Promessas vão de salários melhores a mais terceirizações na saúde
no Valor Econômico
A auxiliar de limpeza Damiana Silva, 45, aguardava atendimento no posto de saúde Ernesto Zeferino Tibau Júnior, em São Cristóvão, zona norte do Rio de Janeiro. Na fila, 50 pessoas. Moradora da favela da Mangueira, ela seria atendida por um clínico geral, mas precisava de um oftalmologista para tratar uma conjuntivite. Era seu segundo dia de peregrinação, depois de ter passado por quatro unidades de saúde municipais, estadual e federal. Tudo em vão.
O périplo de Damiana retrata um cotidiano no Sistema Público de Saúde (SUS): falta de médicos e demora no atendimento. Além de orçamentário, o problema é de gestão na contratação e distribuição de pessoal. Especialistas resumem: os altos valores gastos em equipamentos não foram acompanhados por aportes em gente.
Um exemplo é o Rio. Com orçamento de R$ 4 bilhões, não faltam recursos para a área. Na gestão do prefeito Eduardo Paes (PMDB), que tem mais de 50% das intenções de voto, a verba da Secretaria Municipal de Saúde destinada a investimentos entre 2009 e 2012 passou de R$ 28 milhões para R$ 141 milhões, e os gastos com custeio subiram de R$ 885 milhões para R$ 2,54 bilhões. Já a despesa com pessoal, considerado um dos diferenciais no setor, cresceu 15% no mesmo período, para R$ 1,3 bilhão.
Dessa forma, o déficit de médicos na rede municipal é de 1,2 mil profissionais, estima o Sindicato dos Médicos do Estado do Rio (Sinmed-RJ). Entre julho de 2011 e maio de 2012, o Conselho Municipal de Medicina (Cremerj) constatou a falta de médicos em 78 das 106 unidades fiscalizadas (73%). No ano passado, o último concurso da prefeitura ofereceu 1.770 vagas, mas dos 700 médicos aprovados só 523 tomaram posse.
O problema não é a falta de médicos, somos o segundo Estado com o maior número de pediatras no país. Falta de incentivos para o trabalho, diz Alexandre Romano, integrante do Cremerj e diretor do sindicato Sinmed-RJ. O secretário de municipal de Saúde do Rio, Hans Dohmann, nega o déficit.
Especialistas reclamam da falta de um plano de cargos e salários na capital fluminense. Hans Dohmann joga a responsabilidade para outra área da administração municipal. Reajuste se aplica a todas as categorias de nível superior, quando se dá aumento a uma é preciso aumentar a remuneração de todas. Isso envolveria planejamento para longo prazo, justifica.
Em Belo Horizonte, para marcar uma consulta com um angiologista ou um ortopedista, leva-se até sete meses. Ser atendido por um cardiologista demora até quatro meses. Hoje 42% das consultas e exames levam mais de um mês para serem feitos. As informações são da própria Secretaria de Saúde.
Em 2011, prefeitura do Rio ofereceu 1.770 vagas, mas dos 700 médicos aprovados só 523 tomaram posse
O titular da pasta, Marcelo Gouvêa Teixeira, um dos formuladores das propostas do programa de governo do prefeito e candidato à reeleição, Márcio Lacerda (PSB), culpa os pacientes pelos atrasos do sistema. Nossa capacidade está subutilizada em 25%, que é o percentual de pacientes que agenda consulta e na hora não comparece. Isso é um fator para explicar essa demora, explica Teixeira.
Ele aposta em reajustes salariais vinculados à política de meritocracia. Desde o ano passado, a prefeitura passou a remunerar de forma variável equipes do Programa Saúde da Família (PSF). O valor pode chegar a um salário a mais. Também é adotado sistema de remuneração por resultado para profissionais que do programa de cirurgia eletiva. Mas para reduzir o tempo de espera de consultas e exames, o secretário diz que é preciso contratar pessoal especializado.
O candidato Patrus Ananias (PT), adversário de Lacerda, promete ampliar o PSF. Hoje cada equipe da família atende a 3.400 pessoas, e o candidato propõe fixar em 1.800 pessoas atendidas por equipe do PSF, com foco em populações com alto risco de adoecer e morrer, o que é feito por meio de um diagnóstico epidemiológico. A responsável pela área na campanha, Susana Maria Moreira Rates, conta que a candidatura defende mais concursos para médicos em Belo Horizonte.
Em São Paulo, que também sofre com a falta de profissionais, o candidato do PSDB, o ex-ministro da Saúde José Serra, diz que, eleito, colocará anúncios até mesmo em outras cidades para atrair médicos. De 2005 até hoje foram contratados 6 mil médicos a mais, mas ainda faltam profissionais. O problema não é só o salário, mas também disponibilidade. O tucano também propõe a integração entre prefeitura e Estado para agilizar a marcação de consultas e exames na cidade, além da ampliação do número de unidades de saúde.
Fernando Haddad (PT), que disputa com Serra quem irá enfrentar Celso Russomanno no segundo turno, quer criar a carreira de médico municipal, com realização sistemática de concursos. Para dar sustentação financeira a seu plano, que inclui elevar salários, o petista promete regularizar o Fundo Municipal de Saúde. Assim manteremos os recursos do SUS subordinados somente à Secretaria de Saúde.
Segundo Haddad, o maior desafio é levar profissionais aos rincões da periferia. Como foi feito nas gestões anteriores do PT, é preciso investir na melhoria das condições de trabalho, na mudança de relação que hoje se estabelece com os trabalhadores, seja para combater o assédio moral, seja para motivá-los para que assumam o desafio de mudarmos o modelo atual em benefício dos usuários, diz o petista.
Celso Russomanno (PRB) fala apenas que vai dar salário de R$ 20 mil aos médicos para tentar mantê-los na rede pública e ampliar e integrar as redes de saúde. Sem projetos concretos, Russomanno chegou a prometer que resolveria o problema da saúde em 120 dias.
Em Curitiba, o presidente do Sindicato dos Médicos do Paraná (Simepar), Mario Ferrari, afirma que falta um plano de carreira que permita remunerar melhor os profissionais. O prefeito e candidato à reeleição, o médico Luciano Ducci (PSB) diz que aumentou os investimentos, mas seus adversários apontam para uma involução no setor, como diz Ratinho Junior (PSC), ou um verdadeiro apagão, como fala Gustavo Fruet (PDT).
Ducci afirma que contratou por meio de concursos públicos e processo seletivo 7.346 profissionais, com prioridade das áreas de saúde e educação. Na rede de saúde municipal trabalham em torno de 7 mil pessoas. Um grupo novo de 800 pessoas está sendo integrado agora. A estimativa atual é que sejam necessários pelo menos mais 1,1 mil profissionais para atender a demanda que será aberta pelas obras previstas.
Ratinho Junior (PSC) diz que rede física da saúde é boa em Curitiba, mas o atendimento deixa a desejar, sobretudo pela carência de médicos e de um trabalho mais amplo e sistemático de monitoramento da saúde da população em torno. Ele quer abrir diálogo com municípios da região metropolitana e trabalhar com consórcios.
O candidato do PDT, Gustavo Fruet, fala que o próximo prefeito receberá uma bomba-relógio na área da saúde. Ele buscará parcerias com hospitais particulares e universitários para sanar o problema da falta de médicos.
A situação em Porto Alegre não é diferente. Conforme o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), a capital gaúcha dispõe de 11,9 mil médicos. Deste total, 1,5 mil trabalham diretamente vinculados à prefeitura. A discussão sobre a ampliação do quadro passa pelos planos de cada candidato dentro do Programa Estratégia de Saúde da Família (ESF).
O prefeito José Fortunati (PDT), que concorre à reeleição, promete encerrar o ano com 200 equipes, contra 54 em 2005. Já ampliamos para 170 [equipes] e chegaremos a 282 na próxima gestão para atender 100% da demanda, afirma o prefeito-candidato. Segundo ele, 66 médicos aprovados em concurso foram nomeados neste mês para o Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (Imesf).
A candidata do PCdoB, Manuela D'Ávila, vai um pouco além e promete encerrar um eventual mandato com 300 equipes do ESF. Uma rede básica bem estruturada consegue resolver cerca de 80% dos problemas de saúde da população que atende, diz a deputada federal licenciada. Para atrair mais médicos para a rede municipal, ela acena com um plano de carreira desenvolvido com a categoria, além da criação de uma comissão municipal de residência médica em parceria com universidades.
Mais ambicioso entre os três principais concorrentes à prefeitura, o candidato do PT, o deputado estadual Adão Villaverde, quer alcançar o número de 400 equipes de saúde da família caso seja eleito. Nossa meta é atingir 100% de cobertura da população usuária do SUS, afirma.
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