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quinta-feira, 18 de julho de 2013

Carga tributária, corrupção, senso comum e serviços públicos

Ao contrário do senso comum, os dados mostram que o Brasil não tem a maior carga tributária do mundo. 





Existe uma forma de pensar os problemas existentes nos serviços oferecidos pelo Estado, especialmente em Educação e Saúde, que está disseminada entre as pessoas e é sistematicamente reproduzida pela mídia: a absurda carga tributária brasileira gera uma quantidade enorme de recursos que, em função de desvios, fraudes ou afins – ou seja, da corrupção generalizada – não chegam onde deveriam chegar, explicando a insuficiência e má qualidade dos serviços públicos.

Na verdade, este raciocínio traz consigo uma série de distorções e esconde a real dimensão das questões que se colocam para o país.

Dados consolidados de 2011 mostram que a carga tributária brasileira naquele ano foi de 33,5% do PIB. Numa amostra com 30 países, este percentual coloca o Brasil numa posição intermediária, na 17ª colocação. De fato, estamos à frente de países como Chile (20,1%), EUA (24,8%) e Portugal (31,3%). No topo do ranking estão os países notoriamente conhecidos pela excelência nos serviços públicos: Dinamarca (48,2%) e Suécia (45,8%), sendo a carga tributária brasileira inferior a de países como Itália (43,0%), Eslovênia (37,6%), Hungria (36,7%).

Ao contrário do senso comum, os dados mostram que o Brasil não tem a maior carga tributária do mundo. Mostram também que os impostos, como se vê pelos países escandinavos, são fontes imprescindíveis de recursos. A questão é que a “ira nacional” contra os impostos deveria ser dirigida aquilo que realmente importa: a) a composição da nossa carga tributária; b) a sonegação de impostos c) a destinação dos recursos.

Sobre o primeiro aspecto, dados também de 2011 revelam que quase 50% da nossa carga tributária provem da taxação de bens e serviços (consumo). Parcela relevante, aproximadamente 25%, da tributação sobre a folha salarial e os outros 25% dividem-se entre tributos sobre a renda (19%), sobre a propriedade (3%) e sobre as transações financeiras (2%). Evidencia-se o problema da regressividade do sistema tributário brasileiro, que incide proporcionalmente mais sobre os mais pobres (já que estes comprometem boa parte de sua renda para o consumo). Ao mesmo tempo, o patrimônio e a riqueza são preservados pelos tributos no Brasil.

Em relação à sonegação fiscal, estimativa do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional mostra que, no período de um ano, cerca de R$ 400 bilhões (10% do PIB) deixam de ser arrecadados. A permanência de parcela significativa da população na economia informal, as debilidades da fiscalização e brechas ou artifícios utilizados para não pagar impostos, essencialmente por grandes empresas e os mais riscos, explicariam este resultado.

No que tange à destinação dos recursos, ao contrário do que reza o senso comum, não é a corrupção que provoca os maiores problemas. Em artigo recente, o economista Samuel Pessoa da FGV, que não pode ser acusado de governista, menciona estudos que estimam um desperdício de R$ 6 bilhões por ano com a corrupção. De fato, esta é uma estimativa difícil, mas mesmo que não seja exatamente isso, trata-se de uma questão de ordem de grandeza. Os grandes escândalos de corrupção, isoladamente, envolvem montantes de milhões de reais, enquanto o orçamento público ou PIB se estabelecem em termos de bilhões de reais.

Parênteses: a constatação anterior, de forma alguma, justifica a corrupção, que é moralmente condenável se envolver um ou um milhão de reais (aliás, é curioso como alguns se mostram intransigentes ao condenar políticos e governantes, mas facilmente praticam “pequenos desvios” em suas vidas pessoais). Mas o fato é que, como fonte responsável pela drenagem de recursos públicos, a corrupção é bem menos significativa do aquilo que deixa de ser arrecadado com a sonegação ou, como veremos a seguir, com o que se gasta com outros itens do orçamento público.

Entre 2002 e 2011, o país gastou, em média, 6,3% do PIB para o pagamento com juros e despesas financeiras, algo em torno de R$ 300 bilhões anuais em valores de hoje (Amir Khair, Carta Maior). Ao mesmo tempo, na peça orçamentária de 2013 os gastos previstos pela União com Educação e Saúde são de R$ 71,7 bilhões e R$ 87,7 bilhões, respectivamente. Comparações internacionais não deixam dúvidas quanto ao sub-financiamento dos nossos sistemas de Educação e Saúde (o que não exclui problemas de gestão, ligados à forma de funcionamento da máquina pública no Brasil).

Resumindo alguns pontos: aquilo que deixa de ser arrecado pela sonegação fiscal é quase que 70 vezes mais do que o montante desviado pela corrupção, enquanto o gasto com juros, que se direciona para uma minoria detentora de títulos públicos, é 3,5 vezes maior do que o orçamento da Saúde, supostamente para 190 milhões de brasileiros.

Portanto, a ideia de que todos os problemas se resumem à corrupção dos governos é, na verdade, simplista e totalmente insuficiente para dimensionar os reais desafios do país em oferecer serviços públicos de qualidade. Reforma tributária de caráter progressivo, retomada do crescimento econômico a partir da melhora da relação entre cambio e juros e da recuperação industrial, aumento dos investimentos em infraestrutura e reestruração da máquina pública e das formas de gestão. São temas essenciais e complexos, ou seja, a vida seria bem mais simples se dependêssemos apenas do bom comportamento dos políticos.

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