Páginas

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Reflexões sobre um fumódromo



Desde que as autoridades se convenceram de que o tabaco faz muito mal à saúde os fumódromos tornaram-se um dos ambientes típicos de nossa época. Já que não era permitido fumar no interior de bares nem nos restaurantes, muitos menos no trabalho  nem nas escolas, era preciso encontrar um local onde os dependentes de nicotina pudessem satisfazer-se. Com os fumódromos, evita-se cenas desagradáveis entre fumantes e não fumantes.
Para os não-fumantes, o fumódromo tem a utilidade de manter longe de seu organismo aquelas
substâncias indesejáveis, que podem comprometer sua saúde. Para os fumantes, assegura o exercício de um direito – a nicotina não é uma substancia proibida, afinal de contas – sem obrigá-los a enfrentar a irritação de boa parte dos não-fumantes, que costumam tratá-los ora como pessoas egoístas, que não tem consideração pelo bem-estar dos outros, ora como pessoas de caráter fraco, porque incapazes de largar um costume que todos sabem que é prejudicial à própria saúde.
Os fumódromos evoluíram ao longo do tempo. No início, quando sequer tinham esse nome, havia áreas reservadas para fumantes em locais públicos – inclusive aviões. Mais tarde, o cigarro foi proibido em determinados ambientes – como os aviões – e autorizados em locais demarcados. Em muitas empresas, era comum manter-se uma sala – onde havia até uma máquina de café, às vezes – para os fumantes.
Em sua versão mais recente, muitos fumódromos são um não-lugar, digamos assim.
Você não pode fumar em nenhum ambiente fechado nem nas áreas onde pode encontrar os não-fumantes.
Mas é autorizado a ir para a calçada acender seu cigarro. E aqui temos uma situação interessante, que ajuda a entender nosso assunto.
Nossa visão sobre o cigarro transformou o fumante numa espécie de paciente de uma moléstia incurável.
Essa visão, com certeza, pode prejudicá-lo em sua vida profissional e até lhe dar uma condição de personagem repugnante. Quem nunca ouviu uma pessoa queixar-se daquele cidadão que “vive cheirando a cigarro?”
Em compensação, o fumódromo dá ao fumante um direito exclusivo. Ele pode sair do local de trabalho e passar alguns minutos em conversas relaxadas, onde pode escolher o assunto, não precisa dar satisfação aos demais nem submeter-se à rotina hierarquizada de toda empresa. Pode trocar idéias, fazer fofocas e até flertar.
Pode fazer isso várias vezes ao dia, até o limite em que o pulmão aguentar e seus superiores não considerarem um abuso. Minhas conversas com frequentadores de fumódromo revelam como isso é importante para eles.
Passei vários dias em entrevistas com frequentadores de um fumódromo instalado numa empresa de São Paulo. Estava fazendo um trabalho de antropologia.
Com 500 funcionários e perto de 50 fumantes, ela possui um fumódromo com bancos para as pessoas conversarem à vontade. A circulação de ar é boa e, salvo nos dias de chuva, ali é um bom lugar para se conversar.
O aspecto mais curioso deste fumódromo, porém, não reside em sua infraestrutura. São as relações entre as pessoas. Ir ao fumódromo tornou-se uma pausa agradável na rotina de pressão e cobrança de funcionários.
Ali as pessoas podem conversar com relativa liberdade, falar co menos receio e até
receber notícias de colegas que não encontram há muito tempo. Em toda parte o desprestígio do cigarro e as preocupações com a saúde permitiram que as empresas controlem quem é fumante e quem não é. Essa
situação fez diminuir o número de fumantes entre as pessoas que ocupam postos de chefia, já que o ato de não-fumar conta, perceptivelmente, com um ponto positivo na vida profissional. Por essa característica demográfica, digamos assim, há poucos chefes no fumódromo — o que só contribui para um clima de maior relaxamento e liberalidade.
Em dias diferentes, entrevistei dez frequentadores deste fumódromo. Um dos mais assíduos é Luís Antonio, 60 anos. Ele experimentou o primeiro cigarro quando começou  trabalhar, há 40 anos, e não largou mais. É um dos frequentadores mais presentes ao local. Está sempre por lá, me dizem — coisa que pude confirmar pessoalmente. Luis Antonio me diz que “pensa melhor” quando está ali.
Assim, quando tem alguma dúvida relacionada ao trabalho, precisa tomar uma decisão ou necessita uma
idéia nova, vai até o fumódromo, dá umas tragadas e em geral a solução logo aparece, me diz.
Mas não é só isso. Ele diz que toda empresa “é divida em tribos que não se misturam. No fumódromo, as
pessoas se aproximam.”
Como ocorre com muitos fumantes, há um temor profundo e oculto em relação aos males que o cigarro
provoca. Pergunto a Luiz Antonio quantos cigarros ele fuma por dia. Em vez de responder, ele me
explica que fuma uma marca que contém 1 miligrama de nicotina. “Os fumantes detestam esse
cigarro. Acham vergonhoso. Nem parece que é cigarro de verdade, porque tem pouca nicotina. O cigarro
normal tem até dez vezes mais.”
O fato de usar o cigarro como instrumento de trabalho tem outras implicações. Faz com que a presença
de Luiz Antonio no local seja diferenciada por outra razão. Muitas vezes ele fica no local sòzinho,
perdido em reflexões interiores. A maioria forma rodinhas, conversa, conta piadas.
Nelson, com 26 anos, começou a fumar quando chegou à empresa, em 2005. Ele trabalhava no help-desk,
atendendo funcionários, numa epoca em que os serviços de informática começavam a ser ampliados e
renovados. Havia muitos problemas, muitos chamados no seu ramal e nem sempre havia meios de dar
respostas com os prazos que se esperava nem com a eficiencia que se cobrava. Quem já acompanhou este
tipo de atividade sabe como é fácil uma consulta banal se transformar numa troca de palavras tensas e
até termos ofensivos, gerando rupturas e mágoas dolorosas.
“Eu passava dez horas por dia, direto, sem descansar. Às vezes, não tinha pausa nenhuma. Era muita
pressão.” O não-fumante Nelson começou a frequentar o fumódromo – na época, um ambiente fechado com
café e água – em busca de alívio, companhia e conversa. “Eu também queria aquela pausa de alguns
minutos,” diz. Ocorreu então, uma cena curiosa, conta. “A minha chefe sabia que eu não fumava e
ficava me questionando. Ela dizia: ‘vai trabalhar. Esse lugar é para quem fuma.’”
Sem fumantes em casa – seu pai largou o cigarro há 13 anos – Nelson diz que foi assim que começou a
fumar. Seus maços de cigarro duram uma semana, pois fuma apenas três por dia. Um ao chegar na
empresa, de manhã. O outro depois do almoço e o último na hora de ir embora. Não leva o maço para
casa. “Minha mulher reclama. Não queria que eu fumasse.”
Com 30 anos, Maria Joana nasceu numa família de fumantes mas só tornou-se “viciada” aos 18. Consome
entre dez e quinze cigarros por dia, o que faz dela uma presença relativamente frequente no
fumódromo. Estava em seu emprego anterior, numa escola, quando a Agencia Nacional de Vigilancia
Sanitária proibiu o fumo em locais fechados. Acha que foi uma boa idéia: “A gente ficava cheirando
como se tivesse fumado um charuto, com a roupa toda impregnada.”
Robert, 24 anos, conheceu sua atual namorada num fumódromo — de balada. Ele se diverte ao lembrar que quando tinha um chefe que era fumante, a equipe fazia reuniões de trabalho no fumódromo “com todo
mundo fumando.”
Hoje não é mais assim. O fumódromo virou uma área de lazer e descanso e não de trabalho. “Aqui você
não vê ninguém estressado.” Apontando para um morro não muito distante, Robert ironiza: “até a favela
fica mais bonita.” Numa conversa recente no fumódromo, discutiu-se a vantagem de começar a usar um
cigarro elétrico, que solta uma fumaça a base de vapor de água. “Ele não incomoda ninguém e é
autorizado até em avião, ” diz Robert. “Mas tem bateria e ela pode fazer mal.”
Com 44 anos de idade, João, que trabalha há 20 na empresa, nunca fumou nem teve vontade de fumar.
Mas não deixa de ir ao fumódromo, ao menos uma vez por dia. Ele se queixa que, no local de trabalho,
há uma tensão permanente em torno do ar condicionado, forte demais para uns, fraco demais para
outros. Outro elemento desagradável é que, com as janelas fechadas, as pessoas ficam com a sensação
de que estão aprisionadas, enquanto que, ao ar livre, tem uma sensação inversa. “No fumódromo não se
fala de trabalho.”
Fala-se de trabalho, mas de outro jeito. Conheci de longe o fumódromo de outra empresa. Com funcionários mais velhos, o número de fumantes era considerável. Eles costumavam reunir-se todos os dias, num horário mais ou menos
estabelecido, para fumar – e conversar sobre as tarefas do momento. O fato de se encontrarem na
empresa, mas num ambiente que não era de trabalho, contribuia para que ficassem menos inibidos.
Acumpliciada pelo cigarro, a conversa fluia com mais naturalidade e menos hierarquia.
Parecia mais um diálogo entre amigos do que um encontro profissional, com todas as implicações aí envolvidas. Não havia o temor de dizer uma besteira e ouvir uma bronca. Mesmos os mais velhos e experientes reprimiam a tendencia quase natural de mostrar mais conhecimento, o que seria uma tremenda falta de educação.
Afinal, era um encontro de fumantes e não de funcionários, embora todos ali fossem as duas coisas.
Conta um dos fumantes, Ricardo, 58 anos: “Mais tarde, havia uma dessas reuniões de departamento, onde
se fechavam projetos de trabalho. Eu começava dizendo assim: ‘o pessoal do fumódromo conversou e acha
isso e aquilo…’ E era verdade.”
Com todas as vantagens que proporciona, o fumódromo não é nem poderia ser utopico aquário de
bem-estar. Permite momentos fugidios, ainda que agradáveis, mas não altera normas nem regras de
funcionamento de uma empresa como as demais, onde todos tem tarefas a cumprir. Tereza, de 25 anos,
conta que não consegue ir ao fumódromo como gostaria. “Venho aqui nos intervalos, quando sei que não
vão precisar de mim. Mas volto rápido. Muitas vezes, quando a pessoa levanta para vir até aqui, o
chefe pergunta: ‘de novo? Quando você volta?’”
Ela observa que é possível receber um recado de trabalho disfarçado de preocupação com a saúde do
funcionário: “Tem chefe que fala assim: você está fumando demais…Muitas vezes ele quer dizer outra
coisa.”
Reflexões sobre um fumódromo
Desde que as autoridades se convenceram de que o tabaco faz muito mal à saúde os fumódromos
tornaram-se um dos ambientes típicos de nossa época. Já que não era permitido fumar no interior de
bares nem nos restaurantes, muitos menos no trabalho  nem nas escolas, era preciso encontrar um local
onde os dependentes de nicotina pudessem satisfazer-se. Com os fumódromos, evita-se cenas
desagradáveis entre fumantes e não fumantes.
Para os não-fumantes, o fumódromo tem a utilidade de manter longe de seu organismo aquelas
substâncias indesejáveis, que podem comprometer sua saúde. Para os fumantes, assegura o exercício de  um direito – a nicotina não é uma substancia proibida, afinal de contas – sem obrigá-los a enfrentar
a irritação de boa parte dos não-fumantes, que costumam tratá-los ora como pessoas egoístas, que não tem consideração pelo bem-estar dos outros, ora como pessoas de caráter fraco, porque incapazes de
largar um costume que todos sabem que é prejudicial à própria saúde.
Os fumódromos evoluíram ao longo do tempo. No início, quando sequer tinham esse nome, havia áreas reservadas para fumantes em locais públicos – inclusive aviões. Mais tarde, o cigarro foi proibido em
determinados ambientes – como os aviões – e autorizados em locais demarcados. Em muitas empresas, era
comum manter-se uma sala – onde havia até uma máquina de café, às vezes – para os fumantes. Em sua
versão mais recente, muitos fumódromos são um não-lugar, digamos assim.
Você não pode fumar em nenhum ambiente fechado nem nas áreas onde pode encontrar os não-fumantes. Mas
é autorizado a ir para a calçada acender seu cigarro. E aqui temos uma situação interessante, que ajuda a entender nosso assunto.
Nossa visão sobre o cigarro transformou o fumante numa espécie de paciente de uma moléstia incurável.
Essa visão, com certeza, pode prejudicá-lo em sua vida profissional e até lhe dar uma condição de personagem repugnante. Quem nunca ouviu uma pessoa queixar-se daquele cidadão que “vive cheirando a
cigarro?”
Em compensação, o fumódromo dá ao fumante um direito exclusivo. Ele pode sair do local de trabalho e
passar alguns minutos em conversas relaxadas, onde pode escolher o assunto, não precisa dar
satisfação aos demais nem submeter-se à rotina hierarquizada de toda empresa. Pode trocar idéias,
fazer fofocas e até flertar. Pode fazer isso várias vezes ao dia, até o limite em que seu pulmão aguentar e seus superiores não
considerarem um abuso. Minhas conversas com frequentadores de fumódromo revelam como isso é
importante para eles.
Passei vários dias em entrevistas com frequentadores de um fumódromo instalado numa empresa de São Paulo. Com 500 funcionários e perto de 50 fumantes, ela possui um fumódromo com bancos para as pessoas conversarem à vontade. A circulação de ar é boa e, salvo nos dias de chuva, ali é um bom lugar para se conveersar.
O aspecto mais curioso deste fumódromo, porém, não reside em sua infraestrutura. São as relações
entre as pessoas. Ir ao fumódromo tornou-se uma pausa agradável na rotina de pressão e cobrança de
funcionários. Ali as pessoas podem conversar com relativa liberdade, falar co menos receio e até
receber notícias de colegas que não encontram há muito tempo. Em toda parte o desprestígio do cigarro
e as preocupações com a sauda permitiram que as empresas controlem quem é fumante e quem não é. Essa
situação fez diminuir o número de fumantes entre as pessoas que ocupam postos de chefia, já que o ato
de não-fumar conta, perceptivelmente, com um ponto positivo na vida profissional. Por essa
característica demográfica, digamos assim, há poucos chefes no fumódromo — o que só contribui para
um clima de maior relaxamento e liberalidade.
Em dias diferentes, entrevistei dez frequentadores deste fumódromo. Um dos mais assíduos é Luís Antonio, 60 anos. Ele experimentou o primeiro cigarro quando começou  trabalhar, há 40 anos, e não
largou mais. É um dos frequentadores mais presentes ao local. Está sempre por lá, me dizem — coisa
que pude confirmar pessoalmente. Luis Antonio me diz que “pensa melhor” quando está ali.
Assim, quando tem alguma dúvida relacionada ao trabalho, precisa tomar uma decisão ou necessita uma
idéia nova, vai até o fumódromo, dá umas tragadas e em geral a solução logo aparece, me diz.
Mas não é só isso. Ele diz que toda empresa “é divida em tribos que não se misturam. No fumódromo, as
pessoas se aproximam.”
Como ocorre com muitos fumantes, há um temor profundo e oculto em relação aos males que o cigarro
provoca. Pergunto a Luiz Antonio quantos cigarros ele fuma por dia. Em vez de responder, ele me
explica que fuma uma marca que contém 1 miligrama de nicotina. “Os fumantes detestam esse
cigarro. Acham vergonhoso. Nem parece que é cigarro de verdade, porque tem pouca nicotina. O cigarro
normal tem até dez vezes mais.” O fato de usar o cigarro como instrumento de trabalho tem outras implicações. Faz com que a presença
de Luiz Antonio no local seja diferenciada por outra razão. Muitas vezes ele fica no local sòzinho,
perdido em reflexões interiores. A maioria forma rodinhas, conversa, conta piadas.
Nelson, com 26 anos, começou a fumar quando chegou à empresa, em 2005. Ele trabalhava no help-desk,
atendendo funcionários, numa epoca em que os serviços de informática começavam a ser ampliados e
renovados. Havia muitos problemas, muitos chamados no seu ramal e nem sempre havia meios de dar
respostas com os prazos que se esperava nem com a eficiencia que se cobrava. Quem já acompanhou este
tipo de atividade sabe como é fácil uma consulta banal se transformar numa troca de palavras tensas e
até termos ofensivos, gerando rupturas e mágoas dolorosas.
“Eu passava dez horas por dia, direto, sem descansar. Às vezes, não tinha pausa nenhuma. Era muita
pressão.” O não-fumante Nelson começou a frequentar o fumódromo – na época, ainda um ambiente fechado com
café e água – em busca de alívio, companhia e conversa. “Eu também queria aquela pausa de alguns
minutos,” diz. Ocorreu então, uma cena curiosa, conta. “A minha chefe sabia que eu não fumava e
ficava me questionando. Ela dizia: ‘vai trabalhar. Esse lugar é para quem fuma.’”
Sem fumantes em casa – seu pai largou o cigarro há 13 anos – Nelson diz que foi assim que começou a
fumar. Seus maços de cigarro duram uma semana, pois fuma apenas três por dia. Um ao chegar na
empresa, de manhã. O outro depois do almoço e o último na hora de ir embora. Não leva o maço para
casa. “Minha mulher reclama. Não queria que eu fumasse.”
Com 30 anos, Maria Joana nasceu numa família de fumantes mas só tornou-se “viciada” aos 18. Consome
entre dez e quinze cigarros por dia, o que faz dela uma presença relativamente frequente no
fumódromo. Estava em seu emprego anterior, numa escola, quando a Agencia Nacional de Vigilância
Sanitária proibiu o fumo em locais fechados. Acha que foi uma boa idéia: “A gente ficava cheirando
como se tivesse fumado um charuto, com a roupa toda impregnada.”
Robert, 24 anos, conheceu sua atual namorada num fumódromo — de balada. Ele se diverte ao lembrar que quando tinha um chefe que era fumante, a equipe fazia reuniões de trabalho no fumódromo “com todo
mundo fumando.”
Hoje não é mais assim. O fumódromo virou uma área de lazer e descanso e não de trabalho. “Aqui você
não vê ninguém estressado.” Apontando para um morro não muito distante, Robert ironiza: “até a favela
fica mais bonita.” Numa conversa recente no fumódromo, discutiu-se a vantagem de começar a usar um
cigarro elétrico, que solta uma fumaça a base de vapor de água. “Ele não incomoda ninguém e é
autorizado até em avião, ” diz Robert. “Mas tem bateria e ela pode fazer mal.”
Com 44 anos de idade, João, que trabalha há 20 na empresa, nunca fumou nem teve vontade de fumar.
Mas não deixa de ir ao fumódromo, ao menos uma vez por dia. Ele se queixa que, no local de trabalho,
há uma tensão permanente em torno do ar condicionado, forte demais para uns, fraco demais para
outros. Outro elemento desagradável é que, com as janelas fechadas, as pessoas ficam com a sensação
de que estão aprisionadas, enquanto que, ao ar livre, tem uma sensação inversa. “No fumódromo não se
fala de trabalho.”
Fala-se de trabalho, mas de outro jeito. Conheci de longe o fumódromo de outra empresa. Com funcionários mais velhos, o número de fumantes era considerável. Eles costumavam reunir-se todos os dias, num horário mais ou menos
estabelecido, para fumar – e conversar sobre as tarefas do momento. O fato de se encontrarem na
empresa, mas num ambiente que não era de trabalho, contribuia para que ficassem menos inibidos.
Acumpliciada pelo cigarro, a conversa fluia com mais naturalidade e menos hierarquia. Parecia mais um diálogo entre amigos do que um encontro profissional, com todas as implicações aí envolvidas. Não havia o temor de dizer uma besteira e ouvir uma bronca. Mesmos os mais velhos e experientes reprimiam a tendencia quase natural de mostrar mais conhecimento, o que seria uma tremenda falta de educação.
Afinal, era um encontro de fumantes e não de funcionários, embora todos ali fossem as duas coisas. Conta um dos fumantes, Ricardo, 58 anos: “Mais tarde, havia uma dessas reuniões de departamento, onde
se fechavam projetos de trabalho. Eu começava dizendo assim: ‘o pessoal do fumódromo conversou e acha
isso e aquilo…’ E era verdade.”    Com todas as vantagens que proporciona, o fumódromo não é nem poderia ser utopico aquário de
bem-estar. Permite momentos fugidios, ainda que agradáveis, mas não altera normas nem regras de
funcionamento de uma empresa como as demais, onde todos tem tarefas a cumprir. Tereza, de 25 anos,
conta que não consegue ir ao fumódromo como gostaria. “Venho aqui nos intervalos, quando sei que não
vão precisar de mim. Mas volto rápido. Muitas vezes, quando a pessoa levanta para vir até aqui, o
chefe pergunta: ‘de novo? Quando você volta?’” Ela observa que é possível receber um recado de trabalho disfarçado de preocupação com a saúde do
funcionário: “Tem chefe que fala assim: você está fumando demais…Muitas vezes ele quer dizer outra
coisa.”


Nenhum comentário:

Postar um comentário