Especialistas e autoridades do próprio governo divergem sobre estratégias mais eficientes para eliminar pobreza extrema. Reforma agrária, para a qual o governo Dilma ainda não tem metas, e melhoria do salário e do mercado de trabalho são apontados como tão importantes quanto transferência de renda. 'Bolsa família não ataca desigualdade', diz professor.
Najla Passos na Carta Maior
BRASÍLIA – A ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, disse nessa quinta-feira (24) na Câmara dos Deputados que o programa de combate à miséria lançado pelo governo em junho já começa a cumprir metas. Ninguém duvida que erradicar a pobreza é urgente e necessária. Mas as estratégias possíveis e necessárias para se atingir este objetivo ainda dividem a esquerda, o PT e até mesmo o staff do governo.
O secretário nacional de Economia Solidária, o economista Paul Singer, elogia a ousadia e o ineditismo do Programa Brasil sem Miséria, lançado por Dilma com o objetivo de erradicar a pobreza extrema nos quatro anos de mandato da presidenta. E aponta qual seria o grande mérito. “A inclusão produtiva é o único eixo que nos dá esperança de que a erradicação seja permanente, e não apenas transitória”, justifica.
Isso porque, para Singer, a verdadeira batalha é impedir que a pobreza extrema volte a assolar o país, após a concentração dos esforços no prazo determinado. “Temos que criar condições para que nunca mais haja pobreza no Brasil. Em última instância, teremos que construir uma nova economia e uma nova sociedade, que não tolere a pobreza”, conclama.
O secretário sustenta que esta nova sociedade deverá ser calcada na democracia que, segundo ele, é a doutrina que não admite desigualdades. “No Brasil, já praticamos a democracia, com sucesso, no campo político. Agora, precisamos levá-la para a economia, para a educação e para todos os setores”.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) defende a utilização do Fundo Social do Pré-Sal para viabilizar a Lei 10.835, que institui a Renda Básica de Cidadania (RBC). A lei, de autoria do senador petista, foi sancionada em janeiro de 2004, mas ainda não saiu do papel. Prevê que todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país há mais de cinco anos, sejam eles ricos ou pobres, recebam mensalmente um rendimento mínimo capaz de lhe dar condições dignas de sobrevivência. “Isso acaba também com o constrangimento de se declarar pobre”.
Professor de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Pedro Demo é um crítico feroz das políticas exclusivas de transferência de renda, que tem no Bolsa Família o principal exemplo. “Pela primeira vez, o Brasil tem uma proposta parruda, mas ela não toca no cerne da questão: a redistribuição de renda. É por isso que até deputado do DEM aprecia: é boa, barata e não representa risco para a desigualdade”, diz. “E o pobre continua, permanentemente, beneficiário”.
O professor critica a estratégia apontada pelo secretário Paul Singer para resolver o problema. Segundo ele, é muito difícil imaginar uma forma de se colocar 16 milhões de brasileiros no mercado formal de trabalho. “Há, sim, como fazer a inclusão produtiva, mas será através da agricultura familiar, do cooperativismo, do empreendedorismo. E as iniciativas do governo, neste sentido, são ainda incipientes”.
Para o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Celso Lacerda, a reforma agrária é um caminho excelente para o combate à pobreza. E lamenta que, no Brasil, por razões de disputas políticas, ela seja tão mal vista por determinados atores sociais. “Precisamos qualificar a reforma agrária. Não basta conduzir política para realocar agricultores no campo. Precisamos garantir as condições de permanência das famílias”.
O governo prometeu em agosto, depois de uma marcha de sem-terra em Brasília, que montaria um plano de assentamentos com metas até 2104, mas até agora não o apresentou.
Celso lembra que, dos 16 milhões de brasileiros que vivem na pobreza extrema, sete milhões estão na área rural. E, o mais grave, 55 mil dentro de assentamentos instituídos pelo órgão. O alento, segundo ele, é que os miseráveis estão em assentamentos recém fundados. “Isso prova que, ao longo do tempo, mesmo em condições precárias, os assentados conseguem se desenvolver e melhorar de vida”, atesta.
Analisando as políticas para erradicação da pobreza no âmbito da América Latina e do Caribe, incluindo aí, obviamente, o Brasil, o secretário executivo-adjunto da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), Antônio Prado, aponta o aumento real dos salários e a diminuição do desemprego como políticas que realmente fazem a diferença.
“As políticas de transferências de renda são fundamentais, mas é o aumento real dos salários e a diminuição do desemprego as políticas preponderantes para alcançar este objetivo”, alerta ele.
Singer, Suplicy, Demo, Lacerda e Prado participaram de uma conferência sobre desenvolvimento promovida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) nesta semana, em Brasília.
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