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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Participação do gasto público em saúde em relação ao PIB precisaria quase dobrar para garantir a Universalidade

Áquilas Mendes comenta a Lei Complementar nº 141 e propõe alternativas para o financiamento do SUS
O entrevistado deste mês, Áquilas  Mendes, é professor doutor livre docente de economia da saúde da  Faculdade de Saúde Pública da USP  e professor do Departamento de Economia da PUC-SP. Atua como colaborador do COSEMS/SP para assuntos de financiamento e gestão dos recursos do SUS há mais de uma década. Para o Jornal do COSEMS/SP, Mendes falou sobre a Lei Complementar nº 141 e seus efeitos para os gestores, além de analisar a implantação do Contrato Organizativo de Ação Pública no Estado de São Paulo. 

Confira a entrevista:

JC – Quanto podemos afirmar que  o SUS perdeu, em financiamento, nas mudanças que ocorreram no texto original da Emenda Constitucional nº 29 em comparação ao que foi sancionado na Lei Complementar 141 (LC 141)?

Áquilas: Essa é uma luta que  travamos desde que o texto original foi produzido. A nova Lei trás apenas os valores obrigatórios dos Municípios e Estados. Foi uma derrota para a saúde porque não alterou a base de cálculo para a aplicação da União (valor apurado no ano anterior é corrigido pela variação do PIB nominal). Nenhum novo recurso foi de fato destinado para garantir a universalidade da saúde.

O projeto de regulamentação que se encontrava no Senado (PLS 127/2007) e não aprovado na versão original (aplicação da União em 10%, no mínimo, da Receita Corrente Bruta – RCB), poderia ter acrescentado para o orçamento do Ministério da Saúde de 2011, o correspondente a cerca de R$ 32,5 bilhões. É possível dizer que essa regulamentação constitui uma grande derrota para o financiamento das ações e serviços do SUS. Na realidade, o governo federal fez de tudo para que essa base de cálculo não fosse aprovada. Tudo em nome de que não possui uma fonte específica para isso.

Embora, é sabido que recursos financeiros não faltam, sobretudo quando analisamos o resultado do Orçamento da Seguridade Social. Há anos evidenciam superávits. Mas, grande parte é direcionada ao pagamento de juros da dívida, a fim de manter superávit primário, uma política econômica restritiva em termos de cortes dos gastos sociais. Esse direcionamento tem nome: Desvinculação das Receitas da União (DRU). Um dia depois de definido que o SUS não contaria com maiores recursos, o governo conseguiu aprovar no Senado, no mesmo mês de dezembro de 2011, o projeto que propunha a continuidade da DRU até 2015, dando continuidade a que 20%  das receitas da seguridade social fossem dirigidas a outras finalidades, como dissemos referentes ao conteúdo de políticas econômicas restritivas.

Nesse sentido, já  sabemos que o movimento ‘Brasil mais 10’ terá pouco sucesso, na medida em que a União não quer se comprometer com o aumento do financiamento e questiona de onde irá tirar mais dinheiro para bancar a saúde. A LC 141, por melhores que tenham sido as intenções de seus proponentes originais, apenas sancionou o comprometimento atual dos Estados e dos Municípios. Mediante a manutenção da base de cálculo anterior da União (EC 29), abriu-se mão da assegurar uma maior responsabilidade dessa esfera na sustentabilidade do SUS.

Enquanto isso, apenas nos resta exigir que a LC 141 coloque um fim à acirrada luta para que os recursos aplicados pelos governos federal, estadual e municipal sejam realmente dirigidos às ações e serviços de saúde, buscando diminuir os conflitos que já mencionamos. Isso porque, a partir dessa fica definido, uma vez por todas, as despesas que devem ser consideradas como ações e serviços de saúde e daquelas que não se enquadram nesse conceito (artigos 2º a 4º). Agora, tudo indica que a luta entre as Secretarias Municipais de Saúde (SMS) e as Secretarias de Finanças deve diminuir de forma significativa.

Mesmo assim, muito se tem a discutir sobre algumas definições.



JC – Qual o valor aplicado no Brasil em comparação a outros países que possuem sistema universal de saúde?

Áquilas: Ainda que, com a criação da EC29 em 2000, o Brasil obteve  um aumento do gasto público em saúde (SUS), passando de 2,89% do PIB, em 2000, para 3,7% do PIB, em 2011, e revela-se totalmente insuficiente para ser universal e garantir o atendimento integral. Isso porque, para o Brasil atingir o nível dos países com sistemas universais de saúde, como Reino Unido, Alemanha, França, Espanha, etc., precisaria quase dobrar a participação do SUS em relação ao PIB, a fim de equiparar à média desses países europeus, isto é, 6,7%.

No caso brasileiro, é significativo considerar, também, na avaliação do gasto público, o incentivo concedido pelo governo federal à saúde privada, na forma de redução de imposto de renda a pagar da pessoa física ou jurídica, o que é aplicada sobre despesas com Plano de Saúde e/ou médicas e similares. Além disso, há que acrescentar as renúncias fiscais que experimentam as entidades sem fins lucrativos e a indústria farmacêutica, por meio de seus medicamentos.

 Nota-se que o  total desses benefícios tributários  à saúde privada vem crescendo de forma considerada. Registre-se: R$ 7,8 bilhões, em 2007; passando para R$ 12,4 bilhões, em 2010, sendo que as estimativas para 2011 indicam a continuidade do crescimento, R$ 13,5 bilhões. Sem dúvida, essa situação nos remete à problemática relação entre o mercado privado e o padrão de financiamento da saúde universal, e ao mesmo tempo, suas conseqüências em relação à temática da equidade, tão importante para a sobrevivência do SUS.

Além disso, não se pode esquecer também o montante de recursos que o SUS vem repassando às entidades privadas (OSS) para assegurar a gestão das unidades públicas. Para se ter uma idéia, do orçamento da SES/SP para 2012, cerca de 25% do seu total está alocado para a Coordenadora de Gestão de Contratos – responsável pelas OS. Já no Município de São Paulo, do total do orçamento da SMS (R$ 6,7 bilhões), aproximadamente quase a metade está direcionada às entidades privadas.

Dessa forma, parece-me fundamental ampliar o debate sobre o financiamento da saúde. Uma possibilidade seria buscar a construção de consensos às políticas e instituições responsáveis pelas políticas universalistas, assegurando o modelo de desenvolvimento econômico com ampliação dos direitos sociais. Para tanto, vimos discutindo e analisando as seguintes propostas. Algumas delas foram apresentadas pelo Fórum em Defesa do SUS e contra a privatização e aprovadas na 14º Conferência Nacional de Saúde. São elas:

a) ampliar a defesa pela construção de uma política macroeconômica que supere o quadro da política mantida pelos governos federais, ancorada no regime de metas para a inflação, enfrentando os interesses daqueles que se beneficiam dos juros elevados e da insensatez da valorização de nossa moeda. Para isso, será necessário reconhecer que as decisões  das políticas econômicas procurem sempre privilegiar os objetivos sociais, no sentido de garantir uma proteção social (direitos sociais) de forma mais segura e definitiva, por meio de assegurar maior sustentabilidade financeira para a seguridade social e para o SUS;

b) perseguir na defesa pela meta de aplicar, no mínimo, 6,7% do PIB em saúde pública, garantindo a universalidade da saúde (SUS);

c) assegurar a universalidade, principalmente no cenário da crise mundial no capitalismo contemporâneo sob o domínio do capital financeiro, a fim de garantir mais recursos, por meio de propostas alternativas de financiamento, sem abrir mão da manutenção do financiamento da seguridade social.

Enfim, essas medidas, somadas à garantia de um mínimo de compromisso do governo federal (Movimento Saúde mais 10%), podem abrir caminho para o País, de fato, implantar o direito universal da saúde, aproximando sua despesa, enquanto proporção do Produto Interno Bruto, dos demais países que contam com um sistema público universal de saúde.

JC – Devido à proximidade das eleições, quais os principais desafios encontrados pelos gestores ao final de seus mandatos para preparar o processo de transição?
Áquilas: A melhor forma seria garantir um trabalho de transição, de forma a orientar os novos gestores sobre as obrigações inseridas na LC 141. Há vários pontos, mas gostaria de ressaltar principalmente um, o artigo 14 da Lei. “O Fundo de Saúde, instituído por Lei e mantido em funcionamento pela administração direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, constituir-se-á em unidade orçamentária e gestora dos recursos destinados a ações e serviços públicos de saúde, ressalvados os recursos repassados diretamente às unidades vinculadas ao Ministério da Saúde”.

A novidade é constar o Fundo Municipal de Saúde enquanto unidade orçamentária. Muitos Municípios pequenos, talvez não teriam problema, porque somente dispõem de uma unidade orçamentária (UO) A SMS denominaria a única unidade orçamentária da Secretaria em Fundo Municipal de Saúde. O problema fica para os Municípios grandes, em que a Secretaria, muitas vezes, dispõe de várias unidades orçamentárias. Nesse caso, será necessário criar uma UO Fundo e as demais serem incorporadas como programas ou projetos e/ou atividades orçamentárias.

Assim, com  a obrigatoriedade de os fundos de saúde serem unidades orçamentárias, aqueles que não o são, haverão de sê-lo. Para tanto, será preciso revisar a Lei de criação do Fundo de cada Município, e como isso leva tempo, caberá ao atual governo dar início a esse processo para que o próximo possa dar sequência. Ainda, é importante dizer que pela redação do art. 14, ficam ressalvados os recursos que se destinarem às unidades vinculadas às suas SMS, conforme ocorre com as autarquias e fundações que são unidades vinculadas e supervisionadas.

JC – Como citado durante o Seminário da LC 141, quais os principais pontos dúbios encontrados pelo gestor no texto da referida Lei?

Áquilas: A LC 141 avançou na definição dos mecanismos de transferência e de aplicação dos recursos da esfera federal e das esferas estaduais aos Municípios, com base na redução das disparidades regionais de saúde (arts. 17 e 19). Devem ser respeitadas as necessidades de saúde da população, as dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica, espacial e de capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde, e, ainda, complementados pelo art. 35 da Lei 8.080.

No entanto, esse deverá ser um conflito nas discussões da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e das Bipartites (CIB) e os Municípios terão bastante trabalho para entrar em acordo com os Estados e o MS. Como forma de subsídios a metodologias de alocação que levem em consideração tais critérios da LC141, temos como base alguns Estados que já vem desenvolvendo repasses Fundo a Fundo, por meio de metodologia de alocação de recursos equitativa, baseada em necessidades de saúde, como por exemplo Minas Gerais, em andamento há 9 anos.

Caberá a nós, conhecermos essa experiência e buscar uma reflexão crítica, adaptando à realidade de cada Estado. No tocante ao artigo 17, no parágrafo 3, há um reforço à ideia de responsabilização entre os gestores do SUS. O Poder Executivo, ao repassar os recursos, deve fazê-lo com base no Plano Nacional de Saúde, conforme o termo de compromisso de gestão firmado entre os três entes. Esse termo deve contribuir para reforçar a implantação do Contrato Organizativo de Ação Pública de Saúde (COAP), que vem sendo discutido no âmbito do SUS direcionado às regiões de saúde, com implantação prevista esse ano para Mato Grosso do Sul e Ceará. 

O nosso Estado já está discutindo o COAP através da realização de Oficinas Regionais, organizadas pelo COSEMS/SP e pela SES-SP. Parecem e fundamental o alargamento desse debate, assim como São Paulo está fazendo. 

JC – A LC 141 ratifica, autoriza e  legitima o repasse Fundo a Fundo dos Estados aos Municípios. No Estado de São Paulo este dispositivo ainda não é utilizado. O Estado já poderiam iniciar este processo em 2012?

Áquilas: Já existe esse mecanismo  em outros Estados, como dissemos na resposta anterior. Aqui em São Paulo esse debate tem levado anos. Há fatores burocráticos que vem emperrando a adoção desse mecanismo. Agora, a partir da LC 141, o procedimento já pode ser realizado, já existe o trâmite legal. Aliás, o Estado de São Paulo deveria dar o exemplo de implantar esse repasse em primeiro lugar em relação a outros Estados.

Sabe-se que, recentemente, acordou-se que seria implantado o ‘PABinho’ para os Municípios. Nesse momento, devese adiantar para um repasse Fundo a Fundo aos Municípios, muito mais global, isto é, que não se restrinja aos recursos da Atenção Básica. Tudo isso está estabelecido na LC 141. Confiamos na vontade política dos dirigentes do SUS estadual. A manutenção de convênios de recursos deve ser cada vez mais uma raridade no SUS. Contudo, sabemos que ainda dependerá da luta dos Municípios na discussão com o Estado.

JC – Como consultor para o trabalho de construção de incentivo financeiro do COAP, como o senhor avalia a implementação do contrato no Estado de São Paulo e quais as medidas que serão tomadas caso os Municípios não cumpram os termos firmados?

Áquilas: Antes de mais nada, o importante seria saber quanto de recurso virá para a execução dos contratos, tanto do MS como da SES-SP. Na realidade, essa informação dependerá de um acordo entre os três gestores do SUS, incluindo os Municípios. Sabemos que os Municípios nesse Estado, aplicam, em média, mais de 22% do total de sua receita de impostos e transferências constitucionais em saúde. É importante conhecer o montante de recursos que a SESSP (recursos do tesouro estadual) disponibilizará.

Nesse sentido, será preciso incluir nas discussões regionais que o COSEMS/SP e a SES-SP vem realizando para construir o COAP nas regiões, o montante que será assegurado por parte do Estado de São Paulo. O mesmo vale para o MS. Não é possível discutirmos as ações e serviços de saúde que dizem respeito a implantação das Redes Temáticas de saúde, sem que se trabalhe com estimativas de valores financeiros. Bem, com o advento da LC 141 essa discussão deve ganhar ritmo. Isso porque a SES-SP deve agilizar  o mecanismo de repasse Fundo a Fundo, conforme legalmente exigido pela Lei.

Fonte: Conasems - 31 de julho de 2013

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