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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Serviços públicos não chegam às 122 favelas de Curitiba


no Bem Paraná

“Não me sinto parte da cidade modelo que aparece na TV”, diz morador de favela da Capital. Para estas pessoas, o serviço público não chega

“Não me sinto parte desta cidade modelo que dizem que é Curitiba. Isso é uma baita propaganda que não condiz com a realidade que vivemos”. O relato é de Tiago Roberto, 22 anos, morador da Vila 29 de Outubro, localizada próxima do bairro Caximba, em Curitiba. Há um ano no local, Tiago vive na vila que abriga 300 famílias, sendo 452 adultos e 251 crianças. Lá não é possível contar com rede de esgoto, água encanada e a luz, apenas puxando a fiação elétrica — os famosos “gatos”. O ponto mais acessível para se utilizar o transporte público fica a três quilômetros e, por isso mesmo, o perigo de violência, especialmente estupros, é eminente. 
A situação de Tiago é a mesma de muitas famílias em Curitiba. Segundo dados de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a capital do Paraná é a 5ª cidade brasileira com o maior número de favelas. Ao todo, são 122. São Paulo (612), Rio de Janeiro (513), Fortaleza (157) e Guarulhos (136) estavam na frente de Curitiba na época do estudo. No início de 2012 um novo panorama será divulgado pelo órgão com base no Censo 2010. 
Entretanto, as expectativas de melhora nestes números são baixas. As favelas há anos são partes integrais do sistema urbano do Brasil. O crescimento das cidades brasileiras foi acompanhado pelo surgimento e aumento da população favelada. Em algumas cidades, a parcela da população que vive em favelas passa dos 20%.
Um estudo americano intitulado de analisa o crescimento das favelas de 1980 a 2000.  A conclusão a que se chegou é que em 1980, pouco mais de dois milhões de pessoas viviam em favelas no Brasil, enquanto que, em 2000, esse número passou para quase seis milhões, aumento de 200%. O número de habitações classificadas como favelas saiu de 480 mil em 1980 para 1,5 milhões em 2000.

Cenário da invasão 29 de Outubro, na região da Caximba: sem infraestrutura alguma, energia elétrica só chega por meio dos “gatos” puxados de áreas vizinhas (foto: Franklin de Freitas)


Neste mesmo estudo, Curitiba aparece como a oitava cidade com maior crescimento da população vivendo em favelas no Brasil. Entre 1980 e 2000 houve uma alta anual de 10,7% de pessoas. Estima-se que em 1980, a população que morava em favelas em Curitiba era de 19.574 indivíduos e que em 2000 passou para 166.468, um crescimento de 750%. Fora a capital, a outra cidade paranaense que aparece no estudo é Ponta Grossa, com crescimento anual de 16,1%. 
O que os estudos dizem pode ser conferido em diversas regiões de Curitiba. Assim como Tiago, da Vila 29 de Outubro, em outras regiões há famílias que também reclamam das condições em que vivem. Ilhada por esgotos, a família de Ivanilda Guimarães, sobrevive há sete anos na Vila Pantanal, próxima do bairro Boqueirão, na capital.
Apesar da distância, a semelhança com a realidade de Tiago é grande. Ivanilda também vive sem luz, sem água, sem esgoto e convive com situações ainda mais insalubres. Freqüentemente, ratos e cobras invadem as casas e as doenças surgem, mas não são tratadas.
“Quando vamos ao posto de saúde nunca tem médico para nos atender. Quando existe algum, geralmente conseguimos apenas um horário e se dois filhos meus estão doentes, tenho que escolher quem será medicado”, relata Ivanilda, enquanto um de seus netos encontra uma caixa de remédio no lixo recolhido pelas ruas. “Olha vó. Agora tem remédio”, diz ele.
Para sair dessa situação, ela e outros moradores, como Maria José, que está há 21 anos na Vila Pantanal, aguardam as prometidas casas da Cohab (Companhia de Habitação Popular de Curitiba) . Segundo eles, a espera já dura mais de um ano e a fila não vem sendo seguida com rigor. “Atualmente existem casas desocupadas a menos de três quilômetros da Vila, mas o pessoal da Cohab vem aqui direto e nada muda. Eles dizem que não têm casas desocupadas, mas nós vemos”, dizem.
Da favela ao bairro — Rafael Greca, ex-prefeito de Curitiba e autor do livro “Da favela ao Bairro Novo” acredita que em Curitiba as favelas ainda não recebem muita atenção do governo. “Não tem segredo. Para o problema da habitação é necessário investimento, dinheiro”, diz ele. 


Segundo Greca, os programas habitacionais como o Minha Casa, Minha Vida não estão suprindo a demanda da cidade porque não contemplam a população que recebe até três salários mínimos. Além disso, o ex-prefeito diz que a cidade também está sofrendo como esgotamento de terrenos da Cohab para que novas casa populares sejam construídas.
“O que resta para a população de baixa renda é que a Prefeitura invista neles socialmente para que consigam sair desta situação. Aliás, o investimento precisa ser feito nas três esferas: federal, estadual e municipal e acredito que em nenhuma delas ele esteja sendo suficiente”, opina.
Greca, que em seu livro explora a formação da primeira favela do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1897, fala que a primeira favela em Curitiba foi percebida em 1909 por Emílio de Menezes, jornalista e poeta brasileiro. Ele veio visitar a cidade e escreveu: “Curitiba cresce. Os pobres e os sapos são empurrados para cada vez mais longe”. “Essa continua sendo a lógica da cidade. As ocupações acontecem em cima de áreas de rios e essas pessoas estão sendo jogadas para junto dos sapos”, completa Greca.
Vivendo junto não somente dos sapos, mas também de cobras e ratos, essas pessoas se dizem cansadas de esperar. “Enquanto estamos aqui no meio do esgoto, o prefeito está anunciando diversas melhorias para o centro da cidade. E nós? Ainda temos um pouco de esperança porque sabemos que tem gente que pode nos ajudar. Espero que nos tirem dessa situação. Precisamos de ajuda”, apela Maria, da Vila Pantanal. 

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