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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

E a ministra não sabia o que dizer...


BRASIL É QUESTIONADO NA ONU POR NÃO IMPEDIR QUE 200 MIL MULHERES MORRAM POR ANO

O Brasil deu um vexame na ONU. Jamil Chade, correspondente de O Estado de S. Paulo em Genebra, relata que a delegação de nosso país à 51ª Sessão do Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação Contra Mulheres foi colocada contra a parede. A representante brasileira não tinha como explicar por que o Brasil nada faz para impedir a morte de 200 mil mulheres por ano por causa de abortos clandestinos.
A explicação sincera que a ministra Eleonora Menicucci poderia ter dado a teria levado à demissão antes mesmo de voltar a Brasília: o Brasil nada faz porque prevalece no país um pensamento conservador e atrasado que não permite sequer a discussão do assunto. Nosso governo e nossos congressistas são reféns desse pensamento. Têm medo de se indispor com igrejas cristãs e perder votos nos parlamentos e nas urnas. Há tanto temor que a própria ministra, que sempre defendeu a despenalização do aborto, é obrigada a se calar porque essa não é a posição do governo.
Segundo o relato, a perita suíça Patrícia Schulz, diante da dramática situação brasileira, perguntou: "O que é que vocês vão fazer com esse problema político enorme que têm?" A outra resposta sincera, mas também inviável, seria: nada, as mulheres vão continuar morrendo porque algumas igrejas preferem assim e o governo aceita isso com medo de perder votos.
Mas a ministra que gostaria, mas não pode defender a saúde das mulheres brasileiras, quis sair pela tangente, dizendo que o problema é do Congresso, e não do governo. Como se o governo não pudesse tomar a iniciativa de provocar o debate sobre o tema no Congresso e na sociedade, não tivesse a prerrogativa de apresentar um projeto aos parlamentares ou não tivesse larga e folgada maioria na Câmara e no Senado. O problema não é só do governo ou do Congresso, é de Estado – logo, não tem sentido fugir da raia.
Como não poderia responder com franqueza aos inúmeros questionamentos que lhe foram feitos, a delegação brasileira limitou-se a dizer que o Ministério da Saúde mantém serviços credenciados para fazer abortos considerados legais. Não disse que os ilegais são feitos, pelas que têm dinheiro, em clínicas clandestinas que muitos sabem onde funcionam, mas fingem que não sabem. Pelas que têm muito dinheiro, no exterior. E, por quem não tem dinheiro, por pessoas geralmente sem qualificação, em lugares improvisados e sem as mínimas condições de higiene. São essas que mais morrem, claro.
Não se trata, como ficou claro na sessão do comitê da ONU, de defender o aborto. Na verdade, poucas pessoas são a favor do aborto, mesmo entre as que defendem sua despenalização. Mas é preciso reconhecer os fatos, como disse outra perita, Magaly Arocha: "As mulheres vão abortar. Essa é a realidade". Cabe ao Estado, portanto, assegurar que, se mulheres chegam a esse extremo por decisão própria, possam fazer o aborto com as melhores condições de assistência e proteção. O que, hoje, o Estado brasileiro não pode dar porque o aborto, salvo situações especialíssimas, é ilegal.
Nos Estados Unidos, apenas um estado – Dakota do Sul – penaliza o aborto. Na Europa, somente um país (Malta) não permite o aborto. Na Rússia, na China, na Nova Zelândia, na Austrália, na África do Sul, em Cuba, na Turquia, permite-se o aborto, dentro de circunstâncias estabelecidas na legislação de cada país. As leis definem em que condições as mulheres podem abortar (e essas condições são amplas) e até em que semana de gestação. Não consta que os governos desses e de outros países que permitem o aborto tenham grandes problemas com as igrejas por causa disso.
Aos religiosos que consideram que abortar é assassinato, deve-se assegurar o direito de defender essa posição e tentar convencer os fieis de suas igrejas a não recorrerem à interrupção da gravidez (se bem que isso eles não conseguem). Mas esses religiosos não podem impedir que o assunto seja debatido pela sociedade, submetido a votação no Congresso ou mesmo a um referendo, como foi em Portugal, um país hegemonicamente católico, mas que deixou para trás o atraso e o obscurantismo e entendeu que se trata de um problema de saúde pública.
Se hoje morrem 200 ou 200 mil mulheres por ano, conforme diz o comitê da ONU, o governo brasileiro não pode, por conveniência política, fingir que o problema não existe e lavar as mãos. É uma questão de responsabilidade política e Dilma tem de se mirar nos chefes de Estado e de governo de outros países que, mesmo diante de pressões religiosas, aceitaram o risco de defender e decretar a despenalização do aborto. As igrejas lutaram contra o divórcio, mas o Congresso o aprovou. São contra as uniões homoafetivas, mas hoje elas são realidade. Não querem que as pessoas usem camisinhas, mas até seus seguidores usam.
Dilma e o PT, por suas histórias, têm a obrigação de possibilitar o debate e não ter medo da hipocrisia demista e tucana, que em 2010, em desespero, quis se aproveitar do tema para ganhar as eleições presidenciais. Não é ser a favor do aborto, mas do direito que as mulheres têm de decidir o que querem e interromper a gravidez em condições adequadas. E impedir que tantas continuem morrendo em nome do conservadorismo, do atraso, de dogmas e das conveniências políticas.

Um comentário:

  1. Aborto é "evolução"?

    Os sedizentes progressistas brasileiros estão eufóricos. Ocorre que, recentemente, do outro lado da fronteira, o Senado uruguaio aprovou uma lei que legaliza o aborto. Com a confirmação pela Câmara e a sanção do presidente José Mujica, a gravidez poderá ser interrompida voluntariamente até sua 12ª semana. Atualmente, a legislação permite o procedimento em casos de estupro, riscos à saúde da mãe ou má-formação do feto. E a decisão de lá já causa anseios por aqui, como evidenciam as declarações da nova ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres, Eleonora Menicucci.

    Mas, afinal, o que move esses militantes em defesa de uma causa cuja única finalidade é a morte? Como um ato tão desumano e covarde pode levar pessoas sorrindo às ruas, erguendo bandeiras e entoando palavras de ordem? Não pesa a consciência quando elas aconchegam um bebê recém-nascido no colo e, ao mesmo tempo, acham razoável que lhe tivessem parado o coração? Por que uma criança de rua merece a misericórdia e outra, ainda mais indefesa, a insensibilidade? Que tipo de liberdade de escolha é essa que priva o outro de existir?

    No pleito abortista, uma vida humana adquire a feição de um furúnculo: algo incômodo, indesejado e do qual é preciso livrar-se o mais rápido possível. E dizem defender direitos da mulher sobre seu próprio corpo. Porém, aos três meses de gestação – prazo máximo para a interrupção da gravidez no projeto uruguaio –, a parte mais importante do desenvolvimento já ocorreu. A criança tem fisionomia, coração batendo e bombeando sangue, órgãos vitais formados, cabeça e corpo, mãos e dedos do pé. Mesmo se não tivesse, haveria de incidir o princípio da prudência. Mas a propaganda cultural é tão forte que a evidência da vida é diminuída à condição de caso de saúde pública. E eis que o contorcionismo argumentativo coloca-se lado a lado com a crueldade.

    Há vários vídeos mostrando o procedimento de um aborto. Quem tiver coragem, veja. O feto debate-se contra um instrumento afiado, luta pela sua própria sobrevivência. Até que não pode mais resistir. Para além das direções de arte, roteiros e efeitos especiais, é a crueza de uma violência. Não se pode negar a realidade posta: a morte de um ser humano.

    A legalização do aborto significa aplicar a pena capital a um filho sem que nenhum mal ele tenha causado. É a solução mais cínica para o sexo irresponsável. É a negação total da razão e da emoção. Mais: relativiza um direito em cuja supremacia se baseia a civilização e eleva o egoísmo a um patamar sagrado na sociedade. Chamar de avanço a legitimação de um ato que põe fim à vida não passa de uma piada macabra.



    Rafael Codonho

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