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domingo, 23 de novembro de 2014

Beto Batata em sua despedida: “Do tiro me recuperei, da violência do Estado não”


Trajetória do Beto Batata chega ao fim

Restaurante que é uma espécie de centro cultural, a casa fecha as portas no ano que vem, depois de 15 anos de música e arte


No dia primeiro de dezembro de 1999, o empresário Robert Amorim, viu-se diante de um dilema. Era o final do primeiro ano de seu restaurante Beto Batata, então uma pequena porta de um antigo armazém no bairro Alto da XV.

As coisas andaram bem e algum dinheiro tinha sobrado no caixa. “Eu ia ao Mercado Municipal a pé ou de ônibus comprar as batatas. Pensei: ‘será que compro um carro ou um piano”, relembra.
1 Milhão de batatas-suíças, foram preparadas em 15 anos de Beto Batata.
40 Músicos contratados trabalhavam no Beto Batata antes da blitz da AIFU em 2011.
29 de março é a data do show de Jards Macalé que encerra das atividades do Beto Batata.

Beto se presenteou com o instrumento que está lá até hoje, e faz aniversário no próximo domingo. E durante a década e meia que se seguiu, o espaço foi uma ilha de bom gosto e respeito à música.

Muitos dos melhores músicos do país – inclusive “todos” os artistas curitibanos – tocaram no Beto Batata. De Arrigo Barnabé a Waltel Branco, de Roberto Gnatalli ao Época de Ouro. Além de inúmeras exposições e projetos de artes visuais, poesia e outras linguagens. “Cheguei a ter até 40 músicos trabalhando para mim – a folha de músicos era maior que a de funcionários”, orgulha-se Beto.

Uma trajetória com hora marcada para terminar. No dia 31 de março do ano que vem, Beto vai devolver o imóvel de sua “aldeia” ao proprietário. No dia seguinte, os tratores colocarão abaixo os casarões e o imponente jardim, e preparar o terreno para mais um empreendimento imobiliário.

“Está cada dia mais difícil de vir aqui e olhar os vitrais do João Osório Brzezinski, a parreira que fica carregada nesta época do ano, o jardim que nós plantamos muda por muda. É uma situação difícil, mas não eu não vou esmorecer”, afirma Beto.

O bota-fora oficial já está programado. No dia 29 de março, aniversário de Curitiba, o amigo Jards Macalé virá fechar as portas a convite de Beto. Ele nem quis cobrar cachê, me disse: ‘estou nessa, vamos lá fazer história’”, conta Beto.

Olhando para trás, Beto faz um inventário afetivo de sua história e se envaidece do fato que muitas pessoas que trabalharam com ele hoje são donas dos próprios restaurantes. “Eu não tenho casa própria, não tenho carro, vou ter dificuldades em fechar, mas me sinto um milionário. Faria tudo de novo. Tenho muito para dar e me sinto em uma das minhas melhores fases da vida”, diz.

Ativos

Nestes 15 anos, Beto estima ter preparado mais de um milhão de batatas. Segundo suas contas, a casa movimentou perto de US$ 3 milhões. Ativos que circularam, pois “não são para ficar imobilizados”.

“Não tenho um tostão, mas sou um homem de muita nota. Não sou dono de nada. Sou apenas o fiel depositário”, filosofa.

Ele reconhece que nem tudo foi melodia e batatas, ao lembrar as duas violências que sofreu: um assalto em 2010 — ele foi baleado de raspão em uma truculenta blitz da Ação Integrada de Fiscalização Urbana (AIFU), em 2011. “Do tiro me recuperei, da violência do Estado não”, lamenta.

Foi um espetáculo triste de profunda ignorância. A casa estava cheia. Crianças e senhoras que ouviam um concerto de piano e oboé numa noite chuvosa de domingo. Todo mundo foi levado para a rua, sem pagar a conta, a casa ficou fechada três meses. Tinha 25 funcionários e tive que mandar todos embora, nunca mais me levantei financeiramente”, explica.

“Mas não tenho mágoa não. Não dá para ter raiva de quem tem raiva”, conclui.

Para o futuro, Beto disse que vai dar um tempo, recarregar as energias, mas que já está de olho em um outro imóvel para dar “a volta por cima”.

Até lá, o piano fica guardado.

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