“A partir do momento que aceitei ser governo, minha opinião pessoal não interessa. A matéria sobre a legalização do aborto diz respeito ao Legislativo”, afirmou Eleonora nesta terça-feira (7), em entrevista coletiva na qual foi oficialmente apresentada.
Consciente da polêmica em torno do assunto no país, como se viu na eleição presidencial de 2010, a nova ministra reitera seu posicionamento pessoal com a clareza de quem confia no poder de convencimento de uma informação qualificada.
“O aborto não é uma questão ideológica, mas de saúde pública, como o crack, as drogas, a dengue, a aids. É a quarta causa de mortalidade materna e a quinta de internações no SUS [Sistema Único de Saúde]", disse Eleonora, para quem qualquer pessoa de bom senso reconhece que mulheres morrem em decorrência de abortos clandestinos.
Desde 2008 integrante de um grupo de estudos sobre aborto na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), explicou: “Se o projeto sair da gaveta, o governo acompanhará, mas a responsabilidade pela sua aprovação é da sociedade civil, dependerá da pressão que ela fará”.
A organização da sociedade civil para influir nas decisões governamentais é, aliás, vista com muito bons olhos pela futura ministra, que promete manter um diálogo franco com os movimentos sociais.
Como exemplo, citou a recente alteração no texto da medida provisória que criava um cadastro obrigatório para gestantes e “nascituros”, para fins de atendimento no SUS.
O movimento feminista entendeu que a introdução do termo “nascituro” na política pública abriria a possibilidade de o governo controlar a prática de aborto no país.
Em conversa com Dilma na passagem da presidenta pelo Fórum Social Temático em Porto Alegre (RS), ficou acertado que a MP mudaria, o que já ocorreu. “A sociedade civil, neste caso, teve um papel fundamental. Chamou a atenção para o problema e o governo a ouviu. Foi um bom exemplo do diálogo respeitoso”, afirmou a ministra.
Segundo Eleonora, mineira de 67 anos, a “prioridade zero” da sua gestão será o combate à violência de gênero que, para ela, precisa ser ampliado nos estados e municípios e assumido como bandeira pelo Judiciário.
“O papel do governo federal é o de assessoramento, controle e monitoramento. E isso ele vem cumprindo bem”, disse a socióloga, reiterando que sua gestão será de continuidade a aprimoramento do trabalho que já vem sendo desenvolvido na pasta.
Eleonora, porém, não poupou o poder público de críticas contundentes por permitir que, ainda hoje no Brasil, mulheres sejam vítimas de violência de gênero.
Questionada se a Lei Maria da Penha precisa ser revista, foi enfática. “Precisa é ser implantada. É inadmissível que a fala de uma mulher não seja respeitada”, disse, se referindo à burocracia exigida pelas delegacias e pelo Judiciário para aprovar medidas de proteção, em casos de ameaça.
Eleonora é amiga de longa data da presidenta Dilma Rousseff. As duas foram vizinhas em Belo Horizonte (MG), cursaram a mesma universidade e dividiram uma cela durante a ditadura militar, quando ambas foram presas e torturadas por defender a democracia.
“Quem passou pelo que passamos na ditadura cresce, amadurece e não esquece nunca. São marcas que nos tornam mais fortes. E o tornar mais forte também nos torna mais sensíveis ao debate, sensíveis à espera sem se sentar numa cadeira esperando a banda passar. É uma espera com ação. Uma coisa que se aprende no íntimo de cada um de nós na tortura e na cadeia é a solidariedade”, disse Eleonora.
A futura ministra, porém, foi categórica ao afirmar que a sua militância e o seu trabalho acadêmico é que a credenciam para assumir a pasta. “Ter vivido a ditadura e abraçado a causa da luta pelas mulheres me dá muito orgulho. E é por isso que estou aqui. Não aceitaria o cargo e nem a presidenta Dilma me convidaria só por sermos amigas”.
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