RIO - A entrada de um executivo vindo de empresas de saúde privada, como Elano Figueiredo, não é novidade na diretoria da ANS, que desde a sua criação sempre teve um ex-funcionário de empresas do setor que regula no seu grupo de comando. O fato, que vem ocorrendo desde 2009, e sendo alvo de mais críticas, é a coexistência de dois ex-executivos do mercado numa diretoria composta de quatro ou no máximo cinco diretores. É o que deve ocorrer ainda este mês quando termina o mandato do diretor Eduardo Marcelo Sales.
Dos quatro que ficarão, além de Elano, que já defendeu os interesses da operadora HapVida nos tribunais, há Leandro Reis Tavares, que foi chefe médico da Amil Resgate Saúde em Niterói, entre 2006 e 2007, e diretor do Laborátorio Sérgio Franco em 2007, na época, também do grupo Amil.
— Antes, as empresas se conformavam com um representante, agora chegam a ter a metade da diretoria da ANS. Eles cumprem a carência, não é ilegal, mas é lobby. Talvez se o lobby no Brasil fosse regulamentado, essas relações fossem menos promíscuas, porque ficaria claro o que é lobby e o que é ação política — diz Ligia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O novo diretor entra na vaga deixada por Maurício Ceschin, que presidiu a agência entre abril de 2010 e novembro de 2012, e foi diretor desde novembro de 2009. Antes, ocupou o cargo de diretor-presidente da Medial-Saúde, entre 2001 e 2005, diretor-superintendente do Hospital Sírio-Libanês (de 2005 a dezembro de 2007) e presidente da Qualicorp até fevereiro de 2009, nove meses antes de ingressar na ANS. Ceschin, hoje no conselho de administração do Sírio-Libanês, não vê conflito de interesses:
— Acho que retidão, honestidade, princípios, patriotismo não é exclusividade de servidor público. Qualquer cidadão tem princípios e valores e há vários instrumentos de controle. Trabalhei lá durante três anos e minha percepção é que foi uma gestão muito voltada para o consumidor.
Os funcionários da ANS têm opinião diferente e chegaram a publicar uma carta aberta na qual pedem a saída dos "agentes de mercado" dos cargos de comando do órgão regulador.
— O Brasil tem grandes nomes, grandes sanitaristas, pesquisadores, gente qualificada, que mostrou seu mérito em concursos. A fila de espera da saúde suplementar está igual à fila do SUS. A ANS não está funcionando do jeito que a sociedade espera e a diretoria é só a ponta do iceberg — reclama Cleber Ferreira, presidente da Associação de funcionários e especialistas em regulação da ANS.
Dos 16 profissionais que já ocuparam cargos de direção nos 13 anos de existência da agência, pelo menos cinco trabalharam em empresas privadas de saúde, antes ou depois de passar pelo cargo.
Diretor da ANS entre maio de 2004 e outubro de 2010, Alfredo Luis Cardoso argumenta que as empresas privadas são o melhor lugar para fornecer quadro aos órgãos reguladores. Ele é apontado pelos críticos como exemplo de prática da chamada "porta-giratória", porque antes de ir para a ANS foi diretor de um hospital da Amil, entre 1996 e 2002. Depois, até janeiro de 2003, trabalhou num projeto de empresa própria até 2004, quando foi para agência. Oito meses depois de deixar a direção do órgão, voltou para Amil, onde ocupa o cargo de superintendente da Amil Dental.
— Quem tem experiência para regular um setor é quem tem vivência prática e não teórica. Eu fiz o que preconiza a lei, tentei cumprir o meu melhor e fiz uma quarentena até maior porque é importante perder um pouco das informações privilegiadas — diz.
Hoje, um ex-diretor da ANS precisa ficar seis meses sem retornar ao setor privado, período em que continua recebendo dos cofres públicos. Na época de Cardoso, eram quatro.
Na Agência desde 2007, Leandro Reis vê as críticas como fruto de desinformação:
— Nenhuma das funções que ocupei há quase seis anos no setor privado diz respeito a matérias sujeitas à regulação da agência. Não existe possibilidade, portanto, de conflito de interesses.
Já a Amil, em nota, diz que "se orgulha de que seus mais de 22 mil profissionais estejam entre os mais qualificados do setor de saúde. Portanto, considera comum que, respeitando-se os pré-requisitos éticos e legais, funcionários da empresa venham a ser convidados para exercer cargos em setores públicos em algum momento de suas carreiras".
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