Carolina de Assis e Vanessa Martina Silva | São Paulo - no Opera Mundi
Desde 1990, mulheres se organizam em todo o mundo no dia 28 de setembro para pedir aos governos o acesso ao aborto legal e seguro.
Em menos de um mês, o noticiário reportou a morte de duas mulheres em decorrência de abortos clandestinos e inseguros no Brasil. Jandira Magdalena dos Santos, de 27 anos, no Rio de Janeiro, e Elizângela Barbosa, de 32 anos, em Niterói, desapareceram ao se submeterem ao procedimento em clínicas clandestinas. Histórias como essas são recorrentes em países como o Brasil e na maioria da América Latina e do Caribe, onde a interrupção voluntária da gravidez é criminalizada. Por essa razão, grupos de mulheres em diversos países na região se mobilizam desde o início dos anos 1990 em torno do dia 28 de setembro, dia Latino-Americano de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto, e também dia de Ação Global para o Acesso ao Aborto Seguro e Legal.
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Campanha existe há 14 anos e mobiliza centenas de mulheres: "meu corpo é meu, eu decido"
As datas marcam o ápice de uma campanha permanente que exige dos governos a despenalização do procedimento, a facilitação do acesso a serviços de aborto seguro e o fim da criminalização das mulheres que tomam essa decisão.
Na América Latina, estão alguns dos países com as leis mais restritivas do mundo com relação ao aborto. Em Nicarágua, El Salvador, Chile, Honduras e República Dominicana, a prática é crime em qualquer circunstância, inclusive quando a vida da mulher corre perigo. Venezuela, Paraguai, Argentina, Bolívia, Colômbia, Peru e Brasil proíbem a interrupção voluntária da gravidez, mas permitem o procedimento em algumas situações, como gestação decorrente de estupro ou risco de morte para a mulher. Apenas em Uruguai, Cuba, Guiana, Guiana Francesa e na Cidade do México o procedimento é legal, e a mulher pode interromper voluntariamente a gravidez, com segurança, no sistema público de saúde desses países. O Uruguai, o último país a legalizar o aborto na região, no fim de 2012, registrou a realização de 6.676 abortos seguros no primeiro ano de vigência da nova lei – e nenhuma morte por complicações decorrentes dos procedimentos realizados na legalidade.
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Organização Mundial da Saúde
Segundo estudo da OMS (Organização Mundial da Saúde), são realizados anualmente 22 milhões de abortos inseguros em todo o mundo, e 98% desses procedimentos ocorrem em países em desenvolvimento, onde a prática é majoritariamente criminalizada. A proporção de mortalidade devido a complicações decorrentes de aborto inseguro costuma ser mais alta nos países com restrições ao procedimento, e mais baixa nos países onde as mulheres têm livre acesso a serviços seguros. Na América Latina e no Caribe, a taxa é de 30 mortes a cada 100 mil abortos inseguros; nos Estados Unidos, onde a prática é legal em alguns estados e realizada em condições seguras, a taxa é de 0,7 mortes a cada 100 mil procedimentos legais.
Campanha Alianza Nacional Andar
Mulheres de diversos países da América Latina e da Europa se mobilizam para pedir mais direitos
A OMS ressalta que nenhum método contraceptivo é 100% eficaz, e estima que 33 milhões de usuárias de métodos anticoncepcionais fiquem grávidas acidentalmente a cada ano. “O abortamento ser ou não legal não produz nenhum efeito sobre a necessidade de praticá-lo, porém, afeta dramaticamente o acesso das mulheres a um abortamento em condições seguras”, afirma o relatório.
De acordo com a Ipas, organização não-governamental que promove direitos reprodutivos nas Américas, a criminalização do aborto penaliza “mulheres jovens e pobres, sem educação e que têm uma gravidez indesejada”. São elas que mais se submetem a métodos ilegais e inseguros e, são elas que são majoritariamente investigadas, presas e processadas nos países em que a interrupção voluntária da gravidez é ilegal. Ainda segundo a instituição, “mulheres com melhores condições financeiras podem viajar, ou recorrer a uma clínica particular que possa realizar o procedimento” em condições seguras.
Assim, as leis que penalizam o aborto, portanto, se dirigem às mulheres mais vulneráveis. O Código Penal brasileiro, por exemplo, em artigo de 1940, prevê pena de detenção de um a três anos para a gestante que provoca o aborto, e um a quatro anos de prisão para quem faz o aborto com o consentimento da mulher grávida. Somente no estado do Rio de Janeiro, onde Jandira e Elizângela morreram, entre 2007 e 2011, 334 mulheres foram presas por terem realizado um aborto. Destas, 45% tinham menos de 24 anos, 55% não eram brancas, 78% eram solteiras e 53% tinham somente educação primária.
Flickr/ CC/ Montecruz Foto
Campanha realizada no Uruguai, onde aborto foi legalizado
No entanto, milhões de mulheres em todo o mundo realizam o procedimento em países onde o aborto é ilegal sem serem flagradas e penalizadas. No Brasil, por exemplo, um estudo realizado em 2010 pela antropóloga Debora Diniz e pelo sociólogo e economista Marcelo Medeiros mostrou que o procedimento é realizado cotidianamente por mulheres de todas as classes sociais. A Pesquisa Nacional do Aborto entrevistou 2.002 brasileiras, entre 15 e 39 anos, e concluiu que uma em cada cinco brasileiras faz pelo menos um aborto até os 40 anos. Esse índice representaria 5,3 milhões de mulheres (de acordo com o IBGE, a população feminina do país nessa faixa etária em 2010 era de 35,6 milhões).
Para garantir que mulheres não sejam submetidas a procedimentos inseguros e ilegais, coletivos de mulheres em diversos países se reunirão em manifestações públicas neste domingo e nos próximos dias, para reivindicar o direito ao próprio corpo e exigir dos Estados que garantam mais direitos e o acesso ao aborto legal e seguro. Há eventos programados em São Paulo, Quito e Buenos Aires, e também em várias cidades da Espanha, além de Londres, Edimburgo e Viena.
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