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terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

SUS em risco: A armadilha embutida na volta do auxílio emergencial

"A volta do auxílio será compensada com as “fartas economias que o governo fará no médio e longo prazo a partir da desvinculação das despesas obrigatórias” 
GUEDES,Paulo.


do Outra Saúde (via e-mail)


RISCO HISTÓRICO

A primeira parte da conta da vitória de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Arthur Lira (PP-AL) às presidências do Senado e da Câmara não demorou a chegar – e, ao contrário do que se pensava, pode ser cobrada não de Bolsonaro, mas do SUS. Ontem pela manhã, Pacheco confirmou que colocará em votação na quinta-feira a PEC Emergencial. Logo depois, a Folha publicou a primeira reportagem explorando o conteúdo do relatório do senador Márcio Bittar para a proposta, enviado a lideranças partidárias na noite de domingo para uma rodada avaliação antes de ser protocolado. E lá está uma ideia que vem circulando há tempos e havia sido defendida na véspera por Lira em entrevista ao Globo: a desvinculação do orçamento, com extinção dos pisos para saúde e educação.

A cereja do bolo? A garantia de financiamento mínimo para as áreas sociais – que no caso da educação só deixou de existir em períodos autoritários, como lembra o Estadão, e no caso da saúde foi conquistada em 2000 e regulamentada a duras penas em 2012 – aparece como escambo para a reedição de algumas parcelas do auxílio emergencial.

Com isso, o governo Bolsonaro sai ganhando em várias frentes. Por um lado, o presidente não precisa extinguir abono salarial ou Farmácia Popular, como defendia Paulo Guedes no contexto do fracassado anúncio do Renda Brasil. Por outro, seu ministro da Economia vê em discussão uma proposta que defende desde a posse: a desvinculação dos gastos sociais para União, estados e municípios.

Ao contrário de quando foi formalizada pela primeira vez, na PEC do Pacto Federativo, a mudança na regra de financiamento da saúde e da educação agora tem menos resistência dentro do Congresso, segundo Bittar (que é relator das duas propostas). Se soma ao apoio explícito de Lira uma declaração de Pacheco dada ontem: o presidente do Senado se disse “simpático” à desvinculação. Mas retomou outra ideia que já tinha aparecido na tramitação do Pacto Federativo: a unificação dos pisos das duas áreas. Esse seria, segundo ele, um “caminho de meio termo interessante para o Brasil”.

As bancadas da saúde e da educação estão se articulando para derrubar a desvinculação, mas ainda não ficou claro se haverá oposição semelhante caso vingue o “meio termo” da unificação dos pisos – que também foi muito criticado por especialistas quando surgiu na PEC do Pacto Federativo, dentre outras razões por colocar as duas áreas em uma guerra fratricida.

Na época, o economista Carlos Ocké analisou a proposta a pedido do Outra Saúde: “O governo federal se utiliza de argumentos demográficos para dizer que, com o aumento da população idosa e a diminuição da taxa da natalidade, a tendência é que haja demanda maior por saúde do que por educação e isso poderia ser calibrado lá na frente. Mas, na verdade, você vai acabar prejudicando esses dois segmentos populacionais. Não podemos perder de vista que a crise econômica e o próprio ajuste fiscal vêm piorando as condições de vida e saúde da população, como atestam estudos sobre austeridade fiscal no Brasil e na Europa. E isso inclusive tem feito com que a pressão sobre o SUS aumente, como se já não bastasse a pressão decorrente do aumento da violência, da pobreza e da desigualdade.” Se isso era verdade em 2019, imagina em 2021, no pior momento da pandemia para o Brasil?

Em relação à extinção dos pisos, muitos juristas defendem que seria inconstitucional fazer qualquer mudança, pois sendo os direitos à saúde e à educação cláusulas pétreas da Constituição a falta de sustentação financeira violaria sua garantia.

Para estados e municípios, o piso constitucional da educação é de 25% da receita. No caso dos serviços e ações de saúde, é de 12%, para estados, e 15% para prefeituras. Com a aprovação da EC 95, do Teto de Gastos, o financiamento da União nas duas áreas passou a ser calculado com base no valor desembolsado no ano anterior corrigido apenas pela inflação. Especialistas em financiamento da saúde vem denunciando perdas bilionárias para o SUS desde que se instituiu o teto e defendendo sua extinção. Ontem mesmo, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva enviou uma carta ao Congresso em que reforça o pleito.

PRESSÃO DO AUXÍLIO

A transposição de conteúdos da PEC do Pacto Federativo para a PEC Emergencial choca porque, como o nome já diz, essa última proposta surgiu no contexto da pandemia para dar conta de problemas intrínsecos a ela. Sua votação deve acontecer em ritmo acelerado – Rodrigo Pacheco projeta uma aprovação no Senado no mesmo dia em que a proposta entra em pauta, ou seja, na quinta-feira. Para isso, precisa de 49 votos.

E já se negocia com o governo que a passagem pela Casa destrave, finalmente, o auxílio emergencial. Com isso, o presidente enviaria uma MP para retomar o pagamento do auxílio já em março, desde que a Câmara dos Deputados assumisse o compromisso de também aprovar a PEC Emergencial. É necessário que 308 deputados votem a favor da mudança constitucional.

Os valores e a duração do auxílio ainda estão sendo discutidos. Bittar defende R$ 300 – e ontem Arthur Lira disse que o Congresso tem que ter “responsabilidade” para não ultrapassar esse valor. Segundo a Folha, o governo queria pagar três parcelas de R$ 200, mas aceitaria uma negociação em que o valor subisse para R$ 250. Já de acordo com o Valor, o governo deve propor quatro parcelas de R$ 250. A despesa fica em R$ 30 bilhões – e a PEC Emergencial garante que isso fique de fora do teto de gastos, da regra de ouro e da meta fiscal.

De acordo com o colunista Lauro Jardim, o ministro da Economia tem dito nos bastidores que a despesa com a volta do auxílio será compensada com as “fartas economias que o governo fará no médio e longo prazo a partir da desvinculação das despesas obrigatórias”.

TRAVAS E GATILHOS

Além da extinção dos pisos da saúde e da educação, o troco para a volta do auxílio será a instituição de regras para o estado de calamidade pública. Deve funcionar assim: se quiser criar despesas com impacto fiscal, o governo encaminhará ao Congresso um pedido para a decretação de calamidade. A partir daí, por dois anos ficam congelados os salários de servidores públicos e proibidas promoções, contratações e concursos, dentre outros. É o que Paulo Guedes está chamando de “novo marco fiscal”. De acordo com a apuração de vários veículos, a equipe econômica não considera necessário recorrer ao pedido de calamidade em 2021, uma vez que o auxílio seja destravado pela PEC Emergencial. Mas a verdade é que nada impede que isso aconteça ainda este ano, como lembra o Estadão.

O outro tipo de cenário emergencial disciplinado por essa PEC é aquele em que as despesas correntes de União, estados e municípios superam 95% das suas receitas correntes. Aí surgem os tais “gatilhos” para gastos públicos, semelhantes ao estado de calamidade: congelamento de salários, proibição de concursos, etc. Mas entrar ou não nesse regime dependerá da situação de cada ente. No caso da decretação de calamidade pública de âmbito nacional, as regras precisarão ser seguidas por todos.

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