Sem recursos, as famílias desses jovens vão depender sempre das políticas públicas, que muitas vezes não estão presentes no local em que elas vivem.

Esse cenário contribui para o número ainda alto de adolescentes que optam por trabalhar ao invés de estudar?
Nesses casos, o trabalho se apresenta como solução, mas é uma falsa solução. Quanto menos capacitado o adolescente entrou no mercado de trabalho, menos a renda dele vai progredir. Hoje não existe mais aquela história do garoto que entrou como office boy na empresa e depois virou presidente dela. Outra questão é que essa vulnerabilidade gera uma pressão no adolescente em relação ao consumo e o coloca em contato com redes organizadas de diferentes tipos de negócios, seja o mercado informal ou o universo do delito, do tráfico.

O relatório mostra ainda que há no país mais de 1,1 milhão de jovens que nem estudam nem trabalham. Qual o perfil desse indivíduo?
São adolescentes que estão fora da escola e não têm um vínculo com o trabalho, seja formal ou informal. É uma situação preocupante porque, obviamente, você não vai encontrar nesse grupo pessoas de alta renda. É um universo que combina muito com extrema pobreza, falta de ocupação e falta de acesso à escola.

É possível aliar escola e trabalho, mesmo dentro dos requisitos legais?
O adolescente que trabalha é o primeiro candidato à evasão escolar. Há trabalhos que, a partir dos 16 anos, são aceitáveis, mas sempre com a necessidade de um contrato que permita ao adolescente continuar com a sua escolarização. O ideal mesmo é que ele aproveite essa fase da vida pra desenvolver habilidades e relações e, depois, possa fazer suas escolhas profissionais.

Na opinião do Unicef, entre as vulnerabilidades que atingem hoje o adolescente brasileiro, qual é a mais preocupante?
Não há nenhuma justificativa para o Brasil continuar vivendo com uma taxa anual de 19 adolescentes assassinados a cada 100 mil habitantes. É uma tragédia rotineira. É o primeiro ponto que estamos nos propondo a trabalhar junto com o governo, num grande programa de enfrentamento, que articule diferentes ministérios, sociedade civil e municípios. Não é possível aceitar como normal que uma pessoa morra no período da adolescência.

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