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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A defesa é o melhor ataque


A medicina curativa custa mais e tende a gerar um círculo vicioso de exames, medicamentos, cirurgias e doenças. Buscar uma estratégia preventiva exige mudança de valores e muito planejamento



Como solucionar a equação que envolve problemas de saúde cada vez mais complexos versus recursos financeiros mais escassos e resulta em contas que não fecham para prestadores ou usuários de serviços médico-hospitalares?

Especialistas defendem que parte da solução dessa matemática pode ser encontrada em uma palavra-chave: prevenção. Há números que reforçam essa tese. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), para cada 1 real investido em ações preventivas, 2 deixam de ser gastos com tratamento de doenças.
Esse modelo, embora considerado o mais viável, apenas engatinha no Brasil e ainda esbarra em inúmeros obstáculos, sobretudo em um cenário demográfico de envelhecimento da população. Quem consegue enfrentá-los, principalmente com mudanças na gestão, tem obtido êxito, como revela esta reportagem.
Basta uma análise dos principais resultados alcançados pelos programas de prevenção dos planos de saúde um ano após a publicação de duas resoluções normativas da ANS [1] sobre o assunto, para compreender melhor o argumento dos que recomendam modificações na gestão e como solução para reduzir os elevados custos dos serviços médico-hospitalares no País. Em agosto de 2012, 1,2 milhão de usuários haviam aderido a 760 iniciativas voltadas para a prevenção de doenças. Em relação a agosto de 2011, o total de internações de idosos caiu 70,39%.
[1] As resoluções
 264 e 265 da ANS, publicadas em agosto de 2011, instituíram incentivos para operadoras de planos de saúde implementarem programas de promoção à saúde e prevenção
 de doenças e riscos, gerando melhoria na qualidade de vida. Para atrair os beneficiários, as empresas podem inclusive oferecer prêmios e descontos nas mensalidades
Outros números informados pela agência, também relativos a agosto de 2012, comprovam que a aposta na prevenção gera resultados muito expressivos – e rápidos. Verificou-se, por exemplo, que o controle da pressão arterial alcançou 92,1% dos participantes dos programas de prevenção das operadoras. Pararam de fumar 67% dos usuários que ingressaram nas iniciativas de prevenção. Também houve redução na procura por atendimento em pronto-socorro (18,8%) e nos registros de fraturas em pacientes com mais de 85 anos (11,8 %). (Acesse os resultados completos)
Um contingente de 1,2 milhão de
 pessoas em um universo de 48,6 milhões 
de usuários de planos de saúde privados 
no Brasil pode parecer pouco. Mas, para
 Martha Oliveira, gerente-geral de regulação
 assistencial da ANS, o desempenho dos 
programas de prevenção é animador e os
 resultados positivos tendem a aumentar. Antes das duas resoluções, somente 127 programas tinham sido informados à agência, com a estimativa de 198 mil beneficiários participantes.
Segundo a gerente, a gestão pela prevenção, incentivada pela ANS, é um caminho irreversível que pode trazer mudanças profundas na prestação de serviços médicos a médio prazo e, consequentemente, levar à diminuição tanto nos custos do setor como na incidência de doenças no País.
Se esse é um modelo mais adequado, por que levou tanto tempo para programas centrados na qualidade de vida começarem a avançar no Brasil? Segundo a gerente da ANS, fatores como a organização do setor a partir de 1998, com o início da regulamentação dos planos de saúde, aliados à necessidade de debate do tema na sociedade, demandam tempo. “Não se muda uma realidade de uma hora para outra”, justifica. As discussões ganharam espaço diante da preocupação com os custos crescentes das operadoras e a insatisfação de grande parte dos usuários com seus planos.
“Não víamos outra saída a não ser mudar a situação de uma produção assistencial com custos cada vez mais elevados de consultas, exames e outros procedimentos e resultados cada vez mais insatisfatórios (quanto à saúde das pessoas). Todos entenderam que era preciso superar um modelo fadado a implodir e buscar soluções que garantissem a sustentabilidade do setor. O que fizemos foi induzir o mercado a avaliar a necessidade de sair do foco da doença e atuar pela lógica da prevenção”, comenta.

A SAÚDE E O  BOLSO


Uma amostra do transtorno financeiro dos brasileiros para cuidar da saúde foi revelada em setembro, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) referente ao período 2008-2009. Nos gastos totais com assistência à saúde, que já representam 7,2% da renda mensal das famílias, as despesas médias a cada 30 dias com medicamentos respondem por 48,6%, enquanto os planos de saúde representam 29,8% do dispêndio. (leia aqui a pesquisa na íntegrae aqui uma versão comentada)
Quem tem mais de 60 anos gasta 58,1% a mais do que o restante da população com despesas médicas. Para quem passou dos 70 anos, só os remédios consomem mais da metade da renda (53,54%). Explicam os elevados gastos das famílias o aumento na longevidade da população e nos níveis de emprego e renda, que levam a um maior consumo de produtos de saúde.
A pesquisa refletiu também o peso das desigualdades sociais nos gastos com saúde das famílias brasileiras. Enquanto na faixa dos 10% mais ricos as despesas representaram R$ 563,69 ao mês, em média, os 40% mais pobres gastaram R$ 53,45, dez vezes menos, no período estudado.
Em janeiro de 2012, por meio da pesquisa Conta-Satélite Saúde Brasil 2007-2009, o IBGE já havia revelado que os brasileiros arcaram com gastos em saúde 29,5% mais altos do que os do governo em 2009 [2]. A despesa per capita das famílias foi de R$ 835,65, enquanto a do Estado ficou em R$ 645,27.
 O desequilíbrio chamou a atenção para o alto nível de privatização dos serviços de saúde no Brasil, que ocupa espaços deixados pela falta de políticas públicas eficientes, sobretudo de prevenção. (Acesse a pesquisa comentada)
[2] Na conta foram incluídos medicamentos, consultas médicas e odontológicas, exames e serviços hospitalares, além de planos de saúde
Mas, na luta contra o tempo perdido, algumas ações governamentais – como as desencadeadas pelo Ministério da Saúde no combate ao diabetes – revelam efeitos positivos. Entre 2010 e 2012, o número de internações decorrentes da doença, que afeta mais de 13 milhões de brasileiros, permaneceu estável.
 Outra boa notícia foi divulgada pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, onde a pesquisadora Cristine Bastos do Amarante, coordenadora do Laboratório de Análises Químicas (LAQGoeldi), está à frente de uma pesquisa com quatro ervas medicinais da Amazônia que já apresenta resultados preliminares animadores no combate ao diabetes. (leia mais em “Saberes compartilhados”)

MUDANÇA CULTURAL

Reduzir a incidência de doenças crônicas como diabetes e hiper-tensão ou, pelo menos, minimizar seus efeitos em parte da população, sobretudo em cenários de envelhecimento, são objetivos factíveis com ações preventivas implementadas desde a infância. Mas, também, não podem faltar incentivos ao envelhecimento ativo, como forma de ampliar a sociabilidade dos idosos.
Para Renato Peixoto Veras, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), essas certamente são algumas das melhores respostas para enxugar os altos custos de manutenção dos sistemas de saúde, sejam públicos, sejam privados. (saiba mais sobre a UNATI, unidade da UERJ que atua na prevenção)


No entanto, promover a transição do tratamento das doenças – a lógica dominante – para o fortalecimento de uma cultura preventiva requer grandes esforços, principalmente de planejamento e gestão, reconhece Veras. O especialista sugere que as mudanças devem começar pelos cursos de graduação e pós-graduação que formam médicos e outros profissionais de saúde.

“Fomos educados para tratar as doenças e curar as pessoas. Esses são valores ligados à medicina que aprendemos ao longo de muitas gerações. Por outro lado, vivemos em um país imenso e muito desigual, onde as soluções não são homogêneas e, por inúmeras razões, grande parte da população geralmente só procura um médico quando está doente. Mudar essa cultura demanda tempo, mas é uma atitude cada vez mais necessária, pois não somos mais um país de jovens como muitos ainda imaginam”, analisa.
Embora reconheça que a cultura da prevenção venha conquistando novos adeptos, com o setor empresarial buscando engajar os seus profissionais em programas de incentivo a hábitos mais saudáveis, além do fortalecimento de ações governamentais e os incentivos criados pela ANS para orientar o mercado, há descompassos, segundo ele. “As soluções ainda são lentas em relação à dimensão dos problemas e à velocidade das transformações que estão ocorrendo no País”, opina.
Veras destaca o exemplo do Reino Unido, que conta com um sistema de saúde pública considerado de alto nível. Lá, empresas privadas precisam usar a criatividade para atrair e manter usuários de planos de saúde. Além disso, esforçam-se para ampliar uma cultura de prevenção de doenças entre clientes exigentes.
Uma experiência nesse sentido, mencionada pelo especialista, é a da operadora PruHealth, que oferece benefícios financeiros a usuários que optam pela caminhada, em vez de saírem de carro. Por meio de parceria com uma rede supermercadista, seus beneficiários também recebem descontos para a compra de frutas e legumes. O mesmo ocorre com a prática de exercícios em academias. “Assim são reduzidos custos de todos e estimulados hábitos mais saudáveis.”
No modelo de saúde britânico, conta Veras, prevalece a cultura dos generalistas, preparados para lançar um olhar mais global sob o paciente. “Mais de 90% dos casos são resolvidos por esses profissionais, que são mais valorizados pela sociedade, visto que a percepção é de que têm mais conhecimentos. Eles também são mais bem remunerados.” A experiência, acredita, serve de inspiração ao Brasil, que poderia mobilizar jovens médicos para uma mudança cultural que resultaria em benefícios à saúde de todos. Para isso, contudo, defende a necessidade de políticas integradas, outro grande desafio brasileiro para que se alcance equilíbrio das contas públicas e privadas de saúde.
Em se tratando de desafios presentes e futuros para a melhoria dos indicadores de saúde, Maura Soares, gerente de gestão de saúde da Unimed-Rio, opina que a infraestrutura urbana precisará, cada vez mais, promover o acesso dos cidadãos aos espaços públicos, seja para a convivência, o lazer, seja para a prática de atividades físicas (leia mais em “A seguradora que investe em prevenção”).
A alimentação, defende, é outra questão crucial. “Quando se fala em saúde, temos de sair do quadrilátero do atendimento. A questão é mais abrangente e deve ser debatida por todos os cidadãos”, conclui. (mais sobre nutrição em “Em fogo alto”).
tabela copy
Nota do blog: Na tabela acima O segundo "Sudeste" deve ser Nordeste

Sementes de bem viver

Há 18 anos nasceu uma experiência pioneira em promoção do envelhecimento ativo no Brasil. Essa semente que fincou raízes e tem dado bons frutos se chama Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI), por onde circulam anualmente cerca de 3 mil idosos.
Eles participam de aproximadamente 100 atividades tais como bailes, festas, jogos, serestas, palestras e outras. Também recebem atendimento de uma equipe multidisciplinar e têm inspirado inúmeras pesquisas acadêmicas desde então. Além disso, a unidade tornou-se referência em capacitação para profissionais de saúde.
“Temos muitos exemplos de que esse é o caminho. Nosso público toma menos remédio, adoece menos, é mais ativo e mais feliz”, diz Renato Peixoto Veras que atua como diretor da UnATI, experiência lançada e mantida pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Essa unidade, além de ser referência em pesquisas sobre envelhecimento ativo, tem inspirado ideias semelhantes em outras cidades brasileiras.

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