na Carta Capital
Até quando o PT vai usar Fernando Collor como porta-voz de suas angústias na CPI do Cachoeira? Collor, senador do PTB de Alagoas, é um emblema da corrupção nacional desde que foi defenestrado do poder, há vinte anos, afogado no pântano de denúncias que resultaram em seu impeachment. Era o que é, mesmo antes, quando desfilava como queridinho desta mesma mídia que hoje o fustiga e o trata como um bandido vingativo a serviço de um ressentimento histórico pessoal.
O conjunto de forças políticas que ajudaram Collor a se eleger, presidente da República, em 1989, aí incluídas as Organizações Globo e a Editora Abril, continuam intactas, apesar dos muitos constrangimentos que a transparência democrática da internet tem imposto a elas.
É fato, por exemplo, que a famosa manipulação da edição do debate Collor x Lula, nas eleições de 1989, no Jornal Nacional, jamais teria se consolidado na cabeça do eleitor brasileiro, pelo menos no nível que se consolidou, em dias como o de hoje. É o tipo de farsa que seria desconstruída e desmascarada exatamente como a pantomima da bolinha de papel encenada por José Serra, nas eleições de 2010.
A atual circunstância, no fim das contas, revela o caráter predatório da política de alianças do PT, e é lamentável que agrupamentos políticos outrora progressistas se lambuzem nessa lama oportunista no pior estilo inimigo-do-meu-inimigo-é-meu-amigo. Nesse ritmo, morrerão todos juntos e abraçados, Collor e aqueles que dele fazem um paladino de ocasião.
Fernando Collor de Mello tem, claro, suas razões para espernear: a mesma revista Veja que um dia o acolheu como glorioso “caçador de marajás” a serviço da nação foi, no crepúsculo de seus dias no Palácio do Planalto, a feroz reveladora de seus vícios de campanha ao lado da tropa de achacadores, lavadores de dinheiro e pilantras em geral comandados pelo falecido Paulo César Farias.
Ao elevar a voz nas tribunas do Congresso Nacional para pedir a cabeça do jornalista Policarpo Jr., diretor da Veja em Brasília, e do procurador-geral Roberto Gurgel, Collor nada mais é que uma dessas personagens de óperas-bufas que são revestidas de razão, mas não de moral genuína, em busca de uma vingança pessoal travestida de interesse coletivo. Para quem realmente quer justiça, esse é o pior dos mundos.
Ao lançar mão da fúria apocalíptica deste justiceiro tardio, o PT comete um duplo ato de covardia contra seus eleitores históricos e contra a própria história do partido, cada vez mais distante de valores e princípios que hoje se esvaem a olhos vistos – menos pelo que se mostra na cobertura escandalosa de uma mídia aparelhada pelos interesses da direita, mais pelo simbolismo estarrecedor, ora pelo silêncio das bancadas, ora pela histrionismo barato com o qual Collor pretende se incluir na galeria moral do Senado Federal, o que jamais ocorrerá.
Ao delegar ao ex-presidente a missão de impor respeito e civilidade no trato dos assuntos republicanos, o PT desafia o bom senso, neutraliza seus porta-vozes naturais e demonstra uma fragilidade incompreensível para um partido que está há mais de uma década no poder.
Fernando Collor já era um sintoma do apodrecimento da política nacional antes mesmo de tomar posse na Presidência, em março de 1990, sob aplausos da mídia e da elite econômica que o financiou. Trata-se de um herdeiro legítimo do pior tipo da cultura política nacional, fruto de séculos de dominação coronelista nordestina baseada na intimidação física e moral de populações inteiras transformadas em currais eleitorais.
Por isso, é impossível dissociá-lo dessa mesma estrutura arcaica e reacionária de mídia contra a qual, agora, ele finge se voltar: em Alagoas, é a família Collor que comanda a Organização Arnon de Mello, um dos mais poderosos oligopólios de comunicação do País, proprietária de um jornal, emissoras de rádio e da TV Gazeta Alagoas, retransmissora da Rede Globo no estado.
Os crimes da Veja e a atuação suspeita do procurador Gurgel precisam, sim, ser investigados. Mas enquanto vier de Collor esse clamor, esta continuará sendo uma demanda irreal e irresponsável, consequência da vergonha e da covardia daqueles que, de fato, deveriam empunhar essa bandeira.
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