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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O que é parto humanizado


Estariam os obstetras com a atual formação predominantemente técnica, mais dispostos a despender oito ou mais horas num trabalho de parto do que os 45 minutos de uma cesariana?
Por Franklin Cunha
O que é o assim chamado parto humanizado? Seria a prática de uma atenção ao parto, preocupada integralmente com o ser humano, menos intervencionista, mais respeitadora do psiquismo da gestante e seus familiares os quais participariam e presenciariam o trabalho de parto e o parto em si? Se estas condições são integralmente oferecidas à parturiente, elas podem e devem acontecer tanto no parto domiciliar como no hospitalar. Há duas gerações, os partos acompanhados em casa por parteiras eram o costume vigente. As intervenções cirúrgicas como a episeotomia, o uso do fórceps e a cesariana eram absolutamente incomuns. Medida que se aumentou a realização de partos hospitalares executados por médicos obstetras e introduzidas a monitorização eletrônica das contrações uterinas e dos batimentos cardíacos do feto, a análise de seu sangue para se conhecer pH, pO2, pCO2, a episeotomia, a tricotomia e a lavagem intestinal de rotina, alguns procedimentos ancestrais foram modificados e/ou abolidos. E resultaram algumas consequências benéficas e outras nem tanto. Primariamente as tradicionais parteiras foram afastadas do procedimento de parto e do puerpério, resultando uma certa impessoalização (desumanização?) do procedimento. Na profícua experiência do Prof. Galba Araujo no Ceará, décadas de 70 e 80, verificou-se que as parteiras das pequenas e pobres localidade do interior eram conhecidas, amigas e mesmo conselheiras das famílias em suas dificuldades tanto econômicas como de relacionamento interpessoal. Assim, o fator de confiabilidade e empaticamente afetivo, era transmitido às famílias e suas gestantes. Nas casas de parto que o Prof. Galba fazia construir pela própria comunidade, existiam apenas dois medicamentos – soro glicosado e um constritor das fibras uterinas – e as taxas de cesarianas não passavam de 1,5% do total de partos ( em pacientes gravemente enfermas que eram encaminhadas aos hospitais de Fortaleza) e a prática da amamentação era de 100%. Raros eram os casos de prematuridade, motivados principalmente pela ruptura prematura das membranas amnióticas. As parteiras seguiam as puérperas e seus filhos com visitas domiciliares periódicas, aconselhavam e mesmo medicavam com soro caseiro nos casos de diarréia e desidratação.
A pergunta a ser feita é a seguinte: nas casas de partos atendidas por parteiras, quais seriam as taxas de sofrimento fetal com lesões cerebrais? Não temos tais dados, mas na verdade, sendo o parto vaginal um ato fisiológico multimilenar da espécie, raras são as intervenções que podem melhorar, apressar ou antecipar o trabalho de parto e a expulsão do feto em benefício deste.
Na atualidade, quase 100% dos partos são realizados em ambientes altamente tecnologizados dos hospitais e assistidos por médicos obstetras. E como conseqüência desta práxis quais os resultados obtidos nas melhores maternidade do país, as frequentadas pelas classes A e B, exatamente as bafejadas pelo mais amenos ventos sociais e econômicos? Em algumas delas as taxas de cesarianas chegam a 90%. Aliás, há várias observações correntes de que as taxas de cesarianas se elevam paralelamente com a elevação do padrão econômico das gestantes, exatamente as que têm melhores condições de saúde. Nestas pacientes, serão avaliadas criticamente as precisas e rígidas indicações obstétricas para se preferir a finalização cirúrgica das gestações? Será que a chamada “cesariana a pedido” se enquadraria nos cânones da arte obstétrica? Em tais sofisticadas e refinadas maternidades, as taxas de morbi-mortalidade materna e fetal, estarão dentro dos padrões técnicos e epidemiológicos aceitos nos padrões-ouro internacionais?
Mesmo no atendimento de saúde suplementar (convênios pré-pagos), o Brasil tem uma das maiores taxas de cesarianas no mundo. O modelo de assistência ao parto apresenta resultados muito aquém dos investimentos realizados pelo setor de saúde preventiva, sendo as altas taxas de cesariana, as mortalidade materna e perinatal as maiores evidências desses resultados desfavoráveis.
Há vários estudos que indicam serem as cesarianas e a indução dos partos realizados antes da completa maturidade fetal as causadoras da também elevada prevalência de bebês prematuros nas maternidades brasileiras. Estes fatores têm sido apontados como uma das principais causas da morbi-mortalidade perinatal, entre elas a síndrome de deficiência respiratória dos recém-nascidos. Fetos de 38 semanas de gestação (lembrando que a gestação normal pode se estender até 42 semanas), têm 120 vezes(!!!) mais chances de apresentar essa complicação quando comparados com bebês de mais de 39 semanas ( Barros,2005 – Martins Costa, 2002) .
Quanto a mortalidade materna, outros estudos mostram que ela é 3 vezes maior nas cesarianas eletivas com hora marcada do que no parto via vaginal.(Wagner, RBGO, 2001) .
Diante disso tudo alguns questionamentos devem ser feitos por quem está realmente preocupado com a atual modelo de atendimento materno-infantil no país:
1. o chamado parto caseiro adequadamente acompanhado por obstetra qualificado obtém para o binômio materno-fetal melhores resultados do que o parto hospitalar?
2. em caso de sofrimento fetal e doença materna grave a sofisticação tecnológica das maternidades hospitalares evita maiores danos às mães e aos seus bebês?
3. a combinação de atendimento caseiro (humanizado), feito junto ou ao lado de uma maternidade bem equipada e rapidamente acessível não seria a solução ideal para os dois tipos de acompanhamento das gestações e partos?
4. estariam os obstetras com a atual formação predominantemente técnica, mais dispostos a despender oito ou mais horas num trabalho de parto do que os 45 minutos de uma cesariana realizada com hora e dia previamente marcados e coincidente com o desejo, a oportunidade da gestante de seus familiares e do parteiro?
Respostas para as perguntas 1, 2 e 3: SIM
Resposta para a pergunta 4: NÃO
* Franklin Cunha é médico obstetra

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