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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

#MaisMedicos : Contribuindo com o debate: "Temos uma crise mundial de falta de médico que só tende a piorar"

Falta consistência ao programa Mais Médicos, diz brasileiro da OMS

na FSP

O brasileiro Mario Roberto Dal Poz, que coordenou por dez anos a área de recursos humanos em saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde), afirma que a vinda de médicos estrangeiros é "uma medida de curto prazo que não se sustenta".
Dal Poz, 63, que se aposentou na OMS e voltou a ocupar o cargo de professor na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), diz que vários países adotam programas consistentes para atrair profissionais às regiões ermas.
O Canadá e a Austrália, por exemplo, oferecem um pacote de benefícios que inclui busca por emprego para o cônjuge do médico (a), suporte escolar para os filhos, suporte psicológico e social, rede de apoio e sistemas de supervisão à distância. A seguir, trechos da entrevista à Folha.
*
Folha - A chegada dos médicos cubanos acirrou ainda mais o embate entre o Ministério da Saúde e os médicos. O sr. vê alguma chance de acordo?
Mario Roberto Dal Poz - É uma situação muito ruim. Não há ninguém da área de saúde pública que ache positivo um conflito com o Ministério da Saúde nesses termos. Ninguém conversa com ninguém. Mas tem um aspecto positivo na cooperação com Cuba. O programa cubano na área de medicina de família é muito reconhecido no campo internacional, e é ruim essa crítica de que os médicos cubanos são mal formados.
A questão é que a vinda dos médicos estrangeiros é uma medida de curto prazo que não se sustenta. Muitos países que têm esse problema de déficit de médicos e de desigualdade na distribuição. É uma crise global.

Por que?
Temos uma crise mundial de falta de médico que só tende a piorar. Os EUA estão ampliando a cobertura por mecanismo de seguro. Isso vai exigir mais médicos daqui uns anos. Na Europa, também está crescendo o déficit de médicos e enfermeiros. A previsão é nos próximos dez anos haverá um déficit de 1 milhão de médicos.
No Brasil, expandimos os serviços através do SUS e dos planos e saúde privados, e as pessoas estão demandando mais serviços de saúde.
Em geral, os países industrializados têm mecanismos de regulação médica muito mais detalhada do que o Brasil tem. Eles determinam um X número de especialistas que pode entrar nos sistema. A abertura de novas escolas médicas é muito limitada, muito controlada.

Como são nos países os programas para a fixação de médicos nas regiões distantes?
Um das coisas mais difíceis é a pessoa sair do seu conforto, migrar. E ela só faz isso quando está certa de que será para melhor. Mas não é só salário que atrai o médico. Em Manchester [cidade inglesa], por exemplo, há mais médicos de Malawi [país africano] do que em Malawi. Além de ótimos salários, eles têm condições para criar os filhos e rede social de apoio, de proteção.
Os cubanos estão vindo como parte da sua formação, eles têm uma carreira que inclui trabalho no exterior.
A Austrália tem uma experiência muito interessante de contratação de médicos rurais, que também envolve médicos de outros países. Parte do programa inclui buscar emprego para o marido ou a mulher, suporte escolar para os filhos, suporte psicológico e social, rede de apoio, sistemas de supervisão à distância, internet. A mesma coisa acontece no Canadá.
Todos os programas de sucesso têm quatro componentes: o primeiro é a formação, buscam médicos que provêm de áreas rurais ou que estudaram em escolas rurais.
O segundo elemento é a regulação. Às vezes, são subsidiadas certas especialidades que não são tão atrativas quanto outras. O terceiro elemento são incentivos econômicos, condições de trabalho, equipamentos, tecnologia. O quarto elemento envolve programas de apoio profissional e pessoal, supervisão e medidas que tenham reconhecimento público. Na Tailândia, o rei promove um encontro e premia os dez melhores médicos rurais.

Como o sr. avalia o programa "Mais Médicos"?
Não há um conjunto de medidas, de intervenções que deem sustentabilidade ao programa. Nem no tipo de contrato, que não prevê direitos trabalhistas.

Precisamos mesmo de tantos médicos? As enfermeiras não poderiam estar ocupando funções reservadas hoje ao médico, como o parto?
É importante ter médico, mas não só medico. E têm lugares que talvez nem precisasse de médicos, bastaria um outro profissional qualificado, dependendo do que precisa ser feito. Essa é uma discussão que também precisa ocorrer. Para fazer promoção de saúde, o médico não é necessariamente o melhor.
Em vários outros países, o médico é reservado para funções mais nobres.
Nos países nórdicos o parto normal não é feito pelos médicos. Você tem parteira de nível técnico ou superior fazendo isso. Será que não deveríamos discutir essas coisas no Brasil?


COMENTÁRIO:
Gostei muito da entrevista do Professor Mario Roberto Dal Poz. Em muitos pontos temos posições semelhantes.

Primeiro: ele não disse exatamente assim, mas temos que parar com esta postura de "FlaFlu" na discussão. "Não há ninguém da área de saúde pública que ache positivo um conflito com o Ministério da Saúde nesses termos. Ninguém conversa com ninguém."
A turma das entidades médicas perdeu a batalha da comunicação. Passou para a sociedade imagem de soberba, xenofobia e corporativismo. Impressionante a falta de noção das palavras de ordem e dos cartazes brandidos e exibidos durante as manifestações dos jalecos brancos. A turma PERDEU A CHANCE DE SE COLOCAR DE FORMA CONSTRUTIVA. Esta postura não leva a nada.
O governo aproveitou a onda e está surfando nela com muita desenvoltura. 

Segundo: Estamos falando de 5.000 ou até 10.000 médicos (entre estrangeiros e brasileiros que venham a sobreviver no programa). Parece incrível que ninguém tenha atentado para isso: são 10.000 em um universo de quase 400.000 médicos "nativos" (ou, usando o jargão do surf: "locais") e cerca de 5500 municípios com demandas sempre crescentes. 
É ÓBVIO QUE O PROGRAMA SOZINHO NÃO RESOLVE. "...a vinda dos médicos estrangeiros é uma medida de curto prazo que não se sustenta."

Terceiro: Daqui a pouco as pessoas vão perceber que continuam os mesmíssimos gargalos, as filas, as dificuldades de acesso a consultas, exames, internações e tudo mais. 
Daí vamos ter que correr atrás de coisas básicas (mas nem tanto) como é o caso da Regulação, da Contratualização corajosa de serviços, do fazer valer o poder de compra do setor público para ORDENAR A OFERTA e não apenas COMPRAR O QUE ESTÁ SENDO OFERTADO.
"Às vezes, são subsidiadas certas especialidades que não são tão atrativas quanto outras."
Se o Ministério da Saúde não atentar para estas questões, o #MaisMedicos será um tiro no pé.

Quarto: As entidades médicas ainda não acordaram, mas na minha humilde opinião, o que estamos assistindo é o embrião da carreira do SUS. O Ministério da Saúde realizando seleção, contratação e colocação de profissionais em áreas necessitadas.
Tudo bem, não tem contrato... mas eu acrescento: não tem contrato AINDA. Ou será que alguém acredita que - ao final do terceiro ano do programa - a turma vai simplesmente dispensar os caras e chama-los de volta para casa? 

Quinto: "É importante ter médico, mas não só medico. E têm lugares que talvez nem precisasse de médicos, bastaria um outro profissional qualificado, dependendo do que precisa ser feito."
"Para fazer promoção de saúde, o médico não é necessariamente o melhor.
Em vários outros países, o médico é reservado para funções mais nobres.
Nos países nórdicos o parto normal não é feito pelos médicos. Você tem parteira de nível técnico ou superior fazendo isso. Será que não deveríamos discutir essas coisas no Brasil?"
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