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quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Ainda sobre o caso do Hospital Salgado Filho: A lição de Antonio Ribeiro Netto


Elio Gaspari



O neurocirurgião Adão Crespo, do Hospital Salgado Filho, do Rio, faltou ao serviço no dia de Natal. Por isso, a menina Adrielly dos Santos, de 10 anos, ficou oito horas esperando por atendimento adequado. Tinha uma bala na cabeça.



Chamado à polícia, informou que faltava aos plantões há um mês, porque discordava da escala de serviço. Segundo o doutor, uma determinação do Conselho Regional de Medicina manda que haja nos hospitais públicos dois neurocirurgiões por plantão. Como escalavam-no sozinho, não ia. Lindo. O Cremerj determina que os plantonistas sejam dois, e o neurocirurgião decide que é dois ou nada, passa o dia de Natal em casa e Adrielly fica com a bala na cabeça. Vale registrar que é uma temeridade botar um caso como o da menina nas mãos de um só neurocirurgião. Seria necessário que no plantão houvesse pelo menos um residente para assisti-lo. Bingo: o sistema público do Rio não tem mão de obra para respeitar essa necessidade.



Se o doutor Crespo, ou qualquer outro, quer se rebelar contra a má qualidade dos serviços públicos de saúde, tem dois caminhos: pede as contas ou usa o seu tempo disponível para infernizar a vida do prefeito Eduardo Paes, do governador Sérgio Cabral, do ministro Alexandre Padilha e da doutora Dilma. Pode até protestar contra o papa, mas não pode faltar ao serviço, nem se defender na polícia com o manto branco do corporativismo médico.





O neurocirurgião que matou o plantão e deixou a menina com a bala na cabeça pode aprender o que é ser médico





Crespo e todos os seus similares deveriam ser convidados a preparar uma biografia de um colega: Antonio Ribeiro Netto. Durante mais de 40 anos, até sua morte, nos anos 90, foi cirurgião de tórax do Hospital Souza Aguiar. Lá, o CTI da neurocirurgia chamava-se "Coreia". Não sabia quanto ganhava. Quando se aborrecia com as questões do cotidiano, ia para o hospital adiantar procedimentos cirúrgicos. Em 1993, vendo a medicina pública do Rio assolada por "escolhas de Sofia", nas quais os médicos eram obrigados a decidir quem morreria por falta de atendimento, ele olhava para o descalabro e dizia: "A culpa é minha. Fui míope. Talvez se eu tivesse ido para os jornais atacar o governador, talvez se eu tivesse entrado aos gritos no gabinete do secretário, não sei. A verdade é que deixei a peteca cair". Dizia isso sabendo que nunca faltara a plantão. Hoje Ribeiro Netto é nome de policlínica, mas seu exemplo perdeu-se na poeira do descaso.



As guildas médicas são incapazes de diagnosticar as patologias individuais de seus profissionais. Algo como se um doutor, diante de um caso de pneumonia (o neurocirurgião que falta ao serviço), quisesse discutir o aspecto epidemiológico do problema (a falta de dois profissionais no plantão). Nisso, Adrielly ficou com a bala na cabeça. O Conselho Regional de Medicina faz bonito quando pede dois neurocirurgiões, mas fica numa posição troncha quando um deles se justifica usando sua recomendação para deixar o plantão sem neurocirurgião algum.



Já os presidentes, ministros, governadores e prefeitos dedicam-se a uma espetacularização da ruína. Sérgio Cabral chegou ao governo dizendo que a medicina pública do Rio praticava um "genocídio", e o prefeito Eduardo Paes disse que Adão Crespo é "um delinquente". E o chefe do doutor, a quem ele diz ter comunicado que não iria aos plantões?

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