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domingo, 9 de outubro de 2011

Emendas, o eterno foco de escândalos

Execução dos gastos inseridos nos orçamentos públicos por parlamentares não é rastreável. Por isso, essas despesas estão no centro de sucessivas denúncias de desvios


André Gonçalves na Gazeta do Povo
Vereadores, deputados estaduais, federais e senadores pelo Brasil afora têm nas mãos uma caixa-preta bilionária, fonte constante de escândalos nas últimas décadas – as emendas parlamentares. Em 2011, só as sugestões individuais apresentadas por congressistas compõem quase R$ 8 bilhões do orçamento da União para 2011. Saber como esse recurso está sendo aplicado, porém, é uma tarefa quase impossível para o cidadão.
Em meio aos labirintos orçamentários, não há formas de rastrear o encaminhamento da maior parte dessas propostas. Muitas das informações contidas em canais de divulgação sobre o tema, como o Portal da Transpa­rência (da Controladoria-Geral da União) e o Portal dos Convênios (do Ministério do Planejamento), têm acesso restrito ao público em geral. Além disso, praticamente todos os congressistas optam por emendas “genéricas”, cujo destino final só é conhecido ao longo da execução orçamentária.
Liberação da verba gera troca de favores
O diretor da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, questiona a falta de regras claras para a liberação de emendas e o tom político envolvido nas negociações. Na teoria, as emendas deveriam funcionar apenas como “contribuições” dos parlamentares à proposta orçamentária elaborada a cada ano pelo Poder Executivo. Na prática, contudo, acabam servindo como moeda de troca na relação entre poderes.
“É óbvio que parlamentares mais bem relacionados com o governo conseguem liberar mais emendas. É uma parte feia do jogo político, mas que não vem de agora”, diz o diretor da organização Contas Abertas, especializada em fiscalizar o destino do dinheiro público. Ao conseguir recursos para a construção de uma ponte, por exemplo, um deputado mostra empenho pela localidade beneficiada e garante propaganda com dinheiro público. Em contrapartida, oferece ao governo obediência nas decisões legislativas.
Eleito pela primeira vez em 2010, o deputado federal paranaense Edmar Arruda (PSC) destaca que o círculo vicioso não envolve apenas parlamentares e governo. “Infelizmente até muitos setores da sociedade civil organizada aprenderam a avaliar o parlamentar muito mais pelas emendas que eles conseguem executar do que pelo trabalho legislativo em si”, diz Arruda. Para ele, a saída seria reduzir as emendas e aumentar as transferências obrigatórias da União para estados e municípios. (AG)
Isso significa, por exemplo, que quando o recurso para a construção de uma quadra de esportes chega a uma cidade, não há como o contribuinte aferir por conta própria qual parlamentar fez a sugestão, nem qual foi o valor inicial do pedido.
Do total de 636 emendas individuais apresentadas pelos 30 deputados federais e 3 senadores paranaenses ao orçamento da União de 2011, 277 estão entre essas “genéricas”. Também co­­­nhe­­cidas como emendas “guarda-chuva”, elas não definem exa­­­­tamente em quais dos 399 municípios do estado serão aplicadas – apenas se encaixam em programas já definidos pelos ministérios. Juntas, elas somam R$ 263 milhões, equivalente a 61% do total de R$ 429 milhões em emendas individuais sugeridas pela bancada paranaense.
Ambiente propício
A falta de transparência gera o ambiente propício para desvios. Nos últimos dias, a Assembleia Legislativa de São Paulo virou alvo de denúncias de “venda” de emendas por deputados estaduais – o caso vai ser investigado pelo Ministério Público.
Em agosto, num outro escândalo, a Polícia Federal prendeu 38 pessoas acusadas de envolvimento no desvio de cerca de R$ 3 milhões de um convênio do Ministério do Turismo para treinamento de pessoal. A verba havia sido destinada por uma emenda da deputada federal Fátima Pelaes (PMDB-AP).
“Além de serem de difícil controle, as emendas não são eficientes do ponto de vista da gestão pública. Elas pulverizam em pequenos empreendimentos recursos que poderiam ser destinados, por exemplo, para o desenvolvimento regional”, diz o professor de Administração José Matias Pereira, da Univer­sidade de Brasília.

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