na FSP
As recentes manifestações populares fizeram o Poder Legislativo brasileiro aprovar medidas de combate à corrupção que por longa data permaneciam empoeiradas nas gavetas do Congresso.
A aprovação de leis com potencial para inibir a prática de atos contra o patrimônio público, como a que tornou a corrupção crime hediondo e, principalmente, a que estabeleceu a responsabilização administrativa e civil de empresas por atos contra a administração pública, é importante para a prevenção e o combate à corrupção no país.
No entanto, não há motivos para comemorações antecipadas. Muito ainda falta até que a impunidade seja reduzida. Além do debate fundamental sobre o financiamento de campanhas eleitorais e de outras questões centrais como o fim do foro privilegiado, outros temas importantes precisam ser postos em discussão pelo Poder Legislativo.
A premente reformulação do irracional rito processual brasileiro, que permite a postergação indefinida da aplicação das penas aos corruptos, uma legislação que regulamente e dê transparência à atividade de lobby e outra que proteja os denunciantes de boa-fé são alguns exemplos do que precisa ser feito.
Nesse contexto, a criminalização do enriquecimento ilícito de funcionários públicos é uma das mais importantes medidas na tentativa de penalizar adequadamente aqueles que usaram em benefício próprio recursos de origem ilegal.
Isso porque o Brasil, contrariando compromissos internacionais dos quais é signatário, entre eles a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e a Convenção Interamericana contra a Corrupção, não inclui, nas condutas tipificadas em seu Código Penal, o crime de enriquecimento ilícito. O argumento de que tal prática é resultado de um crime que a antecedeu e, portanto, não um crime por si próprio não pode e não deve prevalecer.
No caso específico da corrupção, a falta de criminalização do enriquecimento ilícito tem efeitos devastadores. A identificação de agentes públicos com patrimônio totalmente incompatível com sua remuneração ou oriundo de outras fontes ilícitas fica sujeita apenas a sanções na esfera administrativa e civil, como as previstas na Lei de Improbidade Administrativa.
Ou seja, funcionários que enriqueceram recebendo propinas ou desviando recursos públicos não podem ser penalizados criminalmente, caso não reste comprovado o crime antecedente da corrupção ou similar, mesmo que não consigam comprovar a origem lícita de seu patrimônio. Ocorre que usualmente seus bens foram adquiridos não à custa de uma ou outra atividade isolada, mas de práticas ilícitas muitas vezes levadas a cabo durante anos.
Cesar Habert Paciornik | ||
Além disso, em muitos casos, o servidor já se encontra afastado da atividade que lhe proporcionou enriquecer, ou até mesmo aposentado, o que, por óbvio, dificulta a identificação do crime de corrupção que originou sua riqueza.
Assim, além da pequena probabilidade de terem de devolver aos cofres públicos o dinheiro desviado, considerando as já reconhecidas dificuldades para recuperar tais valores, corruptos podem atuar tranquilamente, certos de que não terão que pagar com sua liberdade por haverem enriquecido de forma ilícita.
O projeto de lei nº 5.586/2005, que estabelece a pena de três a oito anos de detenção, além de multa, para enriquecimento ilícito de funcionários públicos, elaborado pela Controladoria-Geral da União e encaminhado ao Congresso Nacional há quase uma década, precisa urgentemente ser discutido e aprovado.
Em 2012, a comissão de juristas encarregada de reformular o Código Penal já deu sua valorosa contribuição, posicionando-se favoravelmente à criminalização de tal prática. Resta agora aos nobres parlamentares movimentarem-se e colocarem o tema na pauta das mudanças. A sociedade brasileira agradecerá.
MÁRIO VINÍCIUS SPINELLI é controlador-geral do município de São Paulo e ex-secretário de Prevenção da Corrupção da Controladoria-Geral da União
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