Páginas

sábado, 11 de agosto de 2012

O parto domiciliar deve ser proibido?


na FSP

SIM

O risco das complicações inesperadas

MÁRCIA ROSA DE ARAUJO


Os princípios iniciais do Código de Ética Médica são claros: a medicina é uma profissão a serviço da saúde, e o médico deve agir com o máximo de zelo e com o melhor de sua capacidade profissional para atender a seus pacientes.
O cumprimento dessa tarefa é preocupação constante do médico e não se restringe ao consultório. É com base nesses princípios que o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) condena a realização dos partos domiciliares.
No mês passado, o Cremerj reforçou sua a posição ao publicar resoluções que restringem a presença dos médicos em partos realizados em casa e limitam aos profissionais da área de saúde a participação nos procedimentos realizados em maternidades e hospitais.
A polêmica sobre as medidas extrapolou os limites do Estado, levando a manifestações em todo o país que evidenciaram como o tema é sensível.
Um dos objetivos do Cremerj foi o de alertar futuras mães sobre os perigos que envolvem o parto em casa. O nascimento é um momento único na vida, mas também é um processo dinâmico e envolve riscos, mesmo para mulheres que tenham passado por um pré-natal sem problemas.

Complicações inesperadas demandam cuidados imediatos, em um ambiente com estrutura adequada e uma equipe médica de prontidão. Em casa, nada disso está presente.
Quem defende o parto domiciliar sustenta que os hospitais próximos são mapeados e acessíveis em 20 minutos. Em caso de uma complicação, contudo, um lapso de tempo muito menor pode provocar danos irreparáveis à saúde tanto do bebê quanto da mãe. Pode até mesmo custar vidas. E isso sem nem seque lembrar quão delicado é o transporte da parturiente.
O Cremerj não é uma voz solitária nesse caso. A Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e outras entidades também se opõem à prática.
Fora do país, o Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia critica o procedimento por considerar que falta rigor científico aos estudos sobre a segurança do parto em casa.
Dados do Ministério da Saúde revelam que 98% dos partos no Brasil acontecem em maternidades e hospitais. Entre os 2% restantes, parte significativa das mulheres tem o filho em casa por falta de opção: residem em regiões com frágil estrutura de saúde.
É importante ressaltar que a esmagadora maioria das futuras mães sabem qual o local mais adequado e seguro para o nascimento de um bebê.
Qualquer debate sempre é enriquecedor. O Cremerj aceita o contraditório, mas não abre mão de condenar práticas que são um risco para a saúde de mulheres e bebês brasileiros.
Como médicos, não podemos impedir a realização do parto em casa, mas temos a obrigação de orientar os nossos pacientes e a sociedade em defesa da vida.

MÁRCIA ROSA DE ARAUJO, médica, é presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro



NÃO

O parto não é um evento da medicina

LUIZ ROBERTO LONDRES


Desmedicalizar a saúde e desospitalizar a doença.
Foram esses alguns dos muitos princípios que aprendi ao longo de meu curso médico, da minha atuação em consultório e em hospitais e, mais tarde, no intenso convívio com figuras ímpares em nossa atividade.
Há 47 anos dirijo um hospital geral no qual, por muitos anos, havia uma maternidade. Convivi com colegas importantes e representativos da obstetrícia, com um intenso movimento de internação.
Havia, entre eles, diferenças de posturas e de estatísticas, como no tempo de internação ou da utilização da sala cirúrgica, fosse por parto normal, fosse por uma operação cesariana. A seu lado, acompanhando as suas pacientes, estavam parteiras que se revezavam e ministravam cuidados pré e pós-parto.
Elas, muitas vezes por impedimento do médico, faziam o parto de suas clientes. O sucesso de sua atuação e a satisfação pelo seu atendimento era uma unanimidade.
O parto -e é importante que isso seja reconhecido- não é um evento da medicina, é um evento da vida.
Ele só passa a ser objeto da ação médica quando sua evolução aponta ou demonstra uma dificuldade ou uma anormalidade. E isso costuma ser detectado através de um bom acompanhamento pré-natal.
Essa é a principal conscientização que deveria ser feita por aqueles que têm a missão de velar pela boa medicina. Como também em relação ao índice absurdo de operações cesarianas, em que o Brasil é um dos campeões mundiais. Em nosso país, o índice está em quase 50%. Na saúde privada, ronda os absurdos 80%. Essa é a grande distorção que hoje vive a nossa obstetrícia.
Um documento do Ministério da Saúde de 2010 diz que "o parto e o nascimento domiciliar assistidos por parteiras tradicionais inserem-se no contexto das ações básicas de saúde". Em países de reconhecida qualidade de atendimento médico como Japão, Inglaterra, Suécia, Itália, França, Alemanha, EUA, Nova Zelândia, Austrália e Áustria há movimentos pela desospitalização do parto.
Neste mesmo documento, há esta citação: "A hospitalização e o maior domínio das técnicas ampliaram as possibilidades de intervenção, tendo como um de seus resultados o progressivo aumento de cesarianas desnecessárias, aumentando os riscos à saúde para mulheres e bebês e implicando em elevação de custos para o sistema de saúde".
Uma publicação da Organização Mundial de Saúde, "Having a Baby in Europe", diz que nunca foi provado que hospitais são locais mais seguros do que o domicílio para uma mulher que desenvolve uma gestação sem complicações. Diz ainda que estudos de partos domiciliares programados, em países desenvolvidos, mostram que as taxas de complicações e morte para mãe e filho são iguais ou melhores que as dos hospitais nos casos semelhantes.
E então? Vale mais a resolução 265 de 2012 do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), que proíbe médicos de assistirem partos domiciliares e a presença de parteiras nos partos hospitalares, ou o exposto por entidades como o Ministério da Saúde e a Organização Mundial de Saúde? Ou simplesmente nosso bom senso?

LUIZ ROBERTO LONDRES, 71, médico e mestre em filosofia pela PUC-RJ, é presidente da Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro



Nenhum comentário:

Postar um comentário